Meca da esquerda.
Enviado: 21 Mar 2006, 08:12
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/ ... u6419.jhtm
"Sandalistas" dirigem-se para Caracas, nova capital da esquerda
"Você tem um líder tentando provar uma alternativa às políticas que arrasaram a América Latina por 20 anos", resume estudante australiana que agora vive na Venezuela
Por Juan Forero*
Em Caracas, Venezuela
O ator Danny Glover veio. Harry Belafonte também esteve aqui, assim como a ativista contra a guerra Cindy Sheehan, o proeminente autor negro Cornel West e o novo presidente da Bolívia, Evo Morales.
Mas a maior parte dos visitantes são como Cameron Durnsford, estudante de 24 anos da Austrália que decidiu cursar a nova universidade federal em Caracas. Durnsford admitiu ter ficado injuriada com o culto à celebridade em torno do presidente Hugo Chavez, que ela diz parecer "um pouco maoísta". Mas a revolução venezuelana não deve ser desprezada, acrescentou.
"Você tem uma nação e um líder tentando provar uma alternativa ao neoliberalismo e às políticas que arrasaram a América Latina por 20 anos", disse Durnsford. "É por isso que as pessoas estão vindo para cá. Há uma sensação de que este é um momento histórico."
Chavez decididamente pode ser pouco popular junto ao governo Bush, mas apesar disso -ou talvez por causa disso- o presidente venezuelano está atraindo seguidores de todo o mundo e fazendo de Caracas a nova Meca da esquerda.
Evocando outras cidades transformadas por líderes revolucionários, como Manágua (capital da Nicarágua) em 1979 ou Havana 20 anos antes, Caracas está atraindo estudantes e celebridades, acadêmicos e ativistas, avós e hippies- uma nova geração de "Sandalistas", como são chamados.
Alguns, inclusive muitos americanos, vieram para ficar. Outros vêm em uma nova forma de turismo revolucionário organizado pelo governo ou grupos privados.
A Venezuela recebe a todos, mas estende o tapete vermelho para visitantes ilustres como Belafonte, cantor e ativista de 79 anos.
Em janeiro, ele liderou uma delegação americana que incluía Glover, West e Dolores Huerta, defensora dos agricultores. Eles se reuniram com Chavez, passearam por um bairro para conversar com venezuelanos e visitaram programas sociais do governo, que o presidente chama de transferência da riqueza do petróleo para os pobres.
"Nós respeitamos vocês, admiramos vocês e estamos expressando toda nossa solidariedade ao povo venezuelano e sua revolução", disse Belafonte a Chavez durante o programa nacional de televisão semanal do presidente. Ele chamou o presidente Bush -alvo constante das críticas de Chavez- de "o maior terrorista do mundo".
E terminou gritando: "Viva la revolucion!"
Outros recentes visitantes incluíram o reverendo Jesse Jackson; o candidato às eleições presidenciais no Peru de 9 de abril Ollanta Humala; o escritor uruguaio Eduardo Galeano; e o prêmio Nobel argentino Adolfo Perez Esquivel.
Para americanos menos famosos, a nova rota de férias não passa mais pelas famosas praias da ilha Margarita. Em vez disso, grupos como o Global Exchange, com sede em San Francisco, levam os turistas por US$ 1.300 (em torno de R$ 2.600) por uma excursão de duas semanas pelos bairros pobres onde o apoio a Chavez é mais forte.
As excursões incluem visitas a aulas de alfabetização, cooperativas e programas da mídia patrocinados pelo governo. Os visitantes conversam com ministros, assistem um documentário favorável a Chavez chamado "A Revolução Não Vai Passar na Televisão" e reúnem-se com funcionários da estatal de petróleo, que explicam como os petro-dólares são transferidos aos programas sociais.
Uma palestrante freqüente é Eva Golingar, advogada de Nova York que se dedica a expor o que ela chama de evidências do apoio de Washington a grupos de oposição venezuelanos, algo que o governo Bush nega.
Pat Morris, 62, de Chestnut Hill, Massachusetts, que nunca teve boa impressão de seu governo em Washington, ficou sem palavras.
"Eu achava que nosso atual governo era mentiroso e interesseiro, mas não tinha idéia do investimento de longo prazo para desestabilizar o país", disse ela recentemente, com lágrimas nos olhos depois de ouvir Golinger.
Reva Batterman, 27, aluna de pós-graduação, disse que queria vir para a Venezuela para mostrar às pessoas que nem todos os americanos são "defensores de Bush ou imperialistas".
"Espero que os americanos tentem entender Hugo Chavez", disse ela.
A paixão, entretanto, não é unânime. Julio Borges, político da oposição, disse que apesar de Chavez certamente ter ajudado os pobres, ele é duro com a dissensão.
Borges disse que, em vez de ouvir apenas os funcionários do governo, os visitantes devem tomar consciência da inaptidão de Chavez e seus abusos crescentes, como ataques à imprensa -acusações negadas pelo governo.
"Sempre dizemos às pessoas que vêm com essa idéia romântica da Venezuela que, apesar das mudanças, quem domina a transformação são as forças armadas, que a democracia venezuelana é basicamente militarizada", disse Borges. "Você tem que ter uma preocupação profunda com isso. Queremos tirar o véu democrático usado pelo governo."
Um diplomata americano em Caracas, tem as mesmas preocupações: "Venha aqui ampliar a consciência, com certeza. Meu único pedido é que os visitantes tentem ver o outro lado da história."
Emily Kurland, 26, assistente social de Chicago, disse que era isso exatamente que ela e outros estavam fazendo.
"Eles estão frustrados com Bush, frustrados por não serem ouvidos, frustrados com o Iraque", disse Kurland, falando na pequena casa no centro de Caracas que divide com outros estrangeiros. "Eles não confiam na Fox News. Não confiam nos grandes noticiários. Eles querem ver com seus próprios olhos o que está acontecendo aqui."
Ela veio à Venezuela pensando que ia ficar apenas um tempo suficiente para sentir o que era a "revolução bolivariana" de Chavez. Um ano depois, não planeja ir embora.
Ela ensina inglês em aulas patrocinadas pelo governo para os pobres e fala de trabalhar como voluntária em um banco de micro-crédito para as mulheres. Ela passa a maior parte do tempo, no entanto, guiando excursões de americanos que vêm aqui ver como Chavez está mudando seu país.
Há um precedente, é claro: a revolução de Fidel Castro, que em seus primeiros anos colocou ênfase nos contatos de "pessoa a pessoa" e assim angariou apoio entre membros do corpo político americano, neutralizando a oposição.
Ativistas, intelectuais e esquerdistas gravitaram para outros governos -do Chile socialista de Salvador Allende, no início dos anos 70, à Nicarágua sandinista nos anos 80- que também declararam ambições de derrubar a velha ordem de seus países.
"Cuba, Venezuela, Nicarágua e Chile, em certo ponto, tornaram-se a Meca de muitos esquerdistas do mundo", disse Fernando Coronil, professor da Universidade de Michigan e autor de "The Magical State" (o Estado mágico), livro sobre a Venezuela. "Isso foi capitalizado pelos governos. Assim, conseguiram não só apoio estrangeiro mas também uma forma de voltar a atenção do público para certos elementos de amplo apelo da política externa, e não se concentrar em problemas internos."
Alguns dos jovens que visitaram a Venezuela ou se mudaram para cá admitem ter algumas dúvidas.
Chesa Boudin, 25, nova-iorquino voluntário do governo venezuelano, observa, por exemplo, que alguns setores da esquerda glorificam Chavez simplesmente porque ele se posicionou como líder anti-Bush na América Latina.
Mas Boudin, um dos autores de um livro favorável ao governo venezuelano, "The Venezuelan Revolution: 100 Questions _ 100 Answers" (a revolução venezuelana: 100 perguntas - 100 respostas) disse que muitas pessoas que ficaram assustadas com o avanço da globalização viram a possibilidade de um mundo melhor na Venezuela.
"Um país que está tentando criar um modelo alternativo. Isso é corajoso, ambicioso e único, e as pessoas estão se perguntando: 'Será possível?'", disse Boudin. "O intelectual em mim fica curioso."
Talvez nada ilustre melhor a retórica de Chavez sobre servir aos pobres do que Universidade Bolivariana de três anos, que oferece gratuidade para seu corpo estudantil de maioria pobre.
Jerome Le Guinio, 23, da França, chegou há um ano e hoje trabalha na administração da universidade. Ele tem uma namorada venezuelana e mudou-se para Catia, um bairro pobre de alta criminalidade, onde o apoio a Chavez é sólido.
"A idéia é encontrar uma alternativa", disse ele, "e se você não encontrá-la na Venezuela, não vai encontrar em lugar nenhum."
* colaborou Jens Gould
"Sandalistas" dirigem-se para Caracas, nova capital da esquerda
"Você tem um líder tentando provar uma alternativa às políticas que arrasaram a América Latina por 20 anos", resume estudante australiana que agora vive na Venezuela
Por Juan Forero*
Em Caracas, Venezuela
O ator Danny Glover veio. Harry Belafonte também esteve aqui, assim como a ativista contra a guerra Cindy Sheehan, o proeminente autor negro Cornel West e o novo presidente da Bolívia, Evo Morales.
Mas a maior parte dos visitantes são como Cameron Durnsford, estudante de 24 anos da Austrália que decidiu cursar a nova universidade federal em Caracas. Durnsford admitiu ter ficado injuriada com o culto à celebridade em torno do presidente Hugo Chavez, que ela diz parecer "um pouco maoísta". Mas a revolução venezuelana não deve ser desprezada, acrescentou.
"Você tem uma nação e um líder tentando provar uma alternativa ao neoliberalismo e às políticas que arrasaram a América Latina por 20 anos", disse Durnsford. "É por isso que as pessoas estão vindo para cá. Há uma sensação de que este é um momento histórico."
Chavez decididamente pode ser pouco popular junto ao governo Bush, mas apesar disso -ou talvez por causa disso- o presidente venezuelano está atraindo seguidores de todo o mundo e fazendo de Caracas a nova Meca da esquerda.
Evocando outras cidades transformadas por líderes revolucionários, como Manágua (capital da Nicarágua) em 1979 ou Havana 20 anos antes, Caracas está atraindo estudantes e celebridades, acadêmicos e ativistas, avós e hippies- uma nova geração de "Sandalistas", como são chamados.
Alguns, inclusive muitos americanos, vieram para ficar. Outros vêm em uma nova forma de turismo revolucionário organizado pelo governo ou grupos privados.
A Venezuela recebe a todos, mas estende o tapete vermelho para visitantes ilustres como Belafonte, cantor e ativista de 79 anos.
Em janeiro, ele liderou uma delegação americana que incluía Glover, West e Dolores Huerta, defensora dos agricultores. Eles se reuniram com Chavez, passearam por um bairro para conversar com venezuelanos e visitaram programas sociais do governo, que o presidente chama de transferência da riqueza do petróleo para os pobres.
"Nós respeitamos vocês, admiramos vocês e estamos expressando toda nossa solidariedade ao povo venezuelano e sua revolução", disse Belafonte a Chavez durante o programa nacional de televisão semanal do presidente. Ele chamou o presidente Bush -alvo constante das críticas de Chavez- de "o maior terrorista do mundo".
E terminou gritando: "Viva la revolucion!"
Outros recentes visitantes incluíram o reverendo Jesse Jackson; o candidato às eleições presidenciais no Peru de 9 de abril Ollanta Humala; o escritor uruguaio Eduardo Galeano; e o prêmio Nobel argentino Adolfo Perez Esquivel.
Para americanos menos famosos, a nova rota de férias não passa mais pelas famosas praias da ilha Margarita. Em vez disso, grupos como o Global Exchange, com sede em San Francisco, levam os turistas por US$ 1.300 (em torno de R$ 2.600) por uma excursão de duas semanas pelos bairros pobres onde o apoio a Chavez é mais forte.
As excursões incluem visitas a aulas de alfabetização, cooperativas e programas da mídia patrocinados pelo governo. Os visitantes conversam com ministros, assistem um documentário favorável a Chavez chamado "A Revolução Não Vai Passar na Televisão" e reúnem-se com funcionários da estatal de petróleo, que explicam como os petro-dólares são transferidos aos programas sociais.
Uma palestrante freqüente é Eva Golingar, advogada de Nova York que se dedica a expor o que ela chama de evidências do apoio de Washington a grupos de oposição venezuelanos, algo que o governo Bush nega.
Pat Morris, 62, de Chestnut Hill, Massachusetts, que nunca teve boa impressão de seu governo em Washington, ficou sem palavras.
"Eu achava que nosso atual governo era mentiroso e interesseiro, mas não tinha idéia do investimento de longo prazo para desestabilizar o país", disse ela recentemente, com lágrimas nos olhos depois de ouvir Golinger.
Reva Batterman, 27, aluna de pós-graduação, disse que queria vir para a Venezuela para mostrar às pessoas que nem todos os americanos são "defensores de Bush ou imperialistas".
"Espero que os americanos tentem entender Hugo Chavez", disse ela.
A paixão, entretanto, não é unânime. Julio Borges, político da oposição, disse que apesar de Chavez certamente ter ajudado os pobres, ele é duro com a dissensão.
Borges disse que, em vez de ouvir apenas os funcionários do governo, os visitantes devem tomar consciência da inaptidão de Chavez e seus abusos crescentes, como ataques à imprensa -acusações negadas pelo governo.
"Sempre dizemos às pessoas que vêm com essa idéia romântica da Venezuela que, apesar das mudanças, quem domina a transformação são as forças armadas, que a democracia venezuelana é basicamente militarizada", disse Borges. "Você tem que ter uma preocupação profunda com isso. Queremos tirar o véu democrático usado pelo governo."
Um diplomata americano em Caracas, tem as mesmas preocupações: "Venha aqui ampliar a consciência, com certeza. Meu único pedido é que os visitantes tentem ver o outro lado da história."
Emily Kurland, 26, assistente social de Chicago, disse que era isso exatamente que ela e outros estavam fazendo.
"Eles estão frustrados com Bush, frustrados por não serem ouvidos, frustrados com o Iraque", disse Kurland, falando na pequena casa no centro de Caracas que divide com outros estrangeiros. "Eles não confiam na Fox News. Não confiam nos grandes noticiários. Eles querem ver com seus próprios olhos o que está acontecendo aqui."
Ela veio à Venezuela pensando que ia ficar apenas um tempo suficiente para sentir o que era a "revolução bolivariana" de Chavez. Um ano depois, não planeja ir embora.
Ela ensina inglês em aulas patrocinadas pelo governo para os pobres e fala de trabalhar como voluntária em um banco de micro-crédito para as mulheres. Ela passa a maior parte do tempo, no entanto, guiando excursões de americanos que vêm aqui ver como Chavez está mudando seu país.
Há um precedente, é claro: a revolução de Fidel Castro, que em seus primeiros anos colocou ênfase nos contatos de "pessoa a pessoa" e assim angariou apoio entre membros do corpo político americano, neutralizando a oposição.
Ativistas, intelectuais e esquerdistas gravitaram para outros governos -do Chile socialista de Salvador Allende, no início dos anos 70, à Nicarágua sandinista nos anos 80- que também declararam ambições de derrubar a velha ordem de seus países.
"Cuba, Venezuela, Nicarágua e Chile, em certo ponto, tornaram-se a Meca de muitos esquerdistas do mundo", disse Fernando Coronil, professor da Universidade de Michigan e autor de "The Magical State" (o Estado mágico), livro sobre a Venezuela. "Isso foi capitalizado pelos governos. Assim, conseguiram não só apoio estrangeiro mas também uma forma de voltar a atenção do público para certos elementos de amplo apelo da política externa, e não se concentrar em problemas internos."
Alguns dos jovens que visitaram a Venezuela ou se mudaram para cá admitem ter algumas dúvidas.
Chesa Boudin, 25, nova-iorquino voluntário do governo venezuelano, observa, por exemplo, que alguns setores da esquerda glorificam Chavez simplesmente porque ele se posicionou como líder anti-Bush na América Latina.
Mas Boudin, um dos autores de um livro favorável ao governo venezuelano, "The Venezuelan Revolution: 100 Questions _ 100 Answers" (a revolução venezuelana: 100 perguntas - 100 respostas) disse que muitas pessoas que ficaram assustadas com o avanço da globalização viram a possibilidade de um mundo melhor na Venezuela.
"Um país que está tentando criar um modelo alternativo. Isso é corajoso, ambicioso e único, e as pessoas estão se perguntando: 'Será possível?'", disse Boudin. "O intelectual em mim fica curioso."
Talvez nada ilustre melhor a retórica de Chavez sobre servir aos pobres do que Universidade Bolivariana de três anos, que oferece gratuidade para seu corpo estudantil de maioria pobre.
Jerome Le Guinio, 23, da França, chegou há um ano e hoje trabalha na administração da universidade. Ele tem uma namorada venezuelana e mudou-se para Catia, um bairro pobre de alta criminalidade, onde o apoio a Chavez é sólido.
"A idéia é encontrar uma alternativa", disse ele, "e se você não encontrá-la na Venezuela, não vai encontrar em lugar nenhum."
* colaborou Jens Gould