Paróquia alemã quer reformar igreja nazista
Enviado: 26 Mar 2006, 11:08
Igreja vive dilema histórico
"Jornal do Brasil" - 26/03/06
Paróquia defende reforma de templo nazista para que alemães nunca se esqueçam das atrocidades do Terceiro Reich
Sheila Machado
O Terceiro Reich caiu há 61 anos, mas quem entra na Igreja Memorial Martinho Lutero pode achar que voltou no tempo. Este é o último templo nazista da Alemanha, cujo interior é decorado com símbolos de exaltação a Adolf Hitler e à supremacia ariana. Até um ano atrás, ainda era usado para cultos protestantes, mas foi fechado depois que um pedaço da fachada desabou. Desde então, a paróquia de Tempelhof está mobilizada para arrecadar fundos para a reforma de toda a estrutura, abalada. A campanha, entretanto, faz os alemães encararem um dilema ético: deve-se salvar um símbolo nazista?
Para Isolde Böhm, decana da paróquia, este é um esforço que vale a pena:
- O prédio vai continuar servindo de alerta às futuras gerações, uma forma de lembrar como a sociedade e a Igreja Protestante se alinharam com os nazistas nos anos 30.
A historiadora Doris Bergen, especializada em nazismo, concorda:
- Algo da iconografia fascista deve permanecer para que os alemães nunca se esqueçam do que aconteceu - afirmou ao JB.
Na Martinho Lutero, símbolos sacros misturam-se aos políticos, um sinal claro do quanto o Movimento Cristão Alemão (DC, sigla em alemão) foi poderoso no regime de Hitler. Esta corrente dentro da Igreja Protestante representava 30% dos fiéis nos anos 30 e pretendia criar uma síntese do cristianismo e do nazismo. A figura de Jesus, talhada em madeira no púlpito, tem feições arianas. No rosto, não há expressão de sofrimento, mas de vitória. Em vez de apóstolos, quem acompanha Jesus são homens do temido esquadrão de defesa Schutzstaffel (SS). Outros soldados, com o tradicional capacete da milícia, aparecem em todas as paredes do templo. A porta é guardada pela estátua de um paramilitar da tropa de assalto Sturmabteilung (SA).
- Os membros da DC queriam uma forma de cristandade que fosse explicitamente anti-judaica e se adequasse à necessidade de uma nação ''masculina'', poderosa - explica Doris. - Muitos deles tinham dinheiro e posições de poder no governo, em universidades. Logo, financiavam a decoração da igreja, a publicação de livros e outras maneiras de divulgar suas idéias.
As suásticas, apropriadas por Hitler como símbolo do Terceiro Reich, também apareciam em todas as partes da construção. Mas foram apagadas depois da Segunda Guerra, quando o uso tornou-se proibido na Alemanha. Na nave, havia um busto do ditador, também retirado.
- O rosto de Hitler talhado em madeira foi substituído pelo de Lutero - conta Isolde. - A DC queria mostrar que religião e nazismo podiam se fundir. Mas não é possível. O problema que este templo ressalta, e por isso deve ser preservado, é o perigo de a Igreja tender a se adaptar à cultura corrente.
A ministra revela ainda que era ''muito difícil'' fazer sermões na Martinho Lutero, ''porque as palavras ecoam nos símbolos à volta''.
- É penoso falar sobre dignidade humana quando o entorno evoca um sistema que não tinha o menor respeito pela vida alheia, especialmente a dos judeus. Às vezes, tenho a sensação de que os símbolos acabam tendo mais poder do que as palavras.
É nestas horas que Isolde teme que, se reaberta, a igreja possa se tornar um lugar de peregrinação para os neonazistas. Doris acredita que esta possibilidade é remota.
- Eles não são ligados à religião como eram os alemães depois da Primeira Guerra - afirma. - Num primeiro momento, houve uma crise de fé, por causa de tantas mortes sem sentido. A tática da Igreja, então, foi alinhar-se com o movimento fascista, que era popular na sociedade.
O plano final é que a Martinho Lutero seja declarada patrimônio histórico da Alemanha e passe a receber fundos federais para manutenção. Mesmo que consiga ser reformado, o templo não voltará a abrigar serviços religiosos regulares. A nave é grande demais para o tamanho da comunidade protestante de Tempelhof.
Mas os párocos pretendem abrir a igreja para ''cerimônias especiais'', como cultos em 27 de janeiro, dia da liberação do campo de concentração de Auschwitz, em 1945. Outra data que será lembrada é 9 de novembro, quando ocorreu em 1938 a onda de ataques contra propriedades de judeus na Alemanha, conhecida como ''A Noite dos Cristais''.
"Jornal do Brasil" - 26/03/06
Paróquia defende reforma de templo nazista para que alemães nunca se esqueçam das atrocidades do Terceiro Reich
Sheila Machado
O Terceiro Reich caiu há 61 anos, mas quem entra na Igreja Memorial Martinho Lutero pode achar que voltou no tempo. Este é o último templo nazista da Alemanha, cujo interior é decorado com símbolos de exaltação a Adolf Hitler e à supremacia ariana. Até um ano atrás, ainda era usado para cultos protestantes, mas foi fechado depois que um pedaço da fachada desabou. Desde então, a paróquia de Tempelhof está mobilizada para arrecadar fundos para a reforma de toda a estrutura, abalada. A campanha, entretanto, faz os alemães encararem um dilema ético: deve-se salvar um símbolo nazista?
Para Isolde Böhm, decana da paróquia, este é um esforço que vale a pena:
- O prédio vai continuar servindo de alerta às futuras gerações, uma forma de lembrar como a sociedade e a Igreja Protestante se alinharam com os nazistas nos anos 30.
A historiadora Doris Bergen, especializada em nazismo, concorda:
- Algo da iconografia fascista deve permanecer para que os alemães nunca se esqueçam do que aconteceu - afirmou ao JB.
Na Martinho Lutero, símbolos sacros misturam-se aos políticos, um sinal claro do quanto o Movimento Cristão Alemão (DC, sigla em alemão) foi poderoso no regime de Hitler. Esta corrente dentro da Igreja Protestante representava 30% dos fiéis nos anos 30 e pretendia criar uma síntese do cristianismo e do nazismo. A figura de Jesus, talhada em madeira no púlpito, tem feições arianas. No rosto, não há expressão de sofrimento, mas de vitória. Em vez de apóstolos, quem acompanha Jesus são homens do temido esquadrão de defesa Schutzstaffel (SS). Outros soldados, com o tradicional capacete da milícia, aparecem em todas as paredes do templo. A porta é guardada pela estátua de um paramilitar da tropa de assalto Sturmabteilung (SA).
- Os membros da DC queriam uma forma de cristandade que fosse explicitamente anti-judaica e se adequasse à necessidade de uma nação ''masculina'', poderosa - explica Doris. - Muitos deles tinham dinheiro e posições de poder no governo, em universidades. Logo, financiavam a decoração da igreja, a publicação de livros e outras maneiras de divulgar suas idéias.
As suásticas, apropriadas por Hitler como símbolo do Terceiro Reich, também apareciam em todas as partes da construção. Mas foram apagadas depois da Segunda Guerra, quando o uso tornou-se proibido na Alemanha. Na nave, havia um busto do ditador, também retirado.
- O rosto de Hitler talhado em madeira foi substituído pelo de Lutero - conta Isolde. - A DC queria mostrar que religião e nazismo podiam se fundir. Mas não é possível. O problema que este templo ressalta, e por isso deve ser preservado, é o perigo de a Igreja tender a se adaptar à cultura corrente.
A ministra revela ainda que era ''muito difícil'' fazer sermões na Martinho Lutero, ''porque as palavras ecoam nos símbolos à volta''.
- É penoso falar sobre dignidade humana quando o entorno evoca um sistema que não tinha o menor respeito pela vida alheia, especialmente a dos judeus. Às vezes, tenho a sensação de que os símbolos acabam tendo mais poder do que as palavras.
É nestas horas que Isolde teme que, se reaberta, a igreja possa se tornar um lugar de peregrinação para os neonazistas. Doris acredita que esta possibilidade é remota.
- Eles não são ligados à religião como eram os alemães depois da Primeira Guerra - afirma. - Num primeiro momento, houve uma crise de fé, por causa de tantas mortes sem sentido. A tática da Igreja, então, foi alinhar-se com o movimento fascista, que era popular na sociedade.
O plano final é que a Martinho Lutero seja declarada patrimônio histórico da Alemanha e passe a receber fundos federais para manutenção. Mesmo que consiga ser reformado, o templo não voltará a abrigar serviços religiosos regulares. A nave é grande demais para o tamanho da comunidade protestante de Tempelhof.
Mas os párocos pretendem abrir a igreja para ''cerimônias especiais'', como cultos em 27 de janeiro, dia da liberação do campo de concentração de Auschwitz, em 1945. Outra data que será lembrada é 9 de novembro, quando ocorreu em 1938 a onda de ataques contra propriedades de judeus na Alemanha, conhecida como ''A Noite dos Cristais''.