Porque Katie King não era uma fraude...
Enviado: 04 Abr 2006, 13:10
Katie King
Depois de Robert Dale Owen, as experiências de materialização fizeram grandes progressos e os seus detalhes se tornaram mais conhecidos. Todos quantos se têm ocupado de espiritualismo, espiritismo ou ocultismo leram ou devem ler o livro de William Crookes, que já mencionei. No fim desse livro, o grande químico inglês fala de uma forma materializada que tomou o nome de Katie King. Embora atestado por uma autoridade científica do valor de William Crookes, o fato pareceu tão extraordinário, tão inverossímil, que uns o negaram e outros sorriram desdenhosamente. As experiências se realizaram de 1872 a 1874, em casa do Sr. Crookes, com o auxílio de uma poderosa médium ainda muito jovem, miss Florence Cook, que passou vários meses na casa do químico, em companhia de sua família; e, dadas as precauções tomadas por este, qualquer impostura se tornava impossível. Eis os fatos em duas palavras: Miss Cook estava sentada na biblioteca do Sr. Crookes, separada, por uma cortina, dos assistentes, que se achavam no laboratório. Desde que miss Cook se achava em letargia, uma forma feminina levantava a cortina, avançava e conversava com todos, depois entrava na biblioteca, ou às vezes desaparecia subitamente.
Pessoas muito maliciosas não deixaram de dizer que era a própria miss Cook quem personificava a forma, e que durante esse tempo um manequim vestido a substituía na biblioteca. Os detalhes que passo a dar mostrarão a puerilidade de semelhante hipótese, que não merece as honras numa discussão.
Mas tão novo era o fenômeno, e sobretudo tão espantoso, que W. Crookes foi atacado e criticado por todos os modos; tendo constatado perfeitamente os fatos, preferiu guardar silêncio.
O que ele não quis dizer vou eu tentar referir, graças a testemunhas presenciais das suas sessões, como o Dr. Gully, Epes Sargent (publicista americano) e Florence Marryat, filha do capitão Marryat, e muitos outros.
Comecemos por Fl. Marryat. Em um livro a que deu por título um verso de Longfellow “A morte não existe”, ela refere muitos detalhes acerca de Katie King. Concedo-lhe a palavra:
“Katie King dizia ter sido Annie Morgan, filha de sir H. Morgan, célebre pirata do tempo de Cromwell; casara-se, e aos vinte e dois anos morrera.”
“Todas as vezes que se perguntava porque voltava à Terra, respondia invariavelmente que “em parte era para convencer o mundo da realidade da vida futura, e em parte também para expiar seus crimes.”
Isto em nada lisonjeia o nosso planeta, que bem poderia ser considerado uma espécie de purgatório, a julgar pela infinidade de males e dores de que somos nele acabrunhados.
“Miss Cook – diz Fl. Marryat – é uma mocinha morena, de olhos e cabelos negros. Às vezes, Katie parecia-se muitíssimo com ela18, mas em outras ocasiões a dissemelhança era palpável.
“Em uma fotografia que ainda possuo, Katie parece o duplo de miss Cook, e entretanto esta também olhava quando se tirou a fotografia.
“Assisti muitas vezes às experiências feitas pelo Sr. Crookes com miss Cooks; vi os anéis dos cabelos desta presos ao soalho, fora da cortina que a separava dos assistentes.
“Vi miss Cook colocada na plataforma duma balança, construída propositalmente pelo Sr. Crookes, e constatei que a médium (miss Cook) pesava 112 libras; mas, logo que o Espírito materializado se formava, o corpo da médium não pesava mais que a metade, 56 libras. “Este fato é dos mais importantes, porque prova que a saída do corpo psíquico que serve para a materialização faz perder ao médium uma parte as sua substância vital. É o que torna tais experiências tão perigosas para o médium, cuja vida muitas vezes se acha gravemente comprometida.
“Vi muitas vezes – diz F. Marryat – miss Cook e Katie, uma ao lado da outra.
“Não tenho, pois, dúvida de que eram duas criaturas diferentes. W. Crookes também constatou o mesmo fato.”
Passemos a outros testemunhos.
O Sr. Tapp, da associação dos investigadores de Dalston, obteve permissão para examinar de perto a figura e o corpo de Katie com uma luz suficiente; constatou que os braços eram mais espessos e longos que os da médium; as mãos também eram maiores, com unhas magníficas e diferentes das de miss Cook, que tinha o mau hábito de roer as unhas. Segurando com uma das mãos o braço da forma materializada, o Sr. Tapp correu a outra mão ao longo dele até o ombro. A pele, diz ele, era duma untuosidade fora do comum, como a da cera e do mármore, e todavia a temperatura geral era a do corpo humano. O Sr. Tapp constatou com surpresa que não havia ossos no punho.
Outra vez, refere o senhor Tapp que, tenho segurado Katie pelo punho, ele o sentiu ceder sob a pressão, como um pedaço de papel ou pano, encontrando-se os seus dedos através do punho.
O Sr. Tapp exprimiu o receio de que esse resultado apresentasse algum inconveniente para Katie; ela, porém, afirmou que não.
O doutor J.M.Gully, distinto médico, amigo do Sr. Crookes, em cuja casa assistiu a várias sessões, estudou friamente, só no ponto de vista filosófico, esses fenômenos espantosos.
Eis o que ele dizia em 20 de Julho 1874, a propósito de Katie, ao escritor americano Epes Sargent:
“O poder de materialização aumenta em cada nova sessão, visto como das primeiras vezes aparecia apenas um rosto sem cabelo e sem nada atrás da fronte. Parecia uma máscara animada.
“Depois de cinco ou seis meses de sessões, a forma completa apareceu. Esses seres se condensam então mais facilmente e mudam os cabelos, o vestuário, a cor do rosto, conforme os seus desejos.
“Tais coisas ainda não podem ser cientificamente provadas, mas é impossível duvidar delas.
“O fato de muitas vezes faltarem partes do corpo nas materializações não é argumento que prova a impossibilidade de produzir-se um todo completo.
“Todos quantos – diz o doutor – assistiram às sessões de William Crookes sabem com que cuidado eram tomadas as precauções, para que os movimentos da médium pudessem ser constatados. Essas precauções provaram-me indubitavelmente que a forma que apareceu não era miss Cook,e, ao contrário, tinha uma existência absolutamente diferente.”
Eis agora o que diz C. Varley, engenheiro eletricista, que foi o iniciador do cabo transatlântico:
“Como me haviam pedido que examinasse o fenômeno da materialização, combinei com miss Cook diferentes sessões, que se realizaram na casa do Sr. Luxmore. A médium foi tratada como um cabo telegráfico, estabelecendo-se uma corrente elétrica desde o seu punho direito, ao longo dos braços, até o punho esquerdo.”
Durante todo o tempo, para ter indicações exatas, o Sr. Varley empregou um galvanômetro refletor e diversos outros instrumentos. Desse modo a médium não podia deter a corrente, mesmo durante um centésimo de segundo, sem que o fato fosse imediatamente revelado.
“Apesar disso – diz Varley – a forma de Katie apareceu, nos falou e escreveu num papel, à nossa vista. Da primeira vez, Katie só apareceu semi-materializada, até à cintura apenas; o resto do corpo faltava ou conservava-se invisível.
“Apertei a mão desse estranho ser, e no fim da sessão Katie me disse que fosse despertar a médium. Encontrei miss Cook em letargia, como a tinha deixado, achando-se intactos todos os fios de platina. Depertei-a.”
Uma experiência análoga foi feita por Varley na presença de W. Crookes. Durante toda a sessão, manteve-se uma ligeira corrente elétrica. O sr. Crookes instalou fios de modo que, se miss Cook se houvesse movido, mesmo inconscientemente, não teria podido adiantar-se além das cortinas que fechavam o gabinete onde estava.
A despeito de todas essas precauções, Katie adiantou-se a seis ou oito pés além das cortinas; nenhum fio estava ligado a seus braços, e a prova elétrica foi inteiramente concludente. Por excesso de precaução, o Sr. Crookes pedira a Katie que mergulhasse as mãos em uma solução química, e nenhuma mudança do galvanômetro se seguiu a isso, o que teria acontecido se Katie tivesse sobre si os fios, porque a solução tinha por fim favorecer a corrente elétrica.
O Sr. Crookes deu testemunho da sua grande confiança em miss Cook, pois ela se submeteu a todas as provas imagináveis; além disso, adquiriu a certeza de que miss Cook estava realmente no quarto ao lado, quando Katie aparecia. Nessa época, miss Cook era ainda muito jovem, e, mesmo quando o quisesse, não teria podido enganar dois sábios como Crookes e Varley, principalmente com todas as precauções que eles tomaram.
Como diz Crookes, “imaginar que uma menina de quinze anos houvesse podido conceber e executar durante três anos semelhante impostura, ofende mais à razão e ao bom senso do que aceitar como verdade o que afirma Katie.”
Em outro carta do Dr. Gully, datada de 20 de Julho 1874, ao seu amigo Epes Sargent, há os seguintes detalhes curiosos:
“A respeito de miss Cook, devo constatar que, após dois anos de exame e de numerosas sessões, não só deixo de duvidar, mas que, pelo contrário, possuo a mais completa convicção de que o fenômeno da materialização é possível, e que nessas sessões qualquer tentativa de fraude era impossível.
“A voz de Katie pôde fazer-se ouvir antes da formação total do corpo; porém muitas vezes essa voz era agitada. A pele parecia natural e delicada. Os movimentos pareciam humanos, salvo quando Katie se baixava para apanhar qualquer coisa, pois então as suas pernas e o meio do corpo pareciam curvar-se em sentido contrário.
“Penso que se poderiam obter de Katie muitas notícias do além-túmulo, porém as pessoas presentes só lhe falavam de coisas frívolas. Uma ou duas vezes, somente, pude fazer-lhe algumas perguntas sobre esses assuntos:
- Podeis explicar-nos, perguntei eu, que poder ou que força empregais para a vossa materialização e para a dissolução posterior dessa forma?
- Não, não posso – respondeu Katie.
- É porventura a eletricidade ou qualquer coisa semelhante?
- Não; tudo quanto se tem dito da eletricidade é um contra-senso.
- Tal força se parece, porventura, com o poder da vontade?
- Sim; é essa a hipótese que mais se aproxima da realidade. A vontade é a alavanca desse poder.
- Quando desapareceis, para onde ides?
- Entro na médium para restituir-lhe a vitalidade que lhe tomei. Posso sair dela e novamente entrar com facilidade, mas compreendeis bem que não sou ela nem o seu duplo.
- Quando vos desmaterializais, que desaparece primeiro, o vestuário ou o corpo?
- Naturalmente, o corpo. O poder vital volta à médium e o vestuário aos seus elementos constitutivos.
- Um ser humano pode ter uma idéia do poder que empregais para a vosa materialização?
- Não, vós não o podeis.
Nem sempre as respostas de Katie foram tão precisas. Às vezes, ela parece ter-se esquecido completamente da Terra. Diz vir de uma esfera pouco elevada e ser-lhe impossível dizer quem é.
É o caso, portanto, de perguntar se esses entes momentaneamente humanos nos podem dar uma idéia exata do seu estado e das suas faculdades. Creio, à vista dos documentos que tenho, que, se a sua força de materialização aumenta, outro tanto não acontece com o seu poder de comunicação. Verifica-se mesmo que esses entes são contrafeitos ou limitados na sua memória, pelo fato de sua materialização. Essa passagem do plano etéreo para o plano terrestre deve forçosamente produzir uma perturbação no ser materializado.
É uma espécie de reencarnação transitória, e não se ignora como a inteligência (salvo raras exceções) custa a desenvolver-se na criança, esse encarnado condenado a viver.
Numa sessão que se realizou em 1873, em casa do Sr. Luxmore, colocou-se uma lâmpada sobre a mesa da sala, que esteve sempre iluminada. As catorze pessoas que se achavam presentes puderam ver-se e observar-se durante toda a sessão. Miss Cook colocou-se na pequena sala e foi amarrada a uma cadeira baixa. Ataram-lhe as mãos com fitas, cujas extremidades foram cosidas e seladas.
Era, pois, impossível a miss Cook deslocar-se mais de uma ou duas polegadas, pois neste caso os selos teriam sido quebrados. Depois da sessão tudo se achava como antes. O Sr. Coleman, que descreveu a sessão, refere que, circulando pela sala, Katie antes deslizava do que andava, e não perdia de vista á médium, como se lhe estivesse ligada. Quando Katie desapareceu, o sr. Coleman pôde ver miss Cook em letargia na sua cadeira, o que, na opinião dele, convenceria os mais incrédulos.
O doutor G. Sexton, que por muito tempo duvidara de tais fenômenos, pôde assistir a outra sessão em casa do Sr. Luxmore; notou que a fisionomia e a cor de Katie eram absolutamente diferentes das particularidades correspondentes da médium. No fim da sessão, Katie disse ao doutor Sexton que entrasse na sala para constatar que miss Cook estava sempre atada e, uma vez verificado isso, declarou nunca ter assistido a coisa alguma de mais maravilhoso. Numa dessas sessões, em casa do Sr. Luxmore, katie escreveu algumas palavras que deu ao Sr. Coleman, deixando assim um dos numerosos traços materiais da sua passagem.
No começo das experiências com miss Cook, esses fenômenos pareceram tão surpreendentes que se levantaram dúvidas, mesmo entre espiritualistas convencidos. Desde então centenas de casos de materialização se têm verificado na América, na Inglaterra, na Alemanha, na Rússia e mesmo na França (onde esse fenômeno é tão pouco conhecido), e a realidade do fato não sofre dúvida.
Só há discussões sobre a explicação do fenômeno. O Sr. Coleman acreditava a princípio, com vários sábios alemães, que Katie era o duplo psíquico de miss Cook, hipótese que as experiências de Crookes fizeram abandonar.
Em 9 de Dezembro 1874, na casa do Sr. Luxmore, o Sr. Volckman levantou-se da cadeira e segurou Katie pela cintura, exclamando: “É a médium”. O Sr. Henry Dumphy, que seguia o fenômeno com curiosidade, observou que Katie parecia perder os pés e a spernas e evitar o amplexo do Sr. Volckman, embora este senhor parecesse ter bastante força para conservar o que segurava. Katie escapou de seus braços e desapareceu, não deixando traços quer do seu corpo, quer do seu vestuário. Imediatamente encontrou-se miss Cook atada, e intactos os nós que a prendiam. O choque psíquico, porém, tinha sido tão grande que durante muitos dias miss Cook teve convulsões.
“Vi – diz Florence Marryat – o médico que tratou miss Cook depois dessa sessão, e ele me afirmou que as suas crises não eram de modo nenhum fingidas.”
Essas fantasias de céticos são muito perigosas para o médium e podem por sua vida em perigo, pois o abalo psíquico impede a entrada normal do corpo astral (ou perispírito), e perturbações muito sérias podem-se produzir no organismo do médium. Não se devem, pois, fazer essas experiências temíveis senão com pessoas ao corrente dos fenômenos e que não lhes ignorem os perigos. Fl. Marryat perguntou uma vez a Katie porque só podia aparecer na fraca luz dum bico de gás. A esta pergunta, Katie pareceu irritar-se e respondeu: “Muitas vezes já voz disse que não posso mostrar-me sob a ação duma luz viva. Não sei porquê; e, se quiserdes ter a prova do que afirmo, acendei os três bicos de gás, mas não vos esqueçais de que não poderei reaparecer esta noite.”
“Os assistentes se decidiram a ver este fenômeno, e pediram a Katie que se desmaterializasse na presença deles; ela aceitou, porém noutra sessão nos disse que muito sofrera.
“Katie King se colocou ao longo da parede do salão, com os braços erguidos, como se estivesse crucificada. Acenderam-se então três grandes bicos de gás, que projetaram uma luz muito viva. O efeito foi surpreendente.
“Katie ficou cerca dum segundo como estava; depois, começou a desagregar-se gradualmente. A princípio os braços se tornaram incertos, os olhos se afundaram nas órbitas, o nariz desapareceu em seguida, assim como o osso da fronte. Depois, os membros pareceram decompor-se e cair por terra em pedaços. Por fim, apenas ficaram uma parte da cabeça e um monte de vestidos brancos; depois, tudo desapareceu.”
Não esqueçamos que esta cena fantástica não se passou num lugar público, porém numa casa particular, onde toda fantasmagoria era impossível. Pode-se crer ou deixar de crer; mas, para aqueles que estão ao corrente desses fenômenos, é evidente que a luz viva tem uma ação dissolvente sobre essas formas materializadas; elas, são de uma contextura tão delicada, que, por assim dizer, fundem como a cera ou o gelo na presença dum fogo vivo. Damos disso, em seguida, mais uma prova curiosa.
Numa sessão, cuja ata foi assinada por A. Corner, C. Corner, J. Luxmore, G. R. Tapp e W. Harrisson, Katie foi fotografada como muitas vezes o fora por W. Crookes. No fim da sessão, Katie lhes disse que o seu poder de materialização se dissipava e que ela sentia que se fundia literalmente. A admissão da luz necessária para fotografar, decompôs Katie; a parte inferior da figura pareceu desagregar-se pouco a pouco; depois, abaixou-se, até que o pescoço tocou o soalho; o resto do corpo também desapareceu.
Desta vez ainda, a desmaterialização de Katie verificou-se perante várias pessoas que atestaram o fenômeno, assinando a ata.
Para a materialização, a hipótese da alucinação não é sustentável um só instante. Katie King, por exemplo, falava, andava, escrevia e tornava-se tão tangível como um ser humano. Provas palpáveis da sua presença (como cabelos ou escritos) foram deixados por ela. Só resta ao cético, que viu e tocou como S. Tomé, imitar este incrédulo santo.
Quanto aos outros céticos, resta-lhes sempre o recurso de dizerem que é impossível.
Eis o que escrevia o Sr. Crookes, em 27 de Julho 1893, ao professor Elliott Cowes: “Se vos disserem que penso haver sido enganado a respeito dos fatos psíquicos e que repudio as minhas experiências, autorizo-vos, e mesmo peço-vos, que oponhais a semelhante afirmativa o mais formal desmentido.”
A propósito de Katie, o Sr. Crookes escreveu nessa época:
“A pele de Katie é delicada, ao passo que a de miss Cook é grosseira; demais, esta última tem no pescoço um sinal bem visível. As orelhas de Katie não são furadas, ao passo que miss Cook usa habitualmente brincos. A cor de Katie é alva, a de miss Cook bem morena. Diversas manchas que miss Cook tem no rosto não se notam no rosto de Katie. Os cabelos de miss Cook são negros, os de Katie louros. A altura de Katie é as vezes superior seis polegadas à de miss Cook.”
Como, referindo as suas experiências, W. Crookes nada dizia do que revelara porventura Katie acerca do outro mundo, eu lhe escrevi inquirindo-o a tal respeito, e ele me deu a honra de responder a este delicado ponto. Além disso, teve a bondade de me autorizar a transcrever sua carta, o que foi uma felicidade tanto para mim como para o público francês.
“1º de Fevereiro 1892. – Conversei muitas vezes com Katie King, e naturalmente propus-lhe muitas questões do gênero daquela a que vos referis. As respostas não foram satisfatórias. Geralmente, ela dizia que lhe era vedado fornecer tais esclarecimentos.
(Assinado) William Crookes.”
Muitas pessoas, e não das mais destituídas de importância, tinham sempre pensado que Crookes não se pronunciaria sobre este ponto importante da materialização de Katie King. Frustradas estão as suas esperanças, pois, pela sua carta, W. Crookes reconhece de um modo inegável que conversou com um ser materializado. Horresco referens! Que dirão a isto os nossos materialistas ou fisio-psicólogos? Eis um problema bem difícil, porque, tendo sido fotografada a forma materializada, não é mais sustentável ou cômodo o sistema de alucinação, visto como existe uma prova material do contrário.
Uma prova ainda mais forte é que, em 1886, Moses constata, numa carta dirigida ao jornal Light que, na época das suas experiências, W. Crookes tirou uma fotografia de Florence Cook (a médium) e de Katie King, vistas juntas. As suposições mais engenhosas caem, pois, por si mesmas diante do argumento que fornece uma chama fotográfica19.
Quanto às respostas de Katie, se elas não são satisfatórias, isso provém – creio – de que a materialização (ou reencarnação momentânea) deve lançar grande perturbação na inteligência desses seres trazidos momentaneamente à Terra.
Por outro lado, compreendo que, até certo ponto, lhes seja interdito dar esclarecimentos sobre o outro mundo. Se todos os seres humanos estivessem certos da sobrevivência, poderia acontecer uma coisa inesperada, mal prevista por Deus. Todos os pobres, os deserdados, os incuráveis, e mesmo simples doentes, impacientes com o seu estado, se apressariam em deixar o nosso mundo de miséria por outro, que não pode ser pior. Haveria uma epidemia de suicídio, e a viagem para o outro mundo não pareceria mais perigosa do que uma viagem à América(*).
Se, como tudo faz supor, nos achamos na Terra para sofrer uma prova, é o medo da morte que nos força a sofrer essa prova, por mais temível que ela seja. A incerteza do que haverá além do túmulo retém as pessoas céticas, como as religiosas, e é de notar que as últimas se apegam tanto á vida como as primeiras, embora morram com mais tranqüilidade e resignação.
19 No ano passado, o Sr. Bodisco, camarista do czar, obteve fotografias em que se vêem o médium em letargia e a forma materializada não longe do médium.
(*) A crença num Além-túmulo, melhor que a vida atual, pode induzir ao suicídio, quando não se está compenetrado de que o suicídio destrói qualquer melhoria a que se pudesse ter direito na vida futura. O suicídio é portanto punido pelas leis que Deus estabeleceu, e é por isso que não basta a crença na imortalidade da alma: uma vez convencidos desta, todos devem estudar e procurar compreender a filosofia e a moral da Doutrina Espírita, demosntradas especialmente nas obras de Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho, Céu e Inferno, Gênese e Obras Póstumas, assim como nos 4 volumes de J. B. Roustaing: Os Quatro Evangelhos. – (N. do Tradutor.)
Depois de Robert Dale Owen, as experiências de materialização fizeram grandes progressos e os seus detalhes se tornaram mais conhecidos. Todos quantos se têm ocupado de espiritualismo, espiritismo ou ocultismo leram ou devem ler o livro de William Crookes, que já mencionei. No fim desse livro, o grande químico inglês fala de uma forma materializada que tomou o nome de Katie King. Embora atestado por uma autoridade científica do valor de William Crookes, o fato pareceu tão extraordinário, tão inverossímil, que uns o negaram e outros sorriram desdenhosamente. As experiências se realizaram de 1872 a 1874, em casa do Sr. Crookes, com o auxílio de uma poderosa médium ainda muito jovem, miss Florence Cook, que passou vários meses na casa do químico, em companhia de sua família; e, dadas as precauções tomadas por este, qualquer impostura se tornava impossível. Eis os fatos em duas palavras: Miss Cook estava sentada na biblioteca do Sr. Crookes, separada, por uma cortina, dos assistentes, que se achavam no laboratório. Desde que miss Cook se achava em letargia, uma forma feminina levantava a cortina, avançava e conversava com todos, depois entrava na biblioteca, ou às vezes desaparecia subitamente.
Pessoas muito maliciosas não deixaram de dizer que era a própria miss Cook quem personificava a forma, e que durante esse tempo um manequim vestido a substituía na biblioteca. Os detalhes que passo a dar mostrarão a puerilidade de semelhante hipótese, que não merece as honras numa discussão.
Mas tão novo era o fenômeno, e sobretudo tão espantoso, que W. Crookes foi atacado e criticado por todos os modos; tendo constatado perfeitamente os fatos, preferiu guardar silêncio.
O que ele não quis dizer vou eu tentar referir, graças a testemunhas presenciais das suas sessões, como o Dr. Gully, Epes Sargent (publicista americano) e Florence Marryat, filha do capitão Marryat, e muitos outros.
Comecemos por Fl. Marryat. Em um livro a que deu por título um verso de Longfellow “A morte não existe”, ela refere muitos detalhes acerca de Katie King. Concedo-lhe a palavra:
“Katie King dizia ter sido Annie Morgan, filha de sir H. Morgan, célebre pirata do tempo de Cromwell; casara-se, e aos vinte e dois anos morrera.”
“Todas as vezes que se perguntava porque voltava à Terra, respondia invariavelmente que “em parte era para convencer o mundo da realidade da vida futura, e em parte também para expiar seus crimes.”
Isto em nada lisonjeia o nosso planeta, que bem poderia ser considerado uma espécie de purgatório, a julgar pela infinidade de males e dores de que somos nele acabrunhados.
“Miss Cook – diz Fl. Marryat – é uma mocinha morena, de olhos e cabelos negros. Às vezes, Katie parecia-se muitíssimo com ela18, mas em outras ocasiões a dissemelhança era palpável.
“Em uma fotografia que ainda possuo, Katie parece o duplo de miss Cook, e entretanto esta também olhava quando se tirou a fotografia.
“Assisti muitas vezes às experiências feitas pelo Sr. Crookes com miss Cooks; vi os anéis dos cabelos desta presos ao soalho, fora da cortina que a separava dos assistentes.
“Vi miss Cook colocada na plataforma duma balança, construída propositalmente pelo Sr. Crookes, e constatei que a médium (miss Cook) pesava 112 libras; mas, logo que o Espírito materializado se formava, o corpo da médium não pesava mais que a metade, 56 libras. “Este fato é dos mais importantes, porque prova que a saída do corpo psíquico que serve para a materialização faz perder ao médium uma parte as sua substância vital. É o que torna tais experiências tão perigosas para o médium, cuja vida muitas vezes se acha gravemente comprometida.
“Vi muitas vezes – diz F. Marryat – miss Cook e Katie, uma ao lado da outra.
“Não tenho, pois, dúvida de que eram duas criaturas diferentes. W. Crookes também constatou o mesmo fato.”
Passemos a outros testemunhos.
O Sr. Tapp, da associação dos investigadores de Dalston, obteve permissão para examinar de perto a figura e o corpo de Katie com uma luz suficiente; constatou que os braços eram mais espessos e longos que os da médium; as mãos também eram maiores, com unhas magníficas e diferentes das de miss Cook, que tinha o mau hábito de roer as unhas. Segurando com uma das mãos o braço da forma materializada, o Sr. Tapp correu a outra mão ao longo dele até o ombro. A pele, diz ele, era duma untuosidade fora do comum, como a da cera e do mármore, e todavia a temperatura geral era a do corpo humano. O Sr. Tapp constatou com surpresa que não havia ossos no punho.
Outra vez, refere o senhor Tapp que, tenho segurado Katie pelo punho, ele o sentiu ceder sob a pressão, como um pedaço de papel ou pano, encontrando-se os seus dedos através do punho.
O Sr. Tapp exprimiu o receio de que esse resultado apresentasse algum inconveniente para Katie; ela, porém, afirmou que não.
O doutor J.M.Gully, distinto médico, amigo do Sr. Crookes, em cuja casa assistiu a várias sessões, estudou friamente, só no ponto de vista filosófico, esses fenômenos espantosos.
Eis o que ele dizia em 20 de Julho 1874, a propósito de Katie, ao escritor americano Epes Sargent:
“O poder de materialização aumenta em cada nova sessão, visto como das primeiras vezes aparecia apenas um rosto sem cabelo e sem nada atrás da fronte. Parecia uma máscara animada.
“Depois de cinco ou seis meses de sessões, a forma completa apareceu. Esses seres se condensam então mais facilmente e mudam os cabelos, o vestuário, a cor do rosto, conforme os seus desejos.
“Tais coisas ainda não podem ser cientificamente provadas, mas é impossível duvidar delas.
“O fato de muitas vezes faltarem partes do corpo nas materializações não é argumento que prova a impossibilidade de produzir-se um todo completo.
“Todos quantos – diz o doutor – assistiram às sessões de William Crookes sabem com que cuidado eram tomadas as precauções, para que os movimentos da médium pudessem ser constatados. Essas precauções provaram-me indubitavelmente que a forma que apareceu não era miss Cook,e, ao contrário, tinha uma existência absolutamente diferente.”
Eis agora o que diz C. Varley, engenheiro eletricista, que foi o iniciador do cabo transatlântico:
“Como me haviam pedido que examinasse o fenômeno da materialização, combinei com miss Cook diferentes sessões, que se realizaram na casa do Sr. Luxmore. A médium foi tratada como um cabo telegráfico, estabelecendo-se uma corrente elétrica desde o seu punho direito, ao longo dos braços, até o punho esquerdo.”
Durante todo o tempo, para ter indicações exatas, o Sr. Varley empregou um galvanômetro refletor e diversos outros instrumentos. Desse modo a médium não podia deter a corrente, mesmo durante um centésimo de segundo, sem que o fato fosse imediatamente revelado.
“Apesar disso – diz Varley – a forma de Katie apareceu, nos falou e escreveu num papel, à nossa vista. Da primeira vez, Katie só apareceu semi-materializada, até à cintura apenas; o resto do corpo faltava ou conservava-se invisível.
“Apertei a mão desse estranho ser, e no fim da sessão Katie me disse que fosse despertar a médium. Encontrei miss Cook em letargia, como a tinha deixado, achando-se intactos todos os fios de platina. Depertei-a.”
Uma experiência análoga foi feita por Varley na presença de W. Crookes. Durante toda a sessão, manteve-se uma ligeira corrente elétrica. O sr. Crookes instalou fios de modo que, se miss Cook se houvesse movido, mesmo inconscientemente, não teria podido adiantar-se além das cortinas que fechavam o gabinete onde estava.
A despeito de todas essas precauções, Katie adiantou-se a seis ou oito pés além das cortinas; nenhum fio estava ligado a seus braços, e a prova elétrica foi inteiramente concludente. Por excesso de precaução, o Sr. Crookes pedira a Katie que mergulhasse as mãos em uma solução química, e nenhuma mudança do galvanômetro se seguiu a isso, o que teria acontecido se Katie tivesse sobre si os fios, porque a solução tinha por fim favorecer a corrente elétrica.
O Sr. Crookes deu testemunho da sua grande confiança em miss Cook, pois ela se submeteu a todas as provas imagináveis; além disso, adquiriu a certeza de que miss Cook estava realmente no quarto ao lado, quando Katie aparecia. Nessa época, miss Cook era ainda muito jovem, e, mesmo quando o quisesse, não teria podido enganar dois sábios como Crookes e Varley, principalmente com todas as precauções que eles tomaram.
Como diz Crookes, “imaginar que uma menina de quinze anos houvesse podido conceber e executar durante três anos semelhante impostura, ofende mais à razão e ao bom senso do que aceitar como verdade o que afirma Katie.”
Em outro carta do Dr. Gully, datada de 20 de Julho 1874, ao seu amigo Epes Sargent, há os seguintes detalhes curiosos:
“A respeito de miss Cook, devo constatar que, após dois anos de exame e de numerosas sessões, não só deixo de duvidar, mas que, pelo contrário, possuo a mais completa convicção de que o fenômeno da materialização é possível, e que nessas sessões qualquer tentativa de fraude era impossível.
“A voz de Katie pôde fazer-se ouvir antes da formação total do corpo; porém muitas vezes essa voz era agitada. A pele parecia natural e delicada. Os movimentos pareciam humanos, salvo quando Katie se baixava para apanhar qualquer coisa, pois então as suas pernas e o meio do corpo pareciam curvar-se em sentido contrário.
“Penso que se poderiam obter de Katie muitas notícias do além-túmulo, porém as pessoas presentes só lhe falavam de coisas frívolas. Uma ou duas vezes, somente, pude fazer-lhe algumas perguntas sobre esses assuntos:
- Podeis explicar-nos, perguntei eu, que poder ou que força empregais para a vossa materialização e para a dissolução posterior dessa forma?
- Não, não posso – respondeu Katie.
- É porventura a eletricidade ou qualquer coisa semelhante?
- Não; tudo quanto se tem dito da eletricidade é um contra-senso.
- Tal força se parece, porventura, com o poder da vontade?
- Sim; é essa a hipótese que mais se aproxima da realidade. A vontade é a alavanca desse poder.
- Quando desapareceis, para onde ides?
- Entro na médium para restituir-lhe a vitalidade que lhe tomei. Posso sair dela e novamente entrar com facilidade, mas compreendeis bem que não sou ela nem o seu duplo.
- Quando vos desmaterializais, que desaparece primeiro, o vestuário ou o corpo?
- Naturalmente, o corpo. O poder vital volta à médium e o vestuário aos seus elementos constitutivos.
- Um ser humano pode ter uma idéia do poder que empregais para a vosa materialização?
- Não, vós não o podeis.
Nem sempre as respostas de Katie foram tão precisas. Às vezes, ela parece ter-se esquecido completamente da Terra. Diz vir de uma esfera pouco elevada e ser-lhe impossível dizer quem é.
É o caso, portanto, de perguntar se esses entes momentaneamente humanos nos podem dar uma idéia exata do seu estado e das suas faculdades. Creio, à vista dos documentos que tenho, que, se a sua força de materialização aumenta, outro tanto não acontece com o seu poder de comunicação. Verifica-se mesmo que esses entes são contrafeitos ou limitados na sua memória, pelo fato de sua materialização. Essa passagem do plano etéreo para o plano terrestre deve forçosamente produzir uma perturbação no ser materializado.
É uma espécie de reencarnação transitória, e não se ignora como a inteligência (salvo raras exceções) custa a desenvolver-se na criança, esse encarnado condenado a viver.
Numa sessão que se realizou em 1873, em casa do Sr. Luxmore, colocou-se uma lâmpada sobre a mesa da sala, que esteve sempre iluminada. As catorze pessoas que se achavam presentes puderam ver-se e observar-se durante toda a sessão. Miss Cook colocou-se na pequena sala e foi amarrada a uma cadeira baixa. Ataram-lhe as mãos com fitas, cujas extremidades foram cosidas e seladas.
Era, pois, impossível a miss Cook deslocar-se mais de uma ou duas polegadas, pois neste caso os selos teriam sido quebrados. Depois da sessão tudo se achava como antes. O Sr. Coleman, que descreveu a sessão, refere que, circulando pela sala, Katie antes deslizava do que andava, e não perdia de vista á médium, como se lhe estivesse ligada. Quando Katie desapareceu, o sr. Coleman pôde ver miss Cook em letargia na sua cadeira, o que, na opinião dele, convenceria os mais incrédulos.
O doutor G. Sexton, que por muito tempo duvidara de tais fenômenos, pôde assistir a outra sessão em casa do Sr. Luxmore; notou que a fisionomia e a cor de Katie eram absolutamente diferentes das particularidades correspondentes da médium. No fim da sessão, Katie disse ao doutor Sexton que entrasse na sala para constatar que miss Cook estava sempre atada e, uma vez verificado isso, declarou nunca ter assistido a coisa alguma de mais maravilhoso. Numa dessas sessões, em casa do Sr. Luxmore, katie escreveu algumas palavras que deu ao Sr. Coleman, deixando assim um dos numerosos traços materiais da sua passagem.
No começo das experiências com miss Cook, esses fenômenos pareceram tão surpreendentes que se levantaram dúvidas, mesmo entre espiritualistas convencidos. Desde então centenas de casos de materialização se têm verificado na América, na Inglaterra, na Alemanha, na Rússia e mesmo na França (onde esse fenômeno é tão pouco conhecido), e a realidade do fato não sofre dúvida.
Só há discussões sobre a explicação do fenômeno. O Sr. Coleman acreditava a princípio, com vários sábios alemães, que Katie era o duplo psíquico de miss Cook, hipótese que as experiências de Crookes fizeram abandonar.
Em 9 de Dezembro 1874, na casa do Sr. Luxmore, o Sr. Volckman levantou-se da cadeira e segurou Katie pela cintura, exclamando: “É a médium”. O Sr. Henry Dumphy, que seguia o fenômeno com curiosidade, observou que Katie parecia perder os pés e a spernas e evitar o amplexo do Sr. Volckman, embora este senhor parecesse ter bastante força para conservar o que segurava. Katie escapou de seus braços e desapareceu, não deixando traços quer do seu corpo, quer do seu vestuário. Imediatamente encontrou-se miss Cook atada, e intactos os nós que a prendiam. O choque psíquico, porém, tinha sido tão grande que durante muitos dias miss Cook teve convulsões.
“Vi – diz Florence Marryat – o médico que tratou miss Cook depois dessa sessão, e ele me afirmou que as suas crises não eram de modo nenhum fingidas.”
Essas fantasias de céticos são muito perigosas para o médium e podem por sua vida em perigo, pois o abalo psíquico impede a entrada normal do corpo astral (ou perispírito), e perturbações muito sérias podem-se produzir no organismo do médium. Não se devem, pois, fazer essas experiências temíveis senão com pessoas ao corrente dos fenômenos e que não lhes ignorem os perigos. Fl. Marryat perguntou uma vez a Katie porque só podia aparecer na fraca luz dum bico de gás. A esta pergunta, Katie pareceu irritar-se e respondeu: “Muitas vezes já voz disse que não posso mostrar-me sob a ação duma luz viva. Não sei porquê; e, se quiserdes ter a prova do que afirmo, acendei os três bicos de gás, mas não vos esqueçais de que não poderei reaparecer esta noite.”
“Os assistentes se decidiram a ver este fenômeno, e pediram a Katie que se desmaterializasse na presença deles; ela aceitou, porém noutra sessão nos disse que muito sofrera.
“Katie King se colocou ao longo da parede do salão, com os braços erguidos, como se estivesse crucificada. Acenderam-se então três grandes bicos de gás, que projetaram uma luz muito viva. O efeito foi surpreendente.
“Katie ficou cerca dum segundo como estava; depois, começou a desagregar-se gradualmente. A princípio os braços se tornaram incertos, os olhos se afundaram nas órbitas, o nariz desapareceu em seguida, assim como o osso da fronte. Depois, os membros pareceram decompor-se e cair por terra em pedaços. Por fim, apenas ficaram uma parte da cabeça e um monte de vestidos brancos; depois, tudo desapareceu.”
Não esqueçamos que esta cena fantástica não se passou num lugar público, porém numa casa particular, onde toda fantasmagoria era impossível. Pode-se crer ou deixar de crer; mas, para aqueles que estão ao corrente desses fenômenos, é evidente que a luz viva tem uma ação dissolvente sobre essas formas materializadas; elas, são de uma contextura tão delicada, que, por assim dizer, fundem como a cera ou o gelo na presença dum fogo vivo. Damos disso, em seguida, mais uma prova curiosa.
Numa sessão, cuja ata foi assinada por A. Corner, C. Corner, J. Luxmore, G. R. Tapp e W. Harrisson, Katie foi fotografada como muitas vezes o fora por W. Crookes. No fim da sessão, Katie lhes disse que o seu poder de materialização se dissipava e que ela sentia que se fundia literalmente. A admissão da luz necessária para fotografar, decompôs Katie; a parte inferior da figura pareceu desagregar-se pouco a pouco; depois, abaixou-se, até que o pescoço tocou o soalho; o resto do corpo também desapareceu.
Desta vez ainda, a desmaterialização de Katie verificou-se perante várias pessoas que atestaram o fenômeno, assinando a ata.
Para a materialização, a hipótese da alucinação não é sustentável um só instante. Katie King, por exemplo, falava, andava, escrevia e tornava-se tão tangível como um ser humano. Provas palpáveis da sua presença (como cabelos ou escritos) foram deixados por ela. Só resta ao cético, que viu e tocou como S. Tomé, imitar este incrédulo santo.
Quanto aos outros céticos, resta-lhes sempre o recurso de dizerem que é impossível.
Eis o que escrevia o Sr. Crookes, em 27 de Julho 1893, ao professor Elliott Cowes: “Se vos disserem que penso haver sido enganado a respeito dos fatos psíquicos e que repudio as minhas experiências, autorizo-vos, e mesmo peço-vos, que oponhais a semelhante afirmativa o mais formal desmentido.”
A propósito de Katie, o Sr. Crookes escreveu nessa época:
“A pele de Katie é delicada, ao passo que a de miss Cook é grosseira; demais, esta última tem no pescoço um sinal bem visível. As orelhas de Katie não são furadas, ao passo que miss Cook usa habitualmente brincos. A cor de Katie é alva, a de miss Cook bem morena. Diversas manchas que miss Cook tem no rosto não se notam no rosto de Katie. Os cabelos de miss Cook são negros, os de Katie louros. A altura de Katie é as vezes superior seis polegadas à de miss Cook.”
Como, referindo as suas experiências, W. Crookes nada dizia do que revelara porventura Katie acerca do outro mundo, eu lhe escrevi inquirindo-o a tal respeito, e ele me deu a honra de responder a este delicado ponto. Além disso, teve a bondade de me autorizar a transcrever sua carta, o que foi uma felicidade tanto para mim como para o público francês.
“1º de Fevereiro 1892. – Conversei muitas vezes com Katie King, e naturalmente propus-lhe muitas questões do gênero daquela a que vos referis. As respostas não foram satisfatórias. Geralmente, ela dizia que lhe era vedado fornecer tais esclarecimentos.
(Assinado) William Crookes.”
Muitas pessoas, e não das mais destituídas de importância, tinham sempre pensado que Crookes não se pronunciaria sobre este ponto importante da materialização de Katie King. Frustradas estão as suas esperanças, pois, pela sua carta, W. Crookes reconhece de um modo inegável que conversou com um ser materializado. Horresco referens! Que dirão a isto os nossos materialistas ou fisio-psicólogos? Eis um problema bem difícil, porque, tendo sido fotografada a forma materializada, não é mais sustentável ou cômodo o sistema de alucinação, visto como existe uma prova material do contrário.
Uma prova ainda mais forte é que, em 1886, Moses constata, numa carta dirigida ao jornal Light que, na época das suas experiências, W. Crookes tirou uma fotografia de Florence Cook (a médium) e de Katie King, vistas juntas. As suposições mais engenhosas caem, pois, por si mesmas diante do argumento que fornece uma chama fotográfica19.
Quanto às respostas de Katie, se elas não são satisfatórias, isso provém – creio – de que a materialização (ou reencarnação momentânea) deve lançar grande perturbação na inteligência desses seres trazidos momentaneamente à Terra.
Por outro lado, compreendo que, até certo ponto, lhes seja interdito dar esclarecimentos sobre o outro mundo. Se todos os seres humanos estivessem certos da sobrevivência, poderia acontecer uma coisa inesperada, mal prevista por Deus. Todos os pobres, os deserdados, os incuráveis, e mesmo simples doentes, impacientes com o seu estado, se apressariam em deixar o nosso mundo de miséria por outro, que não pode ser pior. Haveria uma epidemia de suicídio, e a viagem para o outro mundo não pareceria mais perigosa do que uma viagem à América(*).
Se, como tudo faz supor, nos achamos na Terra para sofrer uma prova, é o medo da morte que nos força a sofrer essa prova, por mais temível que ela seja. A incerteza do que haverá além do túmulo retém as pessoas céticas, como as religiosas, e é de notar que as últimas se apegam tanto á vida como as primeiras, embora morram com mais tranqüilidade e resignação.
19 No ano passado, o Sr. Bodisco, camarista do czar, obteve fotografias em que se vêem o médium em letargia e a forma materializada não longe do médium.
(*) A crença num Além-túmulo, melhor que a vida atual, pode induzir ao suicídio, quando não se está compenetrado de que o suicídio destrói qualquer melhoria a que se pudesse ter direito na vida futura. O suicídio é portanto punido pelas leis que Deus estabeleceu, e é por isso que não basta a crença na imortalidade da alma: uma vez convencidos desta, todos devem estudar e procurar compreender a filosofia e a moral da Doutrina Espírita, demosntradas especialmente nas obras de Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho, Céu e Inferno, Gênese e Obras Póstumas, assim como nos 4 volumes de J. B. Roustaing: Os Quatro Evangelhos. – (N. do Tradutor.)