Deus está de olho em você
Enviado: 11 Abr 2006, 00:37
http://jc.uol.com.br/jornal/2006/04/09/not_179631.php
Deus está de olho em você
Publicado em 09.04.2006
Religiões sempre têm várias proibições relacionadas ao sexo, mas nem sempre os fiéis seguem as instruções
Enquanto o papa Bento XVI se antecipa ao plebiscito sobre o casamento gay que a Itália promoverá e classifica a união entre pessoas do mesmo sexo de “imoral, artificial e nociva”, não cessam de estourar os casos de pedofilia protagonizados por padres. A ponto de o próprio Vaticano declarar oficialmente que homossexuais não devem mais ser admitidos nos quadros da Igreja. O maior escândalo do mundo católico dos últimos tempos serve para mostrar que, em matéria de religião, há um descompasso: o comportamento sexual nem sempre atende ao discurso religioso. Os fiéis professam um credo. Mas acabam reivindicando autonomia para administrar o próprio desejo. “Sou católico desde que nasci. Vou à missa aos domingos. Mas não posso obedecer a regras como a que pune o uso da camisinha”, diz o jovem católico Domingos Souza, 24 anos, universitário que também não se enquadra em outro ditame de sua religião: o de só inaugurar a vida sexual depois do casamento. Heterossexual, solteiro como a maioria dos amigos, ele não mantém a castidade.
“O mundo católico é conservador no que diz respeito a questões como a homossexualidade e a contracepção, mas já não consegue evitar as práticas que condena dentro da própria Igreja”, analisa Sylvana Brandão, professora da Universidade Federal de Pernambuco, historiadora especializada em religião e organizadora do volume História das Religiões no Brasil (Editora Universitária/Centro de Estudos da Igreja na América Latina). “Hoje, vive-se uma religiosidade self-service. O fiel serve-se do que é conveniente dentro da religião que busca”, diz ela, que discorda que esteja havendo, como querem fazer alguns estudiosos, uma completa secularização da vida contemporânea. Em vez de renegar a religiosidade, o homem do presente a adapta ao seu ritmo de vida.
Sylvana lembra que o sexo é uma questão presente nas religiões pelo fato de elas serem, essencial e historicamente, doutrinamentos morais. “Há quem aponte a existência de mais de mil religiões ao longo da história, sempre preocupadas com questões morais”, explica. O que varia é mesmo o conteúdo moral dessas religiões. Se na Índia o sexo é permanentemente estimulado, com as acrobacias sexuais do Kama Sutra respaldadas pelo hinduísmo, o sexo para o Cristianismo, que predomina no Ocidente, é carregado de culpa. “A culpa é o conceito básico do Cristianismo”, diz Sylvana.
Intelectuais contemporâneos que pensam a religião, como o sociólogo norte-americano Peter Burger, dizem que, para continuar a existir, as religiões teriam que ter “plausibilidade”. “Precisam se adaptar”, explica Sylvana Brandão. “Por isso, a proliferação de pastores midiáticos e, em menor quantidade, também de padres que usam a mídia”, segue.
Outras religiões populares no Brasil, como o espiritismo, o candomblé, a umbanda e as neo-pentecostais, conhecidas como evangélicas, teriam mecanismos de proximidade com seus integrantes que garantem mais eficácia no cumprimento de seus códigos morais, sobretudo no que diz respeito à vida sexual. “Elas são muito mais congregacionistas. As pessoas freqüentam sempre os mesmos templos ou os mesmos terreiros”, constata.
Depois de ter experimentado várias religiões, a esteticista Telma Rocha, 32 anos, se diz hoje realizada como membro da Igreja Universal do Reino de Deus. “Antes, não tinha alegria. Pelo contrário, só vivia doente”, diz ela, comemorando a nova experiência de fé. E não tem problemas em se enquadrar nos códigos de conduta sexual previstos pela igreja. “Eu não cometeria o adultério e só teria vida sexual se estivesse casada”, diz ela, abstêmia desde que separada. “As igrejas neopentecostais também se adaptam melhor nesse aspecto à vida contemporânea. Enquanto a Igreja Católica não reconhece um segundo casamento, os separados são bem aceitos nessas igrejas”, analisa Sylvana Brandão.
“Filha” do terreiro Sítio de Pai, o terceiro centro de candomblé mais antigo do Brasil, localizado em Água Fria, Zona Norte do Recife, Conceição Costa Nascimento, 48, preserva jejum sexual quando as obrigações religiosas o exigem. “Faz três meses que meu marido nem sabe o que é chegar perto de mim”, diz ela, que esteve recolhida num quarto consagrado a Oxalá, seu orixá protetor, para se tornar uma ekédi, uma espécie de zeladora das coisas e tradições do terreiro.
“No candomblé, não existe a noção prévia da culpa. Essa é uma questão do sujeito. Mas o comportamento sexual está pautado sempre pela religiosidade, porque no candomblé tudo da vida é sagrado”, explica Manuel Papai, babalorixá responsável pelo Sítio de Pai Adão. “Não se pode, por exemplo, fazer sexo no dia consagrado ao seu orixá. Como também não se pode entrar no quarto do santo após fazer sexo, ou mesmo participar da festa de salão”, diz ele, lembrando que as restrições também aplicam-se a mulheres menstruadas. “Elas também não podem passar por trás de uma autoridade religiosa, seria um desrespeito. Ninguém ousa descumprir isso”, diz Papai. Caso contrário, explica o religioso, o fiel pode deixar de receber a proteção dos orixás. E, assim, sofrer danos.J
Deus está de olho em você
Publicado em 09.04.2006
Religiões sempre têm várias proibições relacionadas ao sexo, mas nem sempre os fiéis seguem as instruções
Enquanto o papa Bento XVI se antecipa ao plebiscito sobre o casamento gay que a Itália promoverá e classifica a união entre pessoas do mesmo sexo de “imoral, artificial e nociva”, não cessam de estourar os casos de pedofilia protagonizados por padres. A ponto de o próprio Vaticano declarar oficialmente que homossexuais não devem mais ser admitidos nos quadros da Igreja. O maior escândalo do mundo católico dos últimos tempos serve para mostrar que, em matéria de religião, há um descompasso: o comportamento sexual nem sempre atende ao discurso religioso. Os fiéis professam um credo. Mas acabam reivindicando autonomia para administrar o próprio desejo. “Sou católico desde que nasci. Vou à missa aos domingos. Mas não posso obedecer a regras como a que pune o uso da camisinha”, diz o jovem católico Domingos Souza, 24 anos, universitário que também não se enquadra em outro ditame de sua religião: o de só inaugurar a vida sexual depois do casamento. Heterossexual, solteiro como a maioria dos amigos, ele não mantém a castidade.
“O mundo católico é conservador no que diz respeito a questões como a homossexualidade e a contracepção, mas já não consegue evitar as práticas que condena dentro da própria Igreja”, analisa Sylvana Brandão, professora da Universidade Federal de Pernambuco, historiadora especializada em religião e organizadora do volume História das Religiões no Brasil (Editora Universitária/Centro de Estudos da Igreja na América Latina). “Hoje, vive-se uma religiosidade self-service. O fiel serve-se do que é conveniente dentro da religião que busca”, diz ela, que discorda que esteja havendo, como querem fazer alguns estudiosos, uma completa secularização da vida contemporânea. Em vez de renegar a religiosidade, o homem do presente a adapta ao seu ritmo de vida.
Sylvana lembra que o sexo é uma questão presente nas religiões pelo fato de elas serem, essencial e historicamente, doutrinamentos morais. “Há quem aponte a existência de mais de mil religiões ao longo da história, sempre preocupadas com questões morais”, explica. O que varia é mesmo o conteúdo moral dessas religiões. Se na Índia o sexo é permanentemente estimulado, com as acrobacias sexuais do Kama Sutra respaldadas pelo hinduísmo, o sexo para o Cristianismo, que predomina no Ocidente, é carregado de culpa. “A culpa é o conceito básico do Cristianismo”, diz Sylvana.
Intelectuais contemporâneos que pensam a religião, como o sociólogo norte-americano Peter Burger, dizem que, para continuar a existir, as religiões teriam que ter “plausibilidade”. “Precisam se adaptar”, explica Sylvana Brandão. “Por isso, a proliferação de pastores midiáticos e, em menor quantidade, também de padres que usam a mídia”, segue.
Outras religiões populares no Brasil, como o espiritismo, o candomblé, a umbanda e as neo-pentecostais, conhecidas como evangélicas, teriam mecanismos de proximidade com seus integrantes que garantem mais eficácia no cumprimento de seus códigos morais, sobretudo no que diz respeito à vida sexual. “Elas são muito mais congregacionistas. As pessoas freqüentam sempre os mesmos templos ou os mesmos terreiros”, constata.
Depois de ter experimentado várias religiões, a esteticista Telma Rocha, 32 anos, se diz hoje realizada como membro da Igreja Universal do Reino de Deus. “Antes, não tinha alegria. Pelo contrário, só vivia doente”, diz ela, comemorando a nova experiência de fé. E não tem problemas em se enquadrar nos códigos de conduta sexual previstos pela igreja. “Eu não cometeria o adultério e só teria vida sexual se estivesse casada”, diz ela, abstêmia desde que separada. “As igrejas neopentecostais também se adaptam melhor nesse aspecto à vida contemporânea. Enquanto a Igreja Católica não reconhece um segundo casamento, os separados são bem aceitos nessas igrejas”, analisa Sylvana Brandão.
“Filha” do terreiro Sítio de Pai, o terceiro centro de candomblé mais antigo do Brasil, localizado em Água Fria, Zona Norte do Recife, Conceição Costa Nascimento, 48, preserva jejum sexual quando as obrigações religiosas o exigem. “Faz três meses que meu marido nem sabe o que é chegar perto de mim”, diz ela, que esteve recolhida num quarto consagrado a Oxalá, seu orixá protetor, para se tornar uma ekédi, uma espécie de zeladora das coisas e tradições do terreiro.
“No candomblé, não existe a noção prévia da culpa. Essa é uma questão do sujeito. Mas o comportamento sexual está pautado sempre pela religiosidade, porque no candomblé tudo da vida é sagrado”, explica Manuel Papai, babalorixá responsável pelo Sítio de Pai Adão. “Não se pode, por exemplo, fazer sexo no dia consagrado ao seu orixá. Como também não se pode entrar no quarto do santo após fazer sexo, ou mesmo participar da festa de salão”, diz ele, lembrando que as restrições também aplicam-se a mulheres menstruadas. “Elas também não podem passar por trás de uma autoridade religiosa, seria um desrespeito. Ninguém ousa descumprir isso”, diz Papai. Caso contrário, explica o religioso, o fiel pode deixar de receber a proteção dos orixás. E, assim, sofrer danos.J