A poção do amor
Pesquisas sobre a oxitocina explicam como a química cerebral está por trás dos relacionamentos emocionais mais profundos
Pablo Nogueira
Ilustrações: Carlos fonseca
É a ação da oxitocina que gera o leite materno e desperta o desejo de cuidar do bebê
Como definir, numa só expressão, o amor que uma mãe sente pelo filho recém-nascido? Condensar em palavras um sentimento tão vasto pode parecer algo mais adequado a poetas do que a cientistas. Mas biólogos e estudiosos do comportamento humano têm uma boa sugestão: oxitocina. A substância é um pequeno peptídeo, composto por apenas nove aminoácidos e produzido basicamente na região cerebral chamada de hipotálamo. Sua influência sobre a relação entre mãe e filho começa antes mesmo de o bebê vir à luz: os médicos a utilizam para estimular contrações e induzir o parto. Após o nascimento, o organismo materno gera a substância em grandes quantidades. Isso acarretará a produção de leite e, junto com ela, o surgimento do desejo de cuidar e proteger a cria.
Como isso acontece? A substância estimula os neurônios localizados nas regiões do cérebro ligadas a emoção e prazer. Em outras palavras, a mãe sente que o contato e o cuidado com o bebê recém-nascido é gratificante. A repetição dessa experiência agradável irá consolidar a relação e formar o vínculo emocional.
A ação da substância vai além do relacionamento entre mãe e filho. Sabe aqueles amigos do peito, com quem se pode desabafar tudo? Ou aqueles casais que substituíram a paixão por uma cumplicidade a toda prova? Onde encontrarmos fortes vínculos, aí estará a influência da oxitocina em nossa vida sentimental. "A oxitocina é como uma parte da poção do amor que fez Tristão se apaixonar por Isolda", disse o neurocientista Antônio Damásio em artigo para a revista "Nature" em 2005. "Ela adiciona à poção o sentimento de confiança, sem o qual o amor não pode existir."
relação entre a oxitocina e os vínculos estabelecidos entre pais e filhos adotivos foi o tema de uma pesquisa feita ano passado, nos Estados Unidos. Os estudiosos examinaram variações nos níveis de oxitocina em crianças de cerca de 4 anos, antes e depois de passarem meia hora brincando com suas mães.
Parte das crianças era composta de órfãos, nascidos na Europa Oriental e posteriormente adotados por americanos. "Essas crianças têm apresentado vários problemas de comportamento, como alta ansiedade e dificuldade de formar vínculos com os pais adotivos", contou Seth Pollak, o autor da pesquisa, a Galileu.
O estudo mostrou que o grupo não-adotado experimentou uma elevação na oxitocina após interagir com as mães, o que não aconteceu com os ex-órfãos. A causa pode estar no desenvolvimento do cérebro durante os primeiros anos de vida. Na ausência de laços emocionais fortes, o cérebro dos órfãos não teria formado adequadamente as estruturas que propiciam o sentimento de gratificação com o relacionamento íntimo.
O mau funcionamento desse sistema pode ser um dos fatores que dificultam a criação de laços emocionais com os novos pais. "Mas não se deve pensar que essas crianças terão problemas de relacionamento a vida inteira", alerta o autor da pesquisa. "Elas podem desenvolver outros sistemas que as tornem mais hábeis nas relações. E não se pode creditar toda a complexidade do comportamento afetivo apenas à ação da oxitocina. Há muitas outras substâncias envolvidas", pondera.
Uma boa idéia para aumentar a produção de oxitocina em nosso organismo é abraçar alguém de quem se gosta. Outro estudo feito nos EUA em 2005 avaliando 38 casais mostrou que um abraço de 20 segundos tinha o poder de elevar os níveis da substância em homens e mulheres. Elas experimentaram também uma redução no hormônio cortisol e na pressão sanguínea, fatores danosos para a saúde coronária. Ou seja, abraços ajudam a manter saudáveis os corações femininos. Se abraços podem fazer isso, o que não conseguirá o orgasmo? "Sempre digo aos meus estudantes e colegas: não façam sexo com uma pessoa por quem não sintam desejo de se envolver", afirma a antropóloga americana Helen Fisher. Ela é a autora de "Por que Amamos", livro lançado no Brasil em março no qual explica as bases neuroquímicas para vários tipos de sentimentos amorosos (veja na página seguinte).
Fisher conta aos alunos que "no momento do orgasmo dispara a atividade da oxitocina e da vasopressina. Isso pode fazer com que surjam sentimentos de apego por alguém a quem você não deseja se sentir apegado". A repetição dos orgasmos só contribui para fortalecer esses sentimentos. Um bom indicativo da eficácia do sexo como fonte de oxitocina está no sucesso dos casamentos arranjados. Estima-se que 60% dos casamentos no mundo sejam fruto de combinação entre os pais dos noivos ou entre líderes religiosos. Mas vários estudos mostram que é comum os parceiros desenvolverem sentimentos de afeição com o passar do tempo.
Novas demonstrações das propriedades do hormônio vieram de dois experimentos recentes. Um foi realizado ano passado na universidade de Zurique, na Suíça. Nele, 45 pessoas foram borrifadas com um spray nasal de oxitocina ou com um placebo. O objetivo era avaliar se a capacidade de confiar em estranhos poderia ser modificada. Os resultados mostraram que 45% dos indivíduos que usaram o spray real foram capazes de "confiança máxima", emprestando dinheiro a pessoas que nunca haviam visto antes, contra 21% dos que usaram placebo. Num artigo sobre a pesquisa, seu autor, Ernest Fehr, disse que a substância aumenta a coragem para participar de interações sociais, ajudando a superar o medo de eventuais traições.
Fehr especula também sobre a possibilidade de no futuro serem criados medicamentos à base de oxitocina para auxiliar pessoas com alto grau de timidez social e ansiedade recorrente. No outro experimento, divulgado em janeiro deste ano, pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA descobriram que o spray reduziu sentimentos de medo em homens jovens. "A oxitocina pode se tornar uma espécie de viagra social", declarou Andréas Meyer Linderberg, o autor do estudo americano.
É interessante notar que essas pesquisas, realizadas com a mais moderna tecnologia das neurociências, apontam para idéias clássicas sobre o comportamento humano. Desde que Sigmund Freud criou a psicanálise, no início do século 20, os psicólogos sabem que relações superficiais entre pais e filhos podem gerar adultos com dificuldades de relacionamento. Acontece que a psicanálise desfruta de um status ambíguo no ambiente científico, pois a disciplina não utiliza as técnicas de observação mais características das "ciências duras". Também tem havido um renovado interesse pelas teorias do inglês John Bowlby (1907-1990), que remontam à década de 1950. "Minha pesquisa tem a ver com meu interesse por Bowlby", diz Pollak. "Ele estava na pista certa, e com a moderna neurociência podemos ver o que realmente acontece no cérebro", afirma.
Estudando o comportamento de crianças, Bowlby criou a Teoria do Apego. Esse sentimento estaria na base do desenvolvimento infantil. "É uma propensão biológica. A criança precisa sentir que tem alguém mais forte e mais sábio cuidando dela", diz a psicóloga Andréa Junqueira, do instituto Accelerated Experimental Dynamic Therapy, em Nova York. "A segurança de sentir-se cuidada torna a criança confiante para se relacionar com o ambiente e explorá-lo. A oxitocina propicia esse sentimento de ser cuidado e desperta no adulto o desejo de cuidar", diz Andréa. Na ausência desse suporte emocional - e, portanto, da oxitocina -, a criança passa a ver o mundo como um ambiente hostil e terá mais chances de desenvolver uma personalidade instável. Será que os órfãos estudados por Seth estão condenados a uma vida afetiva infeliz? "Não", diz Andréa. "Se uma pessoa encontrar esses elementos em outra relação, pode mudar seus referenciais internos. O cérebro está sempre em formação." Nunca é tarde para experimentar os benefícios de um relacionamento íntimo e feliz. O coração e o cérebro agradecem.
Três formas de amar
Cérebro usa várias estratégias para assegurar sucesso reprodutivo
É possível amar uma pessoa, apaixonar-se por uma segunda e sentir desejo sexual por uma terceira? Para a antropóloga americana Helen Fisher, não só é possível como é, em certo sentido, "natural". Em seu livro "Por que Amamos", ela defende a tese de que a evolução levou os seres humanos a desenvolver três diferentes programações biológicas para buscar parcerias amorosas. E cada uma delas conta com uma química cerebral diferente. Se a oxitocina é a responsável por sentimentos de vínculo emocional - como aquele que um homem sente pela companheira de muitos anos, com quem construiu uma família -, é a testosterona que o fará desejar sexualmente outras mulheres, por mais feliz que seja seu casamento. No caso do amor romântico, a situação é mais complexa. Ele está vinculado a altos níveis de dopamina e de norepinefrina. Mas o pensamento obsessivo sobre o ser amado pode ter origem na ausência de uma substância importante para a sensação de bem-estar: a serotonina. A coexistência dos três sistemas em nosso cérebro permite que sejamos estimulados de diversas fomas por pessoas diferentes, o que pode causar muita confusão. "Em última análise, a natureza nos criou para que possamos reproduzir, não para sermos felizes", diz Fisher.
Vá fundo
Para ler
• "Por que amamos",
Helen Fischer.
Ed Record, 2006
A oxitocina e o amor
- Res Cogitans
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A oxitocina e o amor
*Estou REALMENTE muito ocupado. Você pode ficar sem resposta em algum tópico. Se tiver sorte... talvez eu lhe dê uma resposta sarcástica.
*Deus deixou seu único filho morrer pendurado numa cruz, imagine o que ele fará com você.
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- Poindexter
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Re.: A oxitocina e o amor
Injeções de oxitocina para evitar que bebês recém-nascidos vão parar nas lixeiras?
Si Pelé es rey, Maradona es D10S.
Ciertas cosas no tienen precio.
¿Dónde está el Hexa?
Retrato não romantizado sobre o Comun*smo no século XX.
A child, not a choice.
Quem Henry por último Henry melhor.
O grito liberalista em favor da prostituição já chegou à este fórum.
Lamentável...
O que vem de baixo, além de não me atingir, reforça ainda mais as minhas idéias.
The Only Difference Between Suicide And Martyrdom Is Press Coverage
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