Ficando ligadão
Enviado: 17 Abr 2006, 12:33
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6 ... -1,00.html
Remédio para não dormir
Os laboratórios estão investindo em drogas para que você possa ficar 40 horas acordado, com poucos efeitos colaterais. Dá para acreditar?
Rafael Pereira
Para muita gente, dos viciados em trabalho aos festeiros inveterados, dormir significa jogar fora 7 horas do dia. Para ganhar esse tempo e tentar eliminar o sono, a ciência já tentou de tudo. No início do século XX, o truque era injetar cocaína, então vendida como um energético eficiente e sem efeitos colaterais. Os resultados são conhecidos.
Em 1927, surgiu a anfetamina, logo usada pelos Estados Unidos, pela Alemanha e pelo Japão para deixar os soldados acordados e alertas na Segunda Guerra Mundial. A conseqüência, nos anos seguintes, foi a criação de um exército de viciados. Recentemente, executivos e estudantes passaram a consumir remédios que supostamente aumentariam a concentração, como o Ritalin (metilfenidato), originalmente receitado para crianças hiperativas. O objetivo contemporâneo é tentar melhorar a produtividade durante as madrugadas atravessadas entre livros e planilhas.
A novidade do momento são drogas que prometem manter as pessoas acordadas por até 40 horas seguidas, sem sonolência nem perda de capacidade intelectual. Seus propagandistas prometem menos efeitos colaterais que as alternativas anteriores - incluindo a cafeína e a nicotina. Depois de uma esticada, oito horas de sono seriam suficientes para recarregar as baterias. Dá para acreditar? Se valem os exemplos do passado, levar esse tipo de promessa a sério pode ser perigoso.
A primeira droga dessa nova safra é o modafinil, vendido nos Estados Unidos com o nome de Provigil. Oficialmente, trata-se de um remédio para distúrbios graves do sono, como a narcolepsia, uma condição cujos portadores adormecem de repente. Usuários da nova droga podem, depois de passar 24 horas sem dormir, suportar ainda mais 16 de vigília. O laboratório de pesquisa da Força Aérea americana se encantou com o medicamento. Testes em pilotos de helicóptero mostraram que 600 miligramas da substância permitem executar uma missão de 88 horas com somente oito de sono.
Apesar dos números impressionantes, não se sabe ainda que efeitos seu uso continuado pode provocar. Nem se há risco de dependência. 'É provável que ele seja seguro apenas se usado por curtos períodos', diz o neurocientista Russell Foster, chefe do Departamento de Neurociência e Saúde Mental do Imperial College de Londres, na Inglaterra. 'Mas certamente é mais seguro que as anfetaminas ou drogas ilegais.'
Ele prevê que, em breve, será possível reduzir drasticamente as horas diárias de sono com a ajuda de remédios. 'Quando soubermos exatamente como funcionam os mecanismos do cérebro responsáveis pelo sono, poderemos criar um paliativo químico. Isso acontecerá em dez ou 20 anos', disse Foster a ÉPOCA.
O modafinil é apenas a primeira de uma nova categoria de drogas. Os resultados estimularam outros laboratórios a produzir remédios semelhantes. A farmacêutica inglesa Cortex já pediu aprovação da FDA, a agência que regula medicamentos no mercado americano, para comercializar o CX717. Testes preliminares em humanos revelam que ele permite ficar 51 horas ininterruptas acordado, 11 a mais que o modafinil. A Darpa, agência do Departamento de Defesa do governo americano responsável pelas inovações tecnológicas, já anunciou testes com a substância em soldados. O laboratório americano Arena também desenvolve um medicamento semelhante, chamado provisoriamente de APD125, mas os testes em humanos estão apenas no início.
Enquanto reina sozinho, o modafinil viu suas vendas crescerem de US$ 25 milhões em 1999 para US$ 575 milhões em 2005. Apesar da euforia do mercado, vários pesquisadores estão preocupados com a onda das pílulas. Alguns estudos mostram que a privação de sono pode ter efeitos assustadores. Em 1993, o americano Allan Rechtschaffen, pioneiro em pesquisas sobre o assunto, constatou que quatro semanas sem dormir são suficientes para que ratos desenvolvam febre incontrolável, falência do sistema imune e, por fim, morram.
Enquanto a indústria farmacêutica não tem uma solução segura para dormir menos, a alternativa é aproveitar ao máximo as horas de sono disponíveis. 'Tenho executivos que chegam aqui dizendo que querem dormir menos. Na verdade, o que eles precisam é dormir melhor', diz Dalva Poyares, neurologista e coordenadora do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo.
Segundo ela, cada ser humano tem uma necessidade de sono específica. Mas uma hora abaixo dela prejudica em 32% o desempenho durante o dia. O neurocientista Foster publicou recentemente um estudo que liga as noites maldormidas a doenças graves como cardiopatias, obesidade e até câncer, porque dormir menos afeta o sistema de defesa do organismo. Na dúvida, o melhor ainda é investir em uma boa noite de sono.
Remédio para não dormir
Os laboratórios estão investindo em drogas para que você possa ficar 40 horas acordado, com poucos efeitos colaterais. Dá para acreditar?
Rafael Pereira
Para muita gente, dos viciados em trabalho aos festeiros inveterados, dormir significa jogar fora 7 horas do dia. Para ganhar esse tempo e tentar eliminar o sono, a ciência já tentou de tudo. No início do século XX, o truque era injetar cocaína, então vendida como um energético eficiente e sem efeitos colaterais. Os resultados são conhecidos.
Em 1927, surgiu a anfetamina, logo usada pelos Estados Unidos, pela Alemanha e pelo Japão para deixar os soldados acordados e alertas na Segunda Guerra Mundial. A conseqüência, nos anos seguintes, foi a criação de um exército de viciados. Recentemente, executivos e estudantes passaram a consumir remédios que supostamente aumentariam a concentração, como o Ritalin (metilfenidato), originalmente receitado para crianças hiperativas. O objetivo contemporâneo é tentar melhorar a produtividade durante as madrugadas atravessadas entre livros e planilhas.
A novidade do momento são drogas que prometem manter as pessoas acordadas por até 40 horas seguidas, sem sonolência nem perda de capacidade intelectual. Seus propagandistas prometem menos efeitos colaterais que as alternativas anteriores - incluindo a cafeína e a nicotina. Depois de uma esticada, oito horas de sono seriam suficientes para recarregar as baterias. Dá para acreditar? Se valem os exemplos do passado, levar esse tipo de promessa a sério pode ser perigoso.
A primeira droga dessa nova safra é o modafinil, vendido nos Estados Unidos com o nome de Provigil. Oficialmente, trata-se de um remédio para distúrbios graves do sono, como a narcolepsia, uma condição cujos portadores adormecem de repente. Usuários da nova droga podem, depois de passar 24 horas sem dormir, suportar ainda mais 16 de vigília. O laboratório de pesquisa da Força Aérea americana se encantou com o medicamento. Testes em pilotos de helicóptero mostraram que 600 miligramas da substância permitem executar uma missão de 88 horas com somente oito de sono.
Apesar dos números impressionantes, não se sabe ainda que efeitos seu uso continuado pode provocar. Nem se há risco de dependência. 'É provável que ele seja seguro apenas se usado por curtos períodos', diz o neurocientista Russell Foster, chefe do Departamento de Neurociência e Saúde Mental do Imperial College de Londres, na Inglaterra. 'Mas certamente é mais seguro que as anfetaminas ou drogas ilegais.'
Ele prevê que, em breve, será possível reduzir drasticamente as horas diárias de sono com a ajuda de remédios. 'Quando soubermos exatamente como funcionam os mecanismos do cérebro responsáveis pelo sono, poderemos criar um paliativo químico. Isso acontecerá em dez ou 20 anos', disse Foster a ÉPOCA.
O modafinil é apenas a primeira de uma nova categoria de drogas. Os resultados estimularam outros laboratórios a produzir remédios semelhantes. A farmacêutica inglesa Cortex já pediu aprovação da FDA, a agência que regula medicamentos no mercado americano, para comercializar o CX717. Testes preliminares em humanos revelam que ele permite ficar 51 horas ininterruptas acordado, 11 a mais que o modafinil. A Darpa, agência do Departamento de Defesa do governo americano responsável pelas inovações tecnológicas, já anunciou testes com a substância em soldados. O laboratório americano Arena também desenvolve um medicamento semelhante, chamado provisoriamente de APD125, mas os testes em humanos estão apenas no início.
Enquanto reina sozinho, o modafinil viu suas vendas crescerem de US$ 25 milhões em 1999 para US$ 575 milhões em 2005. Apesar da euforia do mercado, vários pesquisadores estão preocupados com a onda das pílulas. Alguns estudos mostram que a privação de sono pode ter efeitos assustadores. Em 1993, o americano Allan Rechtschaffen, pioneiro em pesquisas sobre o assunto, constatou que quatro semanas sem dormir são suficientes para que ratos desenvolvam febre incontrolável, falência do sistema imune e, por fim, morram.
Enquanto a indústria farmacêutica não tem uma solução segura para dormir menos, a alternativa é aproveitar ao máximo as horas de sono disponíveis. 'Tenho executivos que chegam aqui dizendo que querem dormir menos. Na verdade, o que eles precisam é dormir melhor', diz Dalva Poyares, neurologista e coordenadora do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo.
Segundo ela, cada ser humano tem uma necessidade de sono específica. Mas uma hora abaixo dela prejudica em 32% o desempenho durante o dia. O neurocientista Foster publicou recentemente um estudo que liga as noites maldormidas a doenças graves como cardiopatias, obesidade e até câncer, porque dormir menos afeta o sistema de defesa do organismo. Na dúvida, o melhor ainda é investir em uma boa noite de sono.