Página 1 de 1

Temos esse direito?

Enviado: 22 Abr 2006, 19:49
por Deise Garcia
Recentemente, a mídia brasileira ocupou-se de notícias sobre uma chimpanzé, de nome Suíça, que foi mantida durante muitos anos em cativeiro, no Zoológico de Salvador (BA). Gente sensível tentou um habeas corpus, mas ela acabou morrendo, só e em depressão. Esse episódio, como tantos outros similares, arrasta-nos a uma profunda reflexão! Quantos outros macacos tripularam naves espaciais, foram submetidos a testes automobilísticos de impacto, foram inoculados com HIV ou tiveram seu cérebro exposto e irreversivelmente danificado em experimentos macabros!
Temos o direito de dispor da vida e do bem-estar dos animais? Podemos subjugá-los ao preço de sua dor e de seu sofrimento, sem arcar com a responsabilidade de nossos atos? Conhecimentos trazidos pela ciência acadêmica, e também encontrados na literatura espírita, sustentam essa análise.
A ciência inclui os chimpanzés no grupo dos hominóides, os primatas mais próximos do ser humano, em termos evolutivos, e considera que somos, os hominóides e nós, galhos diferentes de uma mesma árvore. Portanto, temos muito em comum. É o que já encontramos em A Gênese (1868), de Allan Kardec, cap. XI, 15 – Hipótese sobre a Origem do Corpo Humano: “Corpos de macacos teriam sido muito adequados a servir de vestimentas aos primeiros espíritos humanos, necessariamente pouco avançados, que vieram encarnar-se na Terra...” No item 16, o conceito prossegue: “Como não há transições bruscas na natureza, é provável que os primeiros homens que apareceram sobre a Terra pouco diferissem do macaco em sua forma exterior e, sem dúvida, também quanto à sua inteligência.”
Em O Livro dos Espíritos, de Kardec, item 849, encontramos ratificada essa possibilidade: “Qual é, no homem em estado selvagem (no meu entendimento, Kardec refere-se ao homem primitivo), a faculdade dominante: o instinto ou o livre-arbítrio?” A resposta é incisiva: “O instinto...”
Na área da Genética, estudos recentes (Chuecco, F. – Quase Humanos? Revista Newton – Tecnologia, Ciência e Vida – 2003) evidenciam que a diferença entre o nosso genoma e o do chimpanzé é de menos de 1%. Interessante é observar que Emmanuel, mais de 60 anos antes, no prefácio de Os Mensageiros (1944), de André Luiz, ao anunciar modificações evolutivas dos seres humanos, em relação aos chimpanzés, assevera: “A lei de herança continua com ligeiras modificações.”
A inteligência dos chimpanzés e outros atributos de sua mente foram evidenciados no trabalho do biólogo americano Roger Fouts (O Parente Mais Próximo, 1998). Com Fouts, eles aprenderam a se comunicar com a linguagem gestual, composta por mais de 150 sinais e utilizada por deficientes auditivos.
Não é nova a constatação científica de que os chimpanzés têm capacidade de autoconsciência (Gallup, Science, nº 167, 1970). O autor dessa pesquisa comenta que “sem uma identidade própria, seria impossível a alguém reconhecer-se” (no espelho). Mais antiga ainda é a assertiva de Emmanuel, em Alvorada do Reino, a respeito do assunto: “No reino animal, a consciência, à feição de crisálida, movimenta-se em todos os tons do instinto, no reino da inteligência, objetivando a conquista da razão, pelo discernimento.”
Há quase três décadas, o astrônomo e biólogo Carl Sagan já exarava, em Os Dragões do Éden: “Se os chimpanzés têm consciência, se têm capacidade de abstração, não devem eles ter acesso àquilo que se convencionou chamar até agora de direitos humanos? Que inteligência terão de atingir até que seu assassínio seja considerado crime?”
Ainda não bastaram, para a humanidade, todas as provas racionais de que eles são nossos “parentes”, têm inteligência, são seres sencientes! Para Carlos Brandt (A Superstição Médica, Ed. Natura, Lisboa, Portugal, 1949), “o processo evolutivo do homem anda atrasado porque não há luz em seu cérebro nem música em seu coração que lhe permita seguir um facho luminoso chamado compaixão”.
De fato! Será necessário adquirirmos a sensibilidade de um José do Patrocínio (1854 – 1905), nosso respeitável abolicionista, articulista do jornal A Notícia, no Rio de Janeiro: “Eu tenho pelos animais um respeito egípcio. Penso que eles têm alma. Ainda que rudimentar, e que eles sofrem conscientemente as revoltas da injustiça humana...”
Então, teremos condições de absorver a recomendação do mentor Alexandre, em Missionários da Luz: “A missão do superior é a de amparar o inferior e educá-lo... Sem amor para com os inferiores não podemos aguardar a proteção dos superiores.”
Somente assim, irá nos sensibilizar a figura do meigo Francisco de Assis e o exemplo de Jesus, nascido em um estábulo, cercado de animais, e alcançará definitivamente o nosso coração.

Irvênia Prada é médica veterinária pela Universidade de São Paulo e professora titular em Neuroanatomia na Faculdade de Medicina Veterinária da USP