"Ele era um menino tão bonzinho".
Enviado: 28 Abr 2006, 20:33
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/ ... 2u127.jhtm
28/04/2006
"Ele era um menino tão bonzinho"
Mathieu von Rohr
Zacarias Moussaoui é o primeiro suspeito acusado de cumplicidade nos atentados terroristas de 11 de Setembro. Ele se confessou culpado em abril de 2005. Mas sua mãe, que não fala com ele há anos, insiste que o filho é inocente.
Ele olha sonhadoramente para a câmera, com um sorriso tímido -- um menino magro de camiseta vermelha, com uma penugem clara no lábio superior. A fotografia de Zacarias Moussaoui aos 14 anos está numa mesa ao lado do sofá de sua mãe, numa moldura dourada. Um buquê de rosas vermelhas está ao seu lado.
"Ele era um menino tão bonzinho, tão educado", diz a mãe, Aicha el-Wafi.
"Mas esse é exatamente o problema. Ele não suportava ser chamado de árabe sujo na rua. Foi assim que começou."
Aicha el-Wafi senta-se num sofá verde com almofadas de cetim. Uma mulher pequena e dura de 59 anos, com olhos brilhantes, ela nasceu nas montanhas Atlas do Marrocos e vive no sul da França há 40 anos. Mora numa área residencial muito bonita perto de Narbonne. Ela tosse. Sofre de bronquite e está exausta. Mas quer falar. Ela indica o sofá em frente: "É onde ele estava sentado quando a foto foi tirada". Diz que Zacarias nasceu num domingo, que era um bebê bonito de 4,5 quilos, em perfeita saúde. Não havia nada errado com ele, pelo menos na época.
Hoje seu filho está sendo julgado nos EUA, acusado de cumplicidade nos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Moussaoui foi preso um mês antes dos atentados por violar a lei de imigração. Ele havia chamado a atenção de um instrutor de vôo por querer pilotar um Boeing 747 -- apesar do fato de ter experiência virtualmente zero.
Inicialmente os investigadores acreditaram que fosse o "vigésimo seqüestrador". Então pensou-se que ele havia sido treinado como um possível substituto de um dos outros seqüestradores. Mas Moussaoui negava tudo.
Há algumas semanas, de repente, ele proclamou sua culpa, sentado sério e barbado no banco dos réus. Disse que desejava a morte de judeus e americanos e que pretendia atirar um jato contra a Casa Branca no 11 de Setembro. Ele falou extensamente, e nem sempre claramente, como se não pudesse esperar que o condenassem à morte.
Então o FBI o dispensou como falastrão e um médico o diagnosticou esquizofrênico. Hoje o júri da Virgínia só tem duas opções: condenar Moussaoui à prisão perpétua ou à morte.
Quando ele foi apresentado ao mundo como um terrorista monstruoso, pouco depois dos atentados de 11 de Setembro, fazia quatro anos que Aicha não via o filho. Ela pôs as mãos na cabeça, chorou e gemeu. Então foi para a frente das câmeras.
Foi quando assumiu seu novo papel. Uma funcionária pública aposentada e divorciada, hoje Aicha tem novamente um emprego em tempo integral: é a mãe de Zacarias Moussaoui, e seu telefone não pára de tocar. "Ele não tem ninguém além de mim", ela diz, apesar de não ter falado com ele há mais de um ano.
Ela diz que não reconhece seu filho quando o vê no julgamento, que ele parte seu coração e que ela pensa nas vítimas dos atentados. Quer lutar pela verdade, "e a verdade é que ele é um fundamentalista islâmico, sim, mas também que não cometeu qualquer crime. Tudo o que ele fez foi falar, e ninguém pode ser condenado à morte por isso".
Quando o julgamento começou, ela viajou para os EUA. Queria estar no tribunal, mas seu filho nem sequer a olhava. Aicha quis depor, mas os advogados do filho não permitiram, segundo ela. "Eles queriam que eu dissesse que ele é louco", explica. "Mas eu não vou mentir. Só sei que o trancaram por quatro anos e estão lhe dando drogas."
No tribunal os advogados de defesa dizem que Moussaoui cresceu em lares adotivos, que sua mãe era estressada, com quatro filhos para criar e divorciada de um marido violento. Eles dizem que ela não foi uma boa mãe.
Aicha procura em pastas coloridas, pega uma série de papéis. São transcrições do julgamento de custódia dos filhos, documentos que afirmam que ela sempre cuidou bem das crianças. Neles, é descrita como "heróica" por ter criado seus filhos enquanto lutava com o ex-marido, um alcoólico violento com quem seus pais a obrigaram a se casar no Marrocos quando tinha 14 anos. "Esta é a prova", diz Aicha, acrescentando que pode não ser perfeita, mas também não vai "carregar o peso do mundo".
Depois do divórcio ela se sustentou como faxineira e depois se tornou funcionária pública na France Telecom, a companhia telefônica nacional.
Acabou poupando dinheiro suficiente para construir uma casa em Narbonne, com vista para o mar. Sua história parece a da perfeita integração à sociedade francesa.
O único aspecto da vida de Aicha que causou decepção, ao que parece, são seus filhos. Em um livro, seu filho mais velho, Abd Samad -- que também se tornou um fundamentalista muçulmano --, descreveu a mãe como uma mulher impiedosa. Suas duas filhas passam por tratamento psiquiátrico. Mas ela diz que esse fato não deve ser usado para tirar conclusões sobre o estado mental de Zacarias.
Aicha diz que era um menino bem-comportado e que sempre foi bem na escola. Ele sofria com o racismo -- e provavelmente foi o que o levou ao fundamentalismo. E quando seus filhos fizeram 20 anos Aicha os mandou sair de casa depois que se recusaram a pagar aluguel e continuaram dando festas.
Zacarias foi para Londres e ela só o viu mais uma vez, em 1997. Estava mudado. Rezava muito e pedia perdão. Ela não sentiu qualquer mal nele e ficou contente em vê-lo. Depois perdeu contato.
Mais tarde ela visitou o religioso radical Abu Hamza al-Masri, que doutrinou seu filho em Londres, "para compreender", ela disse. Mas não compreendeu.
O veredicto do julgamento de Moussaoui está se aproximando. Sua mãe estará lá no tribunal. Ela diz que sabe que "ele não vai se livrar desta".
28/04/2006
"Ele era um menino tão bonzinho"
Mathieu von Rohr
Zacarias Moussaoui é o primeiro suspeito acusado de cumplicidade nos atentados terroristas de 11 de Setembro. Ele se confessou culpado em abril de 2005. Mas sua mãe, que não fala com ele há anos, insiste que o filho é inocente.
Ele olha sonhadoramente para a câmera, com um sorriso tímido -- um menino magro de camiseta vermelha, com uma penugem clara no lábio superior. A fotografia de Zacarias Moussaoui aos 14 anos está numa mesa ao lado do sofá de sua mãe, numa moldura dourada. Um buquê de rosas vermelhas está ao seu lado.
"Ele era um menino tão bonzinho, tão educado", diz a mãe, Aicha el-Wafi.
"Mas esse é exatamente o problema. Ele não suportava ser chamado de árabe sujo na rua. Foi assim que começou."
Aicha el-Wafi senta-se num sofá verde com almofadas de cetim. Uma mulher pequena e dura de 59 anos, com olhos brilhantes, ela nasceu nas montanhas Atlas do Marrocos e vive no sul da França há 40 anos. Mora numa área residencial muito bonita perto de Narbonne. Ela tosse. Sofre de bronquite e está exausta. Mas quer falar. Ela indica o sofá em frente: "É onde ele estava sentado quando a foto foi tirada". Diz que Zacarias nasceu num domingo, que era um bebê bonito de 4,5 quilos, em perfeita saúde. Não havia nada errado com ele, pelo menos na época.
Hoje seu filho está sendo julgado nos EUA, acusado de cumplicidade nos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Moussaoui foi preso um mês antes dos atentados por violar a lei de imigração. Ele havia chamado a atenção de um instrutor de vôo por querer pilotar um Boeing 747 -- apesar do fato de ter experiência virtualmente zero.
Inicialmente os investigadores acreditaram que fosse o "vigésimo seqüestrador". Então pensou-se que ele havia sido treinado como um possível substituto de um dos outros seqüestradores. Mas Moussaoui negava tudo.
Há algumas semanas, de repente, ele proclamou sua culpa, sentado sério e barbado no banco dos réus. Disse que desejava a morte de judeus e americanos e que pretendia atirar um jato contra a Casa Branca no 11 de Setembro. Ele falou extensamente, e nem sempre claramente, como se não pudesse esperar que o condenassem à morte.
Então o FBI o dispensou como falastrão e um médico o diagnosticou esquizofrênico. Hoje o júri da Virgínia só tem duas opções: condenar Moussaoui à prisão perpétua ou à morte.
Quando ele foi apresentado ao mundo como um terrorista monstruoso, pouco depois dos atentados de 11 de Setembro, fazia quatro anos que Aicha não via o filho. Ela pôs as mãos na cabeça, chorou e gemeu. Então foi para a frente das câmeras.
Foi quando assumiu seu novo papel. Uma funcionária pública aposentada e divorciada, hoje Aicha tem novamente um emprego em tempo integral: é a mãe de Zacarias Moussaoui, e seu telefone não pára de tocar. "Ele não tem ninguém além de mim", ela diz, apesar de não ter falado com ele há mais de um ano.
Ela diz que não reconhece seu filho quando o vê no julgamento, que ele parte seu coração e que ela pensa nas vítimas dos atentados. Quer lutar pela verdade, "e a verdade é que ele é um fundamentalista islâmico, sim, mas também que não cometeu qualquer crime. Tudo o que ele fez foi falar, e ninguém pode ser condenado à morte por isso".
Quando o julgamento começou, ela viajou para os EUA. Queria estar no tribunal, mas seu filho nem sequer a olhava. Aicha quis depor, mas os advogados do filho não permitiram, segundo ela. "Eles queriam que eu dissesse que ele é louco", explica. "Mas eu não vou mentir. Só sei que o trancaram por quatro anos e estão lhe dando drogas."
No tribunal os advogados de defesa dizem que Moussaoui cresceu em lares adotivos, que sua mãe era estressada, com quatro filhos para criar e divorciada de um marido violento. Eles dizem que ela não foi uma boa mãe.
Aicha procura em pastas coloridas, pega uma série de papéis. São transcrições do julgamento de custódia dos filhos, documentos que afirmam que ela sempre cuidou bem das crianças. Neles, é descrita como "heróica" por ter criado seus filhos enquanto lutava com o ex-marido, um alcoólico violento com quem seus pais a obrigaram a se casar no Marrocos quando tinha 14 anos. "Esta é a prova", diz Aicha, acrescentando que pode não ser perfeita, mas também não vai "carregar o peso do mundo".
Depois do divórcio ela se sustentou como faxineira e depois se tornou funcionária pública na France Telecom, a companhia telefônica nacional.
Acabou poupando dinheiro suficiente para construir uma casa em Narbonne, com vista para o mar. Sua história parece a da perfeita integração à sociedade francesa.
O único aspecto da vida de Aicha que causou decepção, ao que parece, são seus filhos. Em um livro, seu filho mais velho, Abd Samad -- que também se tornou um fundamentalista muçulmano --, descreveu a mãe como uma mulher impiedosa. Suas duas filhas passam por tratamento psiquiátrico. Mas ela diz que esse fato não deve ser usado para tirar conclusões sobre o estado mental de Zacarias.
Aicha diz que era um menino bem-comportado e que sempre foi bem na escola. Ele sofria com o racismo -- e provavelmente foi o que o levou ao fundamentalismo. E quando seus filhos fizeram 20 anos Aicha os mandou sair de casa depois que se recusaram a pagar aluguel e continuaram dando festas.
Zacarias foi para Londres e ela só o viu mais uma vez, em 1997. Estava mudado. Rezava muito e pedia perdão. Ela não sentiu qualquer mal nele e ficou contente em vê-lo. Depois perdeu contato.
Mais tarde ela visitou o religioso radical Abu Hamza al-Masri, que doutrinou seu filho em Londres, "para compreender", ela disse. Mas não compreendeu.
O veredicto do julgamento de Moussaoui está se aproximando. Sua mãe estará lá no tribunal. Ela diz que sabe que "ele não vai se livrar desta".