Onde estão os bons princípios?
Professores defendem a inclusão da Filosofia no ensino básico para resgatar valores e ‘reinventar o ser humano’ numa sociedade em crise
João, 13 anos, estuda em um tradicional colégio particular da cidade. Ele também mora em um confortável condomínio fechado. Seus pais são trabalhadores e se preocupam com a educação dos seus filhos e valorizam os princípios cristãos. Dia desses, sua mãe ficou preocupada ao ouvir de João que um amigo seu é uma pessoa de sorte porque perdeu o seu iPod (tocador eletrônico de músicas em MP3) na piscina do condomínio e no dia seguinte ganhou um novo. Chocada, a mãe questionou o filho se em algum momento ele teria parado para pensar no fato do objeto poder ter sido roubado por um dos moradores do condomínio. João disse que acha esperto quem faz isso. A mãe relembrou a história do funcionário do aeroporto de São Paulo que ao encontrar um carteira repleta de dinheiro conseguiu devolvê-la ao seu dono. O filho retrucou que acha bobo quem age assim e que ele não faria o mesmo se estivesse no lugar do funcionário. Angustiados com a inversão de valores demonstrada pelo filho, a mãe e o pai chegaram a pensar em tirá-lo do colégio em que atualmente estuda. Também pensaram em conversar com a professora. Ainda não sabem qual decisão é a melhor diante desse dilema.
Essa história é verídica. E, infelizmente, é apenas mais uma que ilustra o processo de inversão de valores que vem permeando a sociedade moderna. No caso, aconteceu com uma pessoa de nível social elevado, mas nas classes menos favorecidas economicamente, o problema também tem suas nuances.
A repreensão parece não ser um caminho muito produtivo. E transpor de forma mais concreta para o cotidano a importância da ética nas relações humanas parece ser o grande desafio para pais e educadores.
E falar em ética remete diretamente à filosofia. O ‘exercício de pensar sobre o pensar’; pensar no sentido de nossas ações, no que é ou não é justo fazer em determinada situação. Um jogo de perguntas que busca o enfrentamento que torna possível a superação de crises, a demarcação dos objetivos e a reinvenção do ser humano. Questionar é criar condições de avançar e o ‘‘óbvio’’ é aquilo em que paramos de pensar, ou repetimos sem pensar.
Atualmente, depois da nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases), a ética virou tema transversal, ainda não é uma disciplina. Mas, para os estudiosos de filosofia, Leoni Maria Padilha Henning, da UEL, e Sérgio Augusto Sardi, da PUC/RS, a filosofia deve ser inserida cada vez mais na educação básica. ‘‘A filosofia deve se inserir no mundo da cultura e transformá-lo’’, destacou a professora Leoni. ‘‘O objetivo não é formar pesquisadores em filosofia, mas perceber que ela existe no dia a dia. Cada decisão difícil coloca em xeque conceitos existenciais. A palavra ‘crise’, do grego, significa momento de discernimento, julgamento’’, acrescentou Sardi. Ambos participaram na semana passado do I Congresso Internacional sobre Filosofia na Universidade, na UEL.
Além da cultura filosófica, que inclui o estudo de vários pensadores antigos, eles apontam o resgate da capacidade investigativa. ‘‘A pergunta da criança deve ser partilhada. A partir da sua dúvida, abrir outro lugar para pensar. O ensino de filosofia não pode ser apenas a transmissão do conhecimento filosófico’’, comentou Sardi.
A educação não se dá apenas na escola e isso exige dos professores o uso da criatividade para lidar com questões do cotidiano que promovam um filosofar inteligente, um movimento dinâmico e criativo do pensamento. Lembrando que pensamentos radicais, totalitários também é um tipo de filosofia, mas que não inclui o ‘filosofar’, que tem como base o questionamento das verdades prontas.
‘‘A criança que tem aulas de filosofia se torna mais questionadora, compreensiva para ouvir o outro, ponderada e pensante sobre o que diz’’, salientou Sardi, que há 20 anos começou a lecionar filosofia para crianças.
Na sua opinião, a criança precisa ser estimulada a ser tocada pela presença do outro, ‘‘ver o outro não como meio, mas ‘fim em si mesmo’, para aprender a agir com mais responsabilidade. E defende que a ética precisa ser construída desde a infância.
‘‘Eu acredito no humano. Mudar o mundo e a si faz parte do mesmo movimento. Quando a gente pergunta se o mundo pode ser melhor, temos sempre que perguntar se posso ser melhor’’, afirmou Sardi. ‘‘A educação em si mesma é esperançosa. O ser humano é educável’’, concluiu Leoni, que com o objetivo de apoiar o ensino de filosofia nas séries iniciais, coordena um projeto de extensão na UEL que envolve alunos da graduação em filosofia. O projeto vem sendo realizado desde 1998 e em 2003 foi formado um grupo de estudos integrante do projeto ‘‘Filosofia e Filosofia da Educação na Escola’’.
Ana Paula Nascimento - Reportagem Local Folha de Londrina
Tirei essa matéria de outro fórum, que tem acesso restrito a usuários cadastrados (aqui).