Totem e tabu

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spink
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Totem e tabu

Mensagem por spink »

Le Monde


Ai de quem ousa fazer brincadeiras com o ícone Mao!

Três décadas depois da sua morte, Mao, o Grande Timoneiro da China, ainda é cultuado em seu país como expressão do nacionalismo; até mesmo um leilão de um retrato pintado do ex-homem forte é visto como um desrespeito

Frédéric Bobin

Com a testa desguarnecida, os cabelos bombeados nas têmporas, o olhar imperial - levemente preocupado -, uma pinta que marca a parte alta do queixo e, é claro, a gola que leva o seu nome: o rosto de Mao Tse-tung (1893-1976, chefe de Estado fundador do regime chinês atual) é um ícone que não deve ser deixado ao alcance de todas as mãos.

Por mais que os funcionários da firma de leilões pequinesa Beijing Huachen Auctions usem luvas brancas e se esforcem para manuseá-la com gestos delicados, a foto que os mostra agarrando o retrato pintado do defunto "Timoneiro" chocou os patriotas chineses. Esta cena, flagrada por um fotógrafo da China Nova (agência oficial de notícias), foi divulgada em previsão de um leilão agendado para o dia 3 de junho em Pequim.

Neste dia, a imagem sagrada, que ficou exposta em destaque, no decorrer dos anos 50 e 60, no cume da Porta da Paz Celestial - a entrada sul de Cidade Proibida -, será entregue à cobiça dos especuladores ou dos colecionadores, junto com lotes de jóias e de objetos de porcelana. No caso, a única lei que valerá é a do mercado: o futuro comprador poderia, portanto, ser estrangeiro.

Isto é um escândalo! Os fóruns de discussão na Internet, na China, ficaram alvoroçados diante de uma tamanha dessacralização do símbolo. "Quem foi que lhes deu o direito de colocar o retrato de Mao à venda num leilão?", pergunta um internauta indignado no site sina.com. "O presidente Mao pertence ao povo chinês. Esta obra é o nosso alimento espiritual".

"Uma tal venda não é apenas um sacrilégio para Mao", prossegue um outro internauta. "É uma profanação do espírito nacional". Vale notar que algumas vozes se esforçam para preservar um pouco de bom senso: "Mao é um grande homem, mas nós não podemos idolatrá-lo cegamente"; "É só um retrato: parem de fabricar deuses". Mas estas reações são antes minoritárias em meio ao concerto de clamores indignados.

Não mexam com o meu Mao! Esta suscetibilidade coceguenta em torno da figura do pai da China vermelha expressa uma tendência dos novos tempos neste país. O ano de 2006 se desenrola no ritmo de uma dupla comemoração: o 40º aniversário do começo da Revolução cultural (16 de maio de 1966) e o 30º aniversário da morte de Mao (9 de setembro de 1976).

Neste contexto, Mao é ao mesmo tempo um tabu e um totem. Um tabu para as autoridades, que ainda não descobriu como eternizar no mármore uma múmia que ainda careteia dentro do seu mausoléu, símbolo da má consciência de um partido ideologicamente modificado e que no passado tivera de suportar os destemperos deste taumaturgo. O silêncio oficial "ensurdecedor" em torno da Revolução cultural dá uma idéia do embaraço das autoridades. Não se abre uma caixa de Pandora dentro da qual fervilham tantos gênios do mal.

Mas ele é também um totem diante do qual - destoante surpresa - se prosternam batalhões de jovens mentes desconfiadas. Diante disso, seria precipitado suspeitar de um retorno da ortodoxia. O Mao que agrada aos jovens é o rebelde frugal, e a sua herança se contrapõe ironicamente aos atuais dirigentes corruptos.

Já, na primavera de 1989, no coração da praça pública de Tiananmen onde eram travados debates democráticos, muitos alfinetavam orgulhosa e bravamente a imagem de Mao na lapela, e quando três estudantes tiveram a desastrosa idéia de sujar com ovos e tinta o retrato gigante, eles foram alvos da cólera dos seus camaradas.

Ao longo dos anos, a percepção modificou-se. Neste momento em que o nacionalismo está recrudescendo, Mao encarna a pátria mais do que uma ideologia. Ele é reivindicado como uma relíquia do patrimônio nacional que deve ser cultuada, principalmente frente à "arrogância" do Ocidente.

Um evento que passou despercebido ilustra esta nova religião patriótica que vem se cristalizando em torno de Mao. Em 17 de maio, cerca de cinqüenta estudantes chineses da universidade de Massey, na Nova Zelândia, manifestaram sua cólera na frente do prédio do jornal da faculdade. Impertinente, o periódico havia dedicado sua capa a uma fotomontagem na qual Mão era feminizado, trajando um vestido sexy que lhe grudava ao corpo, um colar no pescoço, tão elegante quanto uma garota de programa.

Os jovens chineses da Nova Zelândia viram nisso um sacrilégio comparável às "caricaturas anti-Maomé". "O presidente Mao é um Jesus para nós", gritou, quase que apoplético, vermelho de emoção, um manifestante que foi citado na imprensa neozelandesa. Foi exigido um pedido oficial de desculpas.

Do mercado internacional da arte aos fanzines dos campi universitários, ai de quem ousa fazer brincadeiras com Mao!
"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma." (Joseph Pulitzer).

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Poindexter
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Registrado em: 18 Nov 2005, 12:59

Re: Totem e tabu

Mensagem por Poindexter »

carlos escreveu:Um evento que passou despercebido ilustra esta nova religião patriótica que vem se cristalizando em torno de Mao. Em 17 de maio, cerca de cinqüenta estudantes chineses da universidade de Massey, na Nova Zelândia, manifestaram sua cólera na frente do prédio do jornal da faculdade. Impertinente, o periódico havia dedicado sua capa a uma fotomontagem na qual Mão era feminizado, trajando um vestido sexy que lhe grudava ao corpo, um colar no pescoço, tão elegante quanto uma garota de programa.

Os jovens chineses da Nova Zelândia viram nisso um sacrilégio comparável às "caricaturas anti-Maomé". "O presidente Mao é um Jesus para nós", gritou, quase que apoplético, vermelho de emoção, um manifestante que foi citado na imprensa neozelandesa. Foi exigido um pedido oficial de desculpas.


Se eu fosse o editor desse jornal, eu publicaria a foto de novo de propósito e, na matéria, mandaria esses reclamantes todos voltarem para a China se desejarem tratamento melhor para o seu Grande Timoneiro.
Si Pelé es rey, Maradona es D10S.

Ciertas cosas no tienen precio.

¿Dónde está el Hexa?

Retrato não romantizado sobre o Comun*smo no século XX.

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Quem Henry por último Henry melhor.

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Lamentável...

O que vem de baixo, além de não me atingir, reforça ainda mais as minhas idéias.

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King In Crimson
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Registrado em: 25 Out 2005, 01:23

Re.: Totem e tabu

Mensagem por King In Crimson »

E depois o comunismo não é religião...

Wing Zero
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Registrado em: 19 Mai 2006, 13:39

Re.: Totem e tabu

Mensagem por Wing Zero »

O Mao matou mais que Hitler e Estaline Juntos. É o detentor do Trofeu Gengis Khan (só para campeoníssimos)

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Hugo
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Registrado em: 12 Mar 2006, 12:21

Re.: Totem e tabu

Mensagem por Hugo »

Pobre China. Até quando?

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Poindexter
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Registrado em: 18 Nov 2005, 12:59

Re: Re.: Totem e tabu

Mensagem por Poindexter »

King In Crimson escreveu:E depois o comunismo não é religião...


Xeque-Mate. :emoticon266:
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Hugo
Mensagens: 4530
Registrado em: 12 Mar 2006, 12:21

Re.: Totem e tabu

Mensagem por Hugo »

Essa adoração que os comunistas demonstram por seus líderes é realmente intrigante. Foi o que aconteceu com Lênin: Sócrates virou faraó.

Trancado