O que nos espera num segundo mandato de Lula
Enviado: 31 Mai 2006, 12:37
Publicado em 30 de maio de 2006 "O Globo"
Arnaldo Jabor
A herança de FH vai reeleger o Lula
A grande ironia é que o Lula será reeleito por FH. Sem o Plano
Real, combatido pelo Lula e PT até no STF, o governo Lula
teria sido o pior desastre de nossa História. E também se não
fosse o Palocci segurando a agenda tucana da economia por mais
de três anos, contra os ataques de Dirceu e seus quadrilheiros
corruptos, estaríamos batendo panela na rua. Aliás, se não
fosse a Bolsa Família, derivada do governo de FH, Lula não
teria nada a oferecer aos pobres que o elegerão, mesmo à custa
de um déficit fiscal crescente, mesmo que a Previdência quebre
por causa do salário-mínimo. Lula teve a sorte de ser atacado
pelas denúncias de Roberto Jefferson, que o abateram no
início, mas que acabaram por livrá-lo dos bolchevistas do
Dirceu, que iam destruir seu governo. Graças a seu competente
cinismo, sua magistral hipocrisia, Lula conseguiu se libertar
dos comunas e voltar a seu populismo personalista.
E, ajudado pela economia mundial, que esteve em bonança
compradora esses três anos (até quando?), ele certamente vai
fingir que é responsável pelos bons índices econômicos.
Afinal, o que fez o governo Lula, além de se aproveitar do que
ele chamava de “herança maldita”? Absolutamente nada. Os
primeiros dois anos foram gastos em reconhecimento do terreno
e discussão ideológica. Primeiro, o assembleísmo vacilante dos
“Conselhos” que ele nunca ouviu, depois a briga com a “gangue”
dos quatro do PT, expulsos. Depois, a organização da quadrilha
de corruptos e, em seguida, o triunfo das mentiras, com
iniciativas “tapa-buracos” e Lula inaugurando até bica.
Ele se revelou um gênio da dissimulação. Por isso, será
reeleito. Não tem papo.
A miséria política brasileira criou esse fenômeno, fruto da
ignorância popular, da lógica patrimonialista e da ausência do
Poder Judiciário. Lula é um mutante, um “retrovírus” com um
ciclo vital que só se esgotará daqui a quatro anos e meio. E
quando acabar, acaba o PT.
E na próxima legislatura, os petistas tentarão consolidar
empregos e posições estratégicas dentro do governo para não
sumirem em 2010. Os 40 mil empregados pelo PT no Estado
lutarão como javalis para comer o mais possível por mais
quatro anos, mesmo que o país quebre. Tarso Genro e outros
estão acenando com possíveis alianças com o PSDB no futuro
governo. Provavelmente, é tática para amenizar porradas na
campanha. Uma vez eleitos, eles vão entrar com tudo para
promover: a reestatização da economia; o inchamento maior
ainda da máquina pública; a destruição das Agências
Reguladoras, da Lei de Responsabilidade Fiscal, em busca de um
getulismo tardio, com uma visão do Estado como centro de tudo,
com desprezo pelas reformas, horror pela administração e amor
pelos mecanismos de “controle” da sociedade.
Lula poderá dar vazão a seu despreparo administrativo, já que
não precisará usar da prudência para a reeleição. A esperança
da razão é que Lula fugirá das aporrinhações de rupturas e
radicalizações de esquerda, conservador fascinado pelo carinho
do mundo, da rainha Elizabeth ao Bush.
José Serra (consciente ou inconscientemente) fez muito bem em
não concorrer, porque ia perder também. Ninguém ganha do Lula,
mascote dos desvalidos e símbolo sexual da Academia. A
responsabilidade de Serra será enorme: liderar os governadores
que, como Aécio em Minas e outros, terão de proteger a
democracia desmoralizada e a sensatez nos fundamentos da
economia. Os tucanos perderiam porque não têm plataforma.
Qual é a plataforma? Tirando a agenda pessoal de FH e a
formação competente de Serra, qual é o “pensamento tucano”
hoje?
Como explicar para a população ignorante que só um “choque de
capitalismo” destruiria a máquina podre das oligarquias
enquistadas no Estado? Como fazer as privatizações essenciais
sem que os velhos comunas falem que é venda do patrimônio?
Como explicar um programa de “mudanças possíveis”, de uma
entent e entre capital e justiça social, de uma
social-democracia vacilante e trêmula, contraposto ao
marketing utopista e salvacionista de Lula?
Ninguém se lembra mais dos “clássicos” com seu ideário de
solidez administrativa e social-democracia, ninguém se lembra
mais de Montoro, Covas etc. Aécio é bom governante, o Alckmin
foi bom administrador, mas falo de “programa”. Qual é? A
dúvida socrática, o “ in medio virtus ” escolástico, Rousseau,
Locke?
Por obra da resistência da direita clientelista, do absurdo
paralítico do Judiciário, pelo mais sórdido Parlamento que já
tivemos, pela voracidade militante da “porcada magra” se
aliando à direita, o velho Brasil está voltando a seu formato
tradicional, renascendo como rabo de lagarto. O país tem um
movimento regressista natural, uma vocação reacionária além
dos homens e dos discursos, automática, quase física. O
verdadeiro Brasil é boçal, salvacionista. FH foi um parênteses
acidental de reacionalidade , assim como Clinton foi o último
democrata, numa América fundamentalista e grossa.
Creio que duas coisas podem proteger o país de 2007 em diante:
que a economia brasileira, muito mais complexa hoje que há 15
anos, resista aos ataques dos oportunistas e aventureiros
bolchevo-direceuzistas . Outra coisa boa (!) é que Chávez nos
aporrinhe bastante, com seu contínuo Evo Morales. Acho bom,
pois ressurgirá um Tratado de Tordesilhas ideológico: as
provocações dos hermanos nos obrigarão a estabelecer as
diferenças do país mais forte que somos, em relação aos
medíocres delírios andinos. Isso, desde que a economia mundial
não se estrepe e encerre o ciclo de bonança que Lula (e nós)
teve, por sorte.
E, se por desgraça o segundo mandato desorganizar o país, com
a volta da inflação, descontrole da Previdência,
irresponsabilidade fiscal e outras mazelas, o povo,
decepcionado, vai preferir o pior. Os erros de um governo
popular criam desejos de um populismo, mais fácil de entender.
Lula pode estar abrindo o caminho para anomalias como
Garotinho.
Arnaldo Jabor
A herança de FH vai reeleger o Lula
A grande ironia é que o Lula será reeleito por FH. Sem o Plano
Real, combatido pelo Lula e PT até no STF, o governo Lula
teria sido o pior desastre de nossa História. E também se não
fosse o Palocci segurando a agenda tucana da economia por mais
de três anos, contra os ataques de Dirceu e seus quadrilheiros
corruptos, estaríamos batendo panela na rua. Aliás, se não
fosse a Bolsa Família, derivada do governo de FH, Lula não
teria nada a oferecer aos pobres que o elegerão, mesmo à custa
de um déficit fiscal crescente, mesmo que a Previdência quebre
por causa do salário-mínimo. Lula teve a sorte de ser atacado
pelas denúncias de Roberto Jefferson, que o abateram no
início, mas que acabaram por livrá-lo dos bolchevistas do
Dirceu, que iam destruir seu governo. Graças a seu competente
cinismo, sua magistral hipocrisia, Lula conseguiu se libertar
dos comunas e voltar a seu populismo personalista.
E, ajudado pela economia mundial, que esteve em bonança
compradora esses três anos (até quando?), ele certamente vai
fingir que é responsável pelos bons índices econômicos.
Afinal, o que fez o governo Lula, além de se aproveitar do que
ele chamava de “herança maldita”? Absolutamente nada. Os
primeiros dois anos foram gastos em reconhecimento do terreno
e discussão ideológica. Primeiro, o assembleísmo vacilante dos
“Conselhos” que ele nunca ouviu, depois a briga com a “gangue”
dos quatro do PT, expulsos. Depois, a organização da quadrilha
de corruptos e, em seguida, o triunfo das mentiras, com
iniciativas “tapa-buracos” e Lula inaugurando até bica.
Ele se revelou um gênio da dissimulação. Por isso, será
reeleito. Não tem papo.
A miséria política brasileira criou esse fenômeno, fruto da
ignorância popular, da lógica patrimonialista e da ausência do
Poder Judiciário. Lula é um mutante, um “retrovírus” com um
ciclo vital que só se esgotará daqui a quatro anos e meio. E
quando acabar, acaba o PT.
E na próxima legislatura, os petistas tentarão consolidar
empregos e posições estratégicas dentro do governo para não
sumirem em 2010. Os 40 mil empregados pelo PT no Estado
lutarão como javalis para comer o mais possível por mais
quatro anos, mesmo que o país quebre. Tarso Genro e outros
estão acenando com possíveis alianças com o PSDB no futuro
governo. Provavelmente, é tática para amenizar porradas na
campanha. Uma vez eleitos, eles vão entrar com tudo para
promover: a reestatização da economia; o inchamento maior
ainda da máquina pública; a destruição das Agências
Reguladoras, da Lei de Responsabilidade Fiscal, em busca de um
getulismo tardio, com uma visão do Estado como centro de tudo,
com desprezo pelas reformas, horror pela administração e amor
pelos mecanismos de “controle” da sociedade.
Lula poderá dar vazão a seu despreparo administrativo, já que
não precisará usar da prudência para a reeleição. A esperança
da razão é que Lula fugirá das aporrinhações de rupturas e
radicalizações de esquerda, conservador fascinado pelo carinho
do mundo, da rainha Elizabeth ao Bush.
José Serra (consciente ou inconscientemente) fez muito bem em
não concorrer, porque ia perder também. Ninguém ganha do Lula,
mascote dos desvalidos e símbolo sexual da Academia. A
responsabilidade de Serra será enorme: liderar os governadores
que, como Aécio em Minas e outros, terão de proteger a
democracia desmoralizada e a sensatez nos fundamentos da
economia. Os tucanos perderiam porque não têm plataforma.
Qual é a plataforma? Tirando a agenda pessoal de FH e a
formação competente de Serra, qual é o “pensamento tucano”
hoje?
Como explicar para a população ignorante que só um “choque de
capitalismo” destruiria a máquina podre das oligarquias
enquistadas no Estado? Como fazer as privatizações essenciais
sem que os velhos comunas falem que é venda do patrimônio?
Como explicar um programa de “mudanças possíveis”, de uma
entent e entre capital e justiça social, de uma
social-democracia vacilante e trêmula, contraposto ao
marketing utopista e salvacionista de Lula?
Ninguém se lembra mais dos “clássicos” com seu ideário de
solidez administrativa e social-democracia, ninguém se lembra
mais de Montoro, Covas etc. Aécio é bom governante, o Alckmin
foi bom administrador, mas falo de “programa”. Qual é? A
dúvida socrática, o “ in medio virtus ” escolástico, Rousseau,
Locke?
Por obra da resistência da direita clientelista, do absurdo
paralítico do Judiciário, pelo mais sórdido Parlamento que já
tivemos, pela voracidade militante da “porcada magra” se
aliando à direita, o velho Brasil está voltando a seu formato
tradicional, renascendo como rabo de lagarto. O país tem um
movimento regressista natural, uma vocação reacionária além
dos homens e dos discursos, automática, quase física. O
verdadeiro Brasil é boçal, salvacionista. FH foi um parênteses
acidental de reacionalidade , assim como Clinton foi o último
democrata, numa América fundamentalista e grossa.
Creio que duas coisas podem proteger o país de 2007 em diante:
que a economia brasileira, muito mais complexa hoje que há 15
anos, resista aos ataques dos oportunistas e aventureiros
bolchevo-direceuzistas . Outra coisa boa (!) é que Chávez nos
aporrinhe bastante, com seu contínuo Evo Morales. Acho bom,
pois ressurgirá um Tratado de Tordesilhas ideológico: as
provocações dos hermanos nos obrigarão a estabelecer as
diferenças do país mais forte que somos, em relação aos
medíocres delírios andinos. Isso, desde que a economia mundial
não se estrepe e encerre o ciclo de bonança que Lula (e nós)
teve, por sorte.
E, se por desgraça o segundo mandato desorganizar o país, com
a volta da inflação, descontrole da Previdência,
irresponsabilidade fiscal e outras mazelas, o povo,
decepcionado, vai preferir o pior. Os erros de um governo
popular criam desejos de um populismo, mais fácil de entender.
Lula pode estar abrindo o caminho para anomalias como
Garotinho.