Recordação de Vidas Anteriores
Enviado: 31 Mai 2006, 21:27
[center]Recordação de Vidas Anteriores
A sua Importância. Interpretações Possíveis.[/center]
[center]Parte I[/center]
Nos finais do século XIX (1, 2) e no início do século XX (3-5) só ocasionalmente se dava conta de relatos de crianças que afirmavam ter lembranças de vidas anteriores. Em 1960 publiquei uma análise de 44 casos que me chamaram a atenção. Provinham de várias fontes, sobretudo de livros e revistas (6). Considerei alguns como a evidência do que entendo ser um processo paranormal (de acesso à informação), como defino a possibilidade de as crianças mostrarem conhecimentos acerca da vida de uma pessoa já falecida, desconhecida da sua própria família, sem que estes conhecimentos, pelo menos aparentemente, tenham sido adquiridos através dos meios de comunicação correntes. Recomendei, na altura, que se fizesse um esforço para localizarem e investigar cuidadosamente novos casos idênticos.
Eu mesmo iniciei uma investigação sobre este assunto e publiquei os primeiros relatórios poucos anos mais tarde (7-8). Nos anos seguintes publiquei relatórios adicionais de casos investigados em alguns países (9-13). Na Ásia (Sul, Sudoeste e Oeste Asiático), na África (Oeste Africano), Brasil e na América do Norte (Noroeste Norte-Americano) encontram-se facilmente casos idênticos. Em todas estas áreas é forte a crença na reencarnação. Na Europa Ocidental e noutras zonas da América do Norte também ocorrem alguns, embora com menor freqüência, (14-15).
Nas décadas de 80 e 90 foram identificados por outros investigadores novos casos (16-23). Até 1995 havia cerca de 90 registros pormenorizados de casos deste tipo, selecionados de um número muito mais vasto já investigado – superior a 2500. Muitos deles foram exaustivamente analisados. As entrevistas são o principal método de investigação. São feitas amiudadamente com as pessoas diretamente relacionadas, quer da parte da criança quer do lado da pessoa falecida, se esta tiver ido identificada. Dá-se especial importância à verificação independente das afirmações feitas pela criança, mas também se investigam documentos diversos: certidões de óbito e outros, que se reproduzem sempre.
Na maioria dos casos (67% em 856 casos) conseguiu-se identificar a pessoa falecida e verificou-se que os pormenores da sua vida e morte correspondiam exatamente às afirmações da criança entrevistada (24). Consideramos estes casos como "resolvidos". Os restantes (33% dos referidos 856 casos), são classificados "casos por resolver". Há um pequeno número deles em que o renascimento se relacionava com mortes ocorridas na infância. Esta identificação faz-se com base em marcas de nascimento e sonhos, ainda que a criança analisada nunca se tenha referido a uma vida anterior (21). Todos os casos nestas condições foram designados por "casos silenciosos" e constituem cerca de 5% a 10% do total.
As características dos casos que ocorrem no mesmo grupo cultural são estáveis ao longo de uma ou duas gerações (25). A comparação de casos entre culturas diferentes revela existirem algumas características comuns que persistem regularmente. São elas as seguintes: a criança começa a falar da sua vida anterior em idade precoce (normalmente entre os 2 e os 4 anos de idade); deixa de falar nessa vida anterior muito cedo (entre os 5 e os 7 anos); há, nesses relatos infantis das suas vidas anteriores, elevada incidência de mortes violentas (76%). Outras características variam amplamente segundo a cultura em que vivem as crianças, como a lembrança de terem pertencido a outro sexo (13, 15).
Não se pode considerar significativo da existência de uma vida anterior nenhum caso que não tenha sido expurgado de todas as explicações possíveis. Destas, a mais importante é a da comunicação de informação, à criança, acerca da pessoa falecida, através dos meios correntes, sem que os próprios pais se apercebam (estas ocorrências são muito raras). A informação assim transmitida por meios correntes tem uma probabilidade razoável de acontecer ou, pelo menos, essa possibilidade não deve ser excluída sempre que o caso se relaciona com uma recordação associada a um membro da própria família ou da mesma localidade. Na maior parte destas situações as famílias associadas ao fenômeno viviam em localidades muito afastadas e os informadores (famílias da criança e da pessoa falecida) asseguraram aos investigadores que não se conheciam antes de se iniciar o estudo do caso. Lamentavelmente, o investigador não consegue, muitas vezes, chegar aos ambientes relacionados com um dado caso antes que as famílias se terem encontrado e partilhado as suas informações acerca do relato da criança e de os relacionar com as suas próprias memórias ou com todas as histórias acerca da pessoa falecida. Apesar de tudo, há uma pequena percentagem de casos em que o investigador consegue obter um relato escrito das afirmações da criança antes deste relacionamento poder concretiza-se (7, 9, 22). A comparação destas situações com aquelas em que o investigador só conseguiu obter informações depois de ter havido relacionamento das duas famílias mostrou, todavia, que não existem diferenças entre os dois grupos em tudo o que respeita à qualidade das afirmações.
A investigação já avançou até ao ponto em que a hipótese da existência de vidas anteriores oferece, pelo menos, uma interpretação plausível para muitos casos e, para outros, parece ser a mais consistente. Todavia, o presente artigo não foi orientado para o registro das evidências que comprovam tal hipótese. O leitor interessado nesse estudo e nos métodos de investigação adotados encontrará nas publicações citadas descrições pormenorizadas. A minha intenção foi a de sugerir o fato de a possibilidade da existência de uma vida anterior ter um poder significativo para diversos problemas ainda por resolver, tanto na Medicina como na Psicologia.
O fato de uma criança afirmar que se lembra de uma vida anterior é muito mais importante do que uma simples convicção da existência de vidas pretéritas, possa ou não ser comprovada. As crianças que o afirmam mostram, quase sempre, uma variedade de comportamentos que são pouco vulgares na família a que pertencem, mas que estão de acordo com as características da pessoa falecida de quem se recordam, tanto quanto foi possível registar ou inferir (nos casos resolvidos). Além disso, estas crianças apresentam características físicas notáveis – que correspondem a feridas ou a outros aspectos físicos da pessoa falecida de cuja vida ela parece lembrar-se.
Sabemos muito pouco acerca do número total de crianças que afirmam lembrar-se de vidas anteriores.
[center]Problemas por Resolver na Medicina que a Tese das Vidas Anteriores pode Esclarecer[/center]
Numa série de 387 pessoas que afirmavam lembrar-se de uma vida anterior havia 141, ou 36%, com fobias. Estas fobias estavam quase sempre de acordo com o tipo de morte ocorrido na vida anterior lembrada. Por exemplo: uma criança que afirmava lembrar-se de uma vida em que tinha morrido por afogamento, apresentava uma fobia à imersão na água; a lembrança de uma vida terminada com um tiro de uma arma de fogo, estava associada a uma fobia às armas. A maioria das fobias ocorriam em casos relacionados com mortes violentas, ainda que também se verificassem em situações de morte natural. A relação entre o grau de incidência das fobias e o tipo de morte é variável. Por exemplo, 30 em 47 pessoas (64%), que se lembravam de terem morrido afogadas tinham fobia à água, mas apenas 13, num grupo de 30 (43%) que se lembrava de terem morrido por causa de uma mordedura de uma cobra apresentavam fobias às cobras.
Verifiquei por vezes – embora não tenha estimativas exactas sobre esta particularidade – que uma criança manifestava uma fobia antes de se referir à sua vida anterior. Isto causava natural perplexidade aos pais até que a criança conseguisse dar uma explicação – normalmente o relato do modo como tinha morrido numa vida anterior. Em todos os casos os pais não conseguiam identificar nenhuma e experiência post-natal, nem sequer nenhum comportamento semelhante em qualquer membro da família que pudesse explicar a fobia.
Dada a grande incidência de fobias em crianças que afirmam lembrar-se de uma vida anterior parece razoável admitir que elas possam explicar algumas fobias mesmo nas crianças que não se lembram dessas vidas.
Menzies e Clarke estudaram, na Austrália, 50 casos clínicos de fobia infantil à água. Estes autores interrogaram os pais das crianças acerca da existência de alguma experiência ou modelo de aprendizagem que pudesse estar na base da fobia desenvolvida. Em 28 dos casos (56%) os pais não só não se recordavam de nenhum destes fatores como até afirmavam que a fobia se tinha revelado logo ao primeiro contacto da criança com a água. Admito, por isto, que estas fobias derivem de mortes por afogamento, ainda que as crianças não tenham revelado memória consciente dessas vidas.
[center]Filias da Infância[/center]
Muitas crianças que afirmam lembrar-se de uma vida anterior apresentam desejos – muitas vezes semelhantes ao craving – por uma substância tóxica ou por uma comida que era do particular agrado de uma pessoa já falecida e de quem a criança afirma lembrar-se. Várias destas crianças, que se lembram de vidas de alcoólicos, pediram bebidas alcoólicas ou beberam-nas às escondidas quando eram pequenas. Outras tentavam fumar ou fingiam fazê-lo.
[center]Brincadeiras Invulgares na Infância[/center]
Num grupo de 278 crianças, 66 (24%) adotaram brincadeiras pouco vulgares (estes dados não foram publicados). Estas brincadeiras eram mais freqüentemente relacionadas com a profissão da pessoa falecida de quem se lembravam. Alguns exemplos: uma criança que se lembrava de uma vida como condutor de veículos de tração animal brincava como se andasse a cavalo ou conduzisse uma carroça. Outra, que se recordava da vida de um médico, brincava aos médicos e usava um pauzinho como se fosse um termômetro. Outras ainda brincavam imitando diversas atividades não profissionais, como o jogo de contas (beads). E também havia crianças que davam às bonecas, ou a outros brinquedos, nomes que eram dos filhos da pessoa falecida de quem se lembravam. E também havia crianças que reproduziam, nas suas brincadeiras, a forma como morreram na suposta vida anterior. Em todos estes casos as famílias não forneceram quaisquer modelos para tais brincadeiras.
Admito assim que os interesses e objetivos manifestados precocemente por algumas pessoas, durante a infância e que não resultem de um estímulo anterior, encontrando mesmo oposição na família, possam ter origem em vidas passadas. Exemplos como este ocorreram na infância de George Frederick Handel (o compositor), Florence Nightingale (a fundadora da escola de enfermagem moderna), Elisabeth Fry (uma notável reformadora das prisões), Heinrich Schliemann (o descobridor de Tróia), Jean-François Champollion (o decifrador dos hieroglifos egípcios) e Michael Ventris (o decifrador do linear B). Desconheço se alguma destas pessoas se lembrava de uma vida anterior, mas a precocidade e intensidade da sua persistente vontade de atingir metas pouco vulgares não encontra explicação normal nas suas histórias genéticas ou familiares.
[center]Homossexualidade[/center]
Numerosas crianças lembram-se de uma vida anterior em que pertenciam ao sexo oposto. É freqüente as crianças vestirem roupas e até manifestar preferência por brincadeiras e outras atividades do outro sexo. Por vezes mesmo, as crianças recusam usar as roupas adequadas à sua sexualidade. Tenho conhecimento de dois casos que foram problemáticos, pela recusa, na escola, de usar as roupas adequadas à sua natureza.
Foi possível acompanhar algumas destas crianças até à idade adulta. A maioria acabou por se adaptar ao sexo anatômico, mas uma delas tornou-se intransigentemente homossexual.
Vários investigadores mostraram que o comportamento efeminado em rapazes é preditor, embora com exceções, da homossexualidade quando adulto. Zuger observou este comportamento efeminado em crianças demasiado novas para terem sido influenciadas pelos pais.
Uma geração anterior de psiquiatras culpou os pais pelo desenvolvimento da homossexualidade; mas as suas opiniões têm sido largamente desacreditadas por falta de provas consistentes. Mais recentemente têm sido estudados os fatores genéticos. Os estudos neuro-anatómicos mostraram a existência de uma anormalidade no hipotálamo de alguns homossexuais do sexo masculino, por comparação com heterossexuais do mesmo sexo, mas permanece a dúvida sobre se trata de causa ou efeito.
Os autores de uma revisão recente de literatura sobre a homossexualidade notaram que a sua origem parece ser multifactorial. É admissível que uma vida anterior, vivida no sexo oposto ao da actual, possa desencadear uma dada orientação sexual numa criança sem que, no entanto, venha a fixá-la permanentemente.
[center]
Ian Stevenson
Prof. Catedr. da Universidade de Charlottesville, Virgínia,
E. U. A.[/center]
[center]Notas[/center]
1. Fielding Hall, H. The Soul of a People. London: Macmillan, 1898.
2. Hearn L. Gleanings in Budha-fields. Boston: Houghton Mifflin, 1897.
3. Gupta L.D.. Sharma, N.R., Mathur T.C. An Inquiry into the case of Shanti Devi. Delhi; International Aryan League, 1936.
4. Sahay K.K.N. Reincarnation: verified cases of re-birthafter death. Bareilly, U.P.: N.I.Gupta, 1927.
5. Sunderlal R. B. S. Cas apparents de reminiscences de vies antérieures. Révue métaphychique. l924; 4; 302-307.
6. Stevenson I. The evidence for survival from claimed memories of former incarnations. J Am Soc Psychical Res 1960, 54: 57-71, 95-117.
7. Stevenson I. Twenty cases suggestive of reincarnation. 2nd rev. edn. Charlottesville: University Press of Virginia, 1974.
8. Stevenson I. Cultural patterns in casessuggestive of reincarnation among the Tlingit Indians of Southeastern Alaska. J Am Soc Psychical Res 1966, 60: 229-243.
9. Stevenson I. Cases of the reincarnation type. Vol I. Ten cases in India. Charlottesville: University Press of Virginia, 1975.
10. Stevenson I. Cases of the reincarnation type. Vol 2. Ten cases in Sri Lanka. Charlottesville: University Press of Virginia, 1977.
11. Stevenson I. Cases of the reincarnation type. Vol 3. Twelve cases in Lebanon and Turkey. Charlottesville: University Press of Virginia, 1980.
12. Stevenson I. Cases of the reincarnation type. Vol 4. Twelve cases in Thailand and Burma. Charlottesville: University Press of Virginia, 1983.
13. Stevenson I. Characteristics of cases of the reincarnation type among the Igbo of Nigeria. J Asian and African Studies 1986; 21: 204-216.
14. Stevenson I. American children who claim to remember previous lives. J nerv Ment Dis 1983; 171: 742-748.
15. Stevenson I. Children who remember previous lives. Vol 1. Charlottesville: University Press of Virginia, 1987.
16. Mills A. A replication study: three cases of children in northern India who are said to remember a previous life. J Sci Expl 1989, 3 (2): 133-184.
17. Mills A. A replication study: three cases of children in northern India who are said to remenber a previous life. J Sci Expl 1989, 3 (2): 133-184.
18. Pasricha S. Claims of reincarnation: na empirica/ study of cases in India. New Delhi. Harman Publishing House, 1990.
19. Pasricha S. Cases of reincarnation type in northern India with birthmarks and birth defects. J Sci Expl 1998; 12 (2): 259-293.
20. Keil J. New cases in Burma, Thailand, na Turkey: a limited field study replication of some aspects of Ian Stevenson research. J Sci Expl 1991; 5 ( I ): 27-59.
21. Keil J. Cases of the reincarnation type: na evaluation of some indirect evidence with examples of "silent cases". J Sci Expl 1996; 10 (4): 467-485.
22. Haraldson E. Children claiming past-life memories: four cases in Sri Lanka. J Sci Expl 1991; 5(2): 233-261.
23. Mills A, Haraldson E., Keil J. Replication studies of cases suggestive of reincarnation by three independent investigators. J Am Soc Psychical Res 1994, 88: 207-219.
24. Cook E., Pasricha S., Samararatne G., Win Maung, Stevenson I. a review na analysis of "unsolved" cases of the reincarnation type. Part II. J Am Soc Psychical Res 1983, 77: 115-135.
25. Pasricha S., Stevenson I. Indian cases of the reincarnation type two generations.
A sua Importância. Interpretações Possíveis.[/center]
[center]Parte I[/center]
Nos finais do século XIX (1, 2) e no início do século XX (3-5) só ocasionalmente se dava conta de relatos de crianças que afirmavam ter lembranças de vidas anteriores. Em 1960 publiquei uma análise de 44 casos que me chamaram a atenção. Provinham de várias fontes, sobretudo de livros e revistas (6). Considerei alguns como a evidência do que entendo ser um processo paranormal (de acesso à informação), como defino a possibilidade de as crianças mostrarem conhecimentos acerca da vida de uma pessoa já falecida, desconhecida da sua própria família, sem que estes conhecimentos, pelo menos aparentemente, tenham sido adquiridos através dos meios de comunicação correntes. Recomendei, na altura, que se fizesse um esforço para localizarem e investigar cuidadosamente novos casos idênticos.
Eu mesmo iniciei uma investigação sobre este assunto e publiquei os primeiros relatórios poucos anos mais tarde (7-8). Nos anos seguintes publiquei relatórios adicionais de casos investigados em alguns países (9-13). Na Ásia (Sul, Sudoeste e Oeste Asiático), na África (Oeste Africano), Brasil e na América do Norte (Noroeste Norte-Americano) encontram-se facilmente casos idênticos. Em todas estas áreas é forte a crença na reencarnação. Na Europa Ocidental e noutras zonas da América do Norte também ocorrem alguns, embora com menor freqüência, (14-15).
Nas décadas de 80 e 90 foram identificados por outros investigadores novos casos (16-23). Até 1995 havia cerca de 90 registros pormenorizados de casos deste tipo, selecionados de um número muito mais vasto já investigado – superior a 2500. Muitos deles foram exaustivamente analisados. As entrevistas são o principal método de investigação. São feitas amiudadamente com as pessoas diretamente relacionadas, quer da parte da criança quer do lado da pessoa falecida, se esta tiver ido identificada. Dá-se especial importância à verificação independente das afirmações feitas pela criança, mas também se investigam documentos diversos: certidões de óbito e outros, que se reproduzem sempre.
Na maioria dos casos (67% em 856 casos) conseguiu-se identificar a pessoa falecida e verificou-se que os pormenores da sua vida e morte correspondiam exatamente às afirmações da criança entrevistada (24). Consideramos estes casos como "resolvidos". Os restantes (33% dos referidos 856 casos), são classificados "casos por resolver". Há um pequeno número deles em que o renascimento se relacionava com mortes ocorridas na infância. Esta identificação faz-se com base em marcas de nascimento e sonhos, ainda que a criança analisada nunca se tenha referido a uma vida anterior (21). Todos os casos nestas condições foram designados por "casos silenciosos" e constituem cerca de 5% a 10% do total.
As características dos casos que ocorrem no mesmo grupo cultural são estáveis ao longo de uma ou duas gerações (25). A comparação de casos entre culturas diferentes revela existirem algumas características comuns que persistem regularmente. São elas as seguintes: a criança começa a falar da sua vida anterior em idade precoce (normalmente entre os 2 e os 4 anos de idade); deixa de falar nessa vida anterior muito cedo (entre os 5 e os 7 anos); há, nesses relatos infantis das suas vidas anteriores, elevada incidência de mortes violentas (76%). Outras características variam amplamente segundo a cultura em que vivem as crianças, como a lembrança de terem pertencido a outro sexo (13, 15).
Não se pode considerar significativo da existência de uma vida anterior nenhum caso que não tenha sido expurgado de todas as explicações possíveis. Destas, a mais importante é a da comunicação de informação, à criança, acerca da pessoa falecida, através dos meios correntes, sem que os próprios pais se apercebam (estas ocorrências são muito raras). A informação assim transmitida por meios correntes tem uma probabilidade razoável de acontecer ou, pelo menos, essa possibilidade não deve ser excluída sempre que o caso se relaciona com uma recordação associada a um membro da própria família ou da mesma localidade. Na maior parte destas situações as famílias associadas ao fenômeno viviam em localidades muito afastadas e os informadores (famílias da criança e da pessoa falecida) asseguraram aos investigadores que não se conheciam antes de se iniciar o estudo do caso. Lamentavelmente, o investigador não consegue, muitas vezes, chegar aos ambientes relacionados com um dado caso antes que as famílias se terem encontrado e partilhado as suas informações acerca do relato da criança e de os relacionar com as suas próprias memórias ou com todas as histórias acerca da pessoa falecida. Apesar de tudo, há uma pequena percentagem de casos em que o investigador consegue obter um relato escrito das afirmações da criança antes deste relacionamento poder concretiza-se (7, 9, 22). A comparação destas situações com aquelas em que o investigador só conseguiu obter informações depois de ter havido relacionamento das duas famílias mostrou, todavia, que não existem diferenças entre os dois grupos em tudo o que respeita à qualidade das afirmações.
A investigação já avançou até ao ponto em que a hipótese da existência de vidas anteriores oferece, pelo menos, uma interpretação plausível para muitos casos e, para outros, parece ser a mais consistente. Todavia, o presente artigo não foi orientado para o registro das evidências que comprovam tal hipótese. O leitor interessado nesse estudo e nos métodos de investigação adotados encontrará nas publicações citadas descrições pormenorizadas. A minha intenção foi a de sugerir o fato de a possibilidade da existência de uma vida anterior ter um poder significativo para diversos problemas ainda por resolver, tanto na Medicina como na Psicologia.
O fato de uma criança afirmar que se lembra de uma vida anterior é muito mais importante do que uma simples convicção da existência de vidas pretéritas, possa ou não ser comprovada. As crianças que o afirmam mostram, quase sempre, uma variedade de comportamentos que são pouco vulgares na família a que pertencem, mas que estão de acordo com as características da pessoa falecida de quem se recordam, tanto quanto foi possível registar ou inferir (nos casos resolvidos). Além disso, estas crianças apresentam características físicas notáveis – que correspondem a feridas ou a outros aspectos físicos da pessoa falecida de cuja vida ela parece lembrar-se.
Sabemos muito pouco acerca do número total de crianças que afirmam lembrar-se de vidas anteriores.
[center]Problemas por Resolver na Medicina que a Tese das Vidas Anteriores pode Esclarecer[/center]
Numa série de 387 pessoas que afirmavam lembrar-se de uma vida anterior havia 141, ou 36%, com fobias. Estas fobias estavam quase sempre de acordo com o tipo de morte ocorrido na vida anterior lembrada. Por exemplo: uma criança que afirmava lembrar-se de uma vida em que tinha morrido por afogamento, apresentava uma fobia à imersão na água; a lembrança de uma vida terminada com um tiro de uma arma de fogo, estava associada a uma fobia às armas. A maioria das fobias ocorriam em casos relacionados com mortes violentas, ainda que também se verificassem em situações de morte natural. A relação entre o grau de incidência das fobias e o tipo de morte é variável. Por exemplo, 30 em 47 pessoas (64%), que se lembravam de terem morrido afogadas tinham fobia à água, mas apenas 13, num grupo de 30 (43%) que se lembrava de terem morrido por causa de uma mordedura de uma cobra apresentavam fobias às cobras.
Verifiquei por vezes – embora não tenha estimativas exactas sobre esta particularidade – que uma criança manifestava uma fobia antes de se referir à sua vida anterior. Isto causava natural perplexidade aos pais até que a criança conseguisse dar uma explicação – normalmente o relato do modo como tinha morrido numa vida anterior. Em todos os casos os pais não conseguiam identificar nenhuma e experiência post-natal, nem sequer nenhum comportamento semelhante em qualquer membro da família que pudesse explicar a fobia.
Dada a grande incidência de fobias em crianças que afirmam lembrar-se de uma vida anterior parece razoável admitir que elas possam explicar algumas fobias mesmo nas crianças que não se lembram dessas vidas.
Menzies e Clarke estudaram, na Austrália, 50 casos clínicos de fobia infantil à água. Estes autores interrogaram os pais das crianças acerca da existência de alguma experiência ou modelo de aprendizagem que pudesse estar na base da fobia desenvolvida. Em 28 dos casos (56%) os pais não só não se recordavam de nenhum destes fatores como até afirmavam que a fobia se tinha revelado logo ao primeiro contacto da criança com a água. Admito, por isto, que estas fobias derivem de mortes por afogamento, ainda que as crianças não tenham revelado memória consciente dessas vidas.
[center]Filias da Infância[/center]
Muitas crianças que afirmam lembrar-se de uma vida anterior apresentam desejos – muitas vezes semelhantes ao craving – por uma substância tóxica ou por uma comida que era do particular agrado de uma pessoa já falecida e de quem a criança afirma lembrar-se. Várias destas crianças, que se lembram de vidas de alcoólicos, pediram bebidas alcoólicas ou beberam-nas às escondidas quando eram pequenas. Outras tentavam fumar ou fingiam fazê-lo.
[center]Brincadeiras Invulgares na Infância[/center]
Num grupo de 278 crianças, 66 (24%) adotaram brincadeiras pouco vulgares (estes dados não foram publicados). Estas brincadeiras eram mais freqüentemente relacionadas com a profissão da pessoa falecida de quem se lembravam. Alguns exemplos: uma criança que se lembrava de uma vida como condutor de veículos de tração animal brincava como se andasse a cavalo ou conduzisse uma carroça. Outra, que se recordava da vida de um médico, brincava aos médicos e usava um pauzinho como se fosse um termômetro. Outras ainda brincavam imitando diversas atividades não profissionais, como o jogo de contas (beads). E também havia crianças que davam às bonecas, ou a outros brinquedos, nomes que eram dos filhos da pessoa falecida de quem se lembravam. E também havia crianças que reproduziam, nas suas brincadeiras, a forma como morreram na suposta vida anterior. Em todos estes casos as famílias não forneceram quaisquer modelos para tais brincadeiras.
Admito assim que os interesses e objetivos manifestados precocemente por algumas pessoas, durante a infância e que não resultem de um estímulo anterior, encontrando mesmo oposição na família, possam ter origem em vidas passadas. Exemplos como este ocorreram na infância de George Frederick Handel (o compositor), Florence Nightingale (a fundadora da escola de enfermagem moderna), Elisabeth Fry (uma notável reformadora das prisões), Heinrich Schliemann (o descobridor de Tróia), Jean-François Champollion (o decifrador dos hieroglifos egípcios) e Michael Ventris (o decifrador do linear B). Desconheço se alguma destas pessoas se lembrava de uma vida anterior, mas a precocidade e intensidade da sua persistente vontade de atingir metas pouco vulgares não encontra explicação normal nas suas histórias genéticas ou familiares.
[center]Homossexualidade[/center]
Numerosas crianças lembram-se de uma vida anterior em que pertenciam ao sexo oposto. É freqüente as crianças vestirem roupas e até manifestar preferência por brincadeiras e outras atividades do outro sexo. Por vezes mesmo, as crianças recusam usar as roupas adequadas à sua sexualidade. Tenho conhecimento de dois casos que foram problemáticos, pela recusa, na escola, de usar as roupas adequadas à sua natureza.
Foi possível acompanhar algumas destas crianças até à idade adulta. A maioria acabou por se adaptar ao sexo anatômico, mas uma delas tornou-se intransigentemente homossexual.
Vários investigadores mostraram que o comportamento efeminado em rapazes é preditor, embora com exceções, da homossexualidade quando adulto. Zuger observou este comportamento efeminado em crianças demasiado novas para terem sido influenciadas pelos pais.
Uma geração anterior de psiquiatras culpou os pais pelo desenvolvimento da homossexualidade; mas as suas opiniões têm sido largamente desacreditadas por falta de provas consistentes. Mais recentemente têm sido estudados os fatores genéticos. Os estudos neuro-anatómicos mostraram a existência de uma anormalidade no hipotálamo de alguns homossexuais do sexo masculino, por comparação com heterossexuais do mesmo sexo, mas permanece a dúvida sobre se trata de causa ou efeito.
Os autores de uma revisão recente de literatura sobre a homossexualidade notaram que a sua origem parece ser multifactorial. É admissível que uma vida anterior, vivida no sexo oposto ao da actual, possa desencadear uma dada orientação sexual numa criança sem que, no entanto, venha a fixá-la permanentemente.
[center]
Ian Stevenson
Prof. Catedr. da Universidade de Charlottesville, Virgínia,
E. U. A.[/center]
[center]Notas[/center]
1. Fielding Hall, H. The Soul of a People. London: Macmillan, 1898.
2. Hearn L. Gleanings in Budha-fields. Boston: Houghton Mifflin, 1897.
3. Gupta L.D.. Sharma, N.R., Mathur T.C. An Inquiry into the case of Shanti Devi. Delhi; International Aryan League, 1936.
4. Sahay K.K.N. Reincarnation: verified cases of re-birthafter death. Bareilly, U.P.: N.I.Gupta, 1927.
5. Sunderlal R. B. S. Cas apparents de reminiscences de vies antérieures. Révue métaphychique. l924; 4; 302-307.
6. Stevenson I. The evidence for survival from claimed memories of former incarnations. J Am Soc Psychical Res 1960, 54: 57-71, 95-117.
7. Stevenson I. Twenty cases suggestive of reincarnation. 2nd rev. edn. Charlottesville: University Press of Virginia, 1974.
8. Stevenson I. Cultural patterns in casessuggestive of reincarnation among the Tlingit Indians of Southeastern Alaska. J Am Soc Psychical Res 1966, 60: 229-243.
9. Stevenson I. Cases of the reincarnation type. Vol I. Ten cases in India. Charlottesville: University Press of Virginia, 1975.
10. Stevenson I. Cases of the reincarnation type. Vol 2. Ten cases in Sri Lanka. Charlottesville: University Press of Virginia, 1977.
11. Stevenson I. Cases of the reincarnation type. Vol 3. Twelve cases in Lebanon and Turkey. Charlottesville: University Press of Virginia, 1980.
12. Stevenson I. Cases of the reincarnation type. Vol 4. Twelve cases in Thailand and Burma. Charlottesville: University Press of Virginia, 1983.
13. Stevenson I. Characteristics of cases of the reincarnation type among the Igbo of Nigeria. J Asian and African Studies 1986; 21: 204-216.
14. Stevenson I. American children who claim to remember previous lives. J nerv Ment Dis 1983; 171: 742-748.
15. Stevenson I. Children who remember previous lives. Vol 1. Charlottesville: University Press of Virginia, 1987.
16. Mills A. A replication study: three cases of children in northern India who are said to remember a previous life. J Sci Expl 1989, 3 (2): 133-184.
17. Mills A. A replication study: three cases of children in northern India who are said to remenber a previous life. J Sci Expl 1989, 3 (2): 133-184.
18. Pasricha S. Claims of reincarnation: na empirica/ study of cases in India. New Delhi. Harman Publishing House, 1990.
19. Pasricha S. Cases of reincarnation type in northern India with birthmarks and birth defects. J Sci Expl 1998; 12 (2): 259-293.
20. Keil J. New cases in Burma, Thailand, na Turkey: a limited field study replication of some aspects of Ian Stevenson research. J Sci Expl 1991; 5 ( I ): 27-59.
21. Keil J. Cases of the reincarnation type: na evaluation of some indirect evidence with examples of "silent cases". J Sci Expl 1996; 10 (4): 467-485.
22. Haraldson E. Children claiming past-life memories: four cases in Sri Lanka. J Sci Expl 1991; 5(2): 233-261.
23. Mills A, Haraldson E., Keil J. Replication studies of cases suggestive of reincarnation by three independent investigators. J Am Soc Psychical Res 1994, 88: 207-219.
24. Cook E., Pasricha S., Samararatne G., Win Maung, Stevenson I. a review na analysis of "unsolved" cases of the reincarnation type. Part II. J Am Soc Psychical Res 1983, 77: 115-135.
25. Pasricha S., Stevenson I. Indian cases of the reincarnation type two generations.