Um Deus no desenprego?
Enviado: 06 Jun 2006, 15:48
Achei interessante... um site da Igreja Presbiteriana colando um texto de um frade Católico...
Achei o texto bonzito
http://www.igreja-presbiteriana.org/Doc ... Bento1.htm
Achei o texto bonzito
Um Deus no desemprego ?
Frei Bento Domingues
in: PÚBLICO - Domingo, 18 de Fevereiro de 1996 - Espaço Público
1. Deus deixou de ser útil. Já não é um princípio de explicação do mundo, o fundamento da exigência moral, o cimento das comunidades humanas. Se o desemprego cresce na Europa, a julgar pelos índices da prática religiosa das Igrejas protestantes e católicas, também Deus tem cada vez menos que fazer. Nota-se sobretudo nos países mais caracterizados pela modernização e nos sectores da sociedade por ela mais influenciados ou que nela participam mais activamente, especialmente nos jovens que fizeram cursos superiores e exercem uma profissão correspondente. A fé só parece relevante nos países mais arcaicos e nos sectores tradicionais da agricultura e do comércio, isto é, naqueles que não participam na modernização e para as pessoas que não fizeram estudos superiores, mulheres e idosos. A lei parece ser esta: à medida que a modernização ou a racionalização avança, a crença em Deus perde terreno.
Para alguns investigadores do fenómeno religioso, essa teoria da modernização vem substituir a ideia de secularização. Esta última não é puramente descritiva e envolve demasiadas conotações eclesiásticas e normativas. Nos inquéritos, ao perguntar a alguém se acredita em Deus, na vida depois da morte, na existência do céu, do purgatório, do Diabo, dos milagres, em Adão e Eva, etc., não se vai além do universo das expressões religiosas ortodoxas. As perguntas ficam colonizadas pelas expressões dogmáticas das Igrejas e criam a ilusão de esgotar assim todo o universo religioso. Deste modo, mede-se apenas a temperatura da maior ou menor aceitação das noções dos catecismos e não aquilo em que as pessoas realmente crêem.
Johannes A. Van der Ven, um investigador do Instituto de Estudos de Teologia Empírica da Universidade de Nimega, apresentou, em Agosto do ano passado, no Colóquio de Teologia Prática de Montreal, uma comunicação - "Deus na cidade" - onde abordou estas questões de forma bastante original. Para ele, a teoria da modernização tem a vantagem de situar a crença em Deus num quadro social mais amplo, isto é, no ambiente económico, social, político, cultural e psicológico. Mas na hora da verdade, de todos os factores invocados para explicar o enfraquecimento da crença em Deus, só um deles pode ser verificável, a idade: quanto mais jovem, menos crente. Nenhum dos outros resiste aos resultados da pesquisa empírica. Além disso, um dos países mais modernizados do mundo, os Estados Unidos, é, de modo geral, muito mais crente do que os países da Europa do Norte-Oeste.
A teoria da modernização deixa de fora as grandes variações da religião na sociedade, porque elas não se encontram onde as procura.
2. É certo que se pode verificar uma linha descendente a respeito da crença em Deus, pelo menos no que se refere à crença num Deus pessoal. Muitos investigadores, entre os quais os teólogos, interpretam esse fenómeno como um sinal de secularização ou de modernização da sociedade. E ficam-se por aí. Mas esquecem que existem e se desenvolvem na sociedade outras formas de crença em Deus e de religião não catalogadas nos inquéritos. Por exemplo, a crença num Deus como energia ou força superior e a crença panteísta em Deus como unidade holística de tudo o que existe, conta em alguns países muito mais adeptos do que as seitas. Tanto este deísmo como este panteísmo não se estão a apagar. Encontram-se, pelo contrário, em linha ascendente.
Esta situação não consola os pastores. Para eles, a ruína da fé não se encontra só na diminuição da crença num Deus pessoal, mas também nesta subida da crença deísta e panteísta.
3. Mas importa perguntar: donde vem e que significa esta linha ascendente do deísmo e do panteísmo?
O referido investigador de Nimega recorre à noção de sistema - dialecticamente aberto e fechado - e à noção de diferenciação funcional para introduzir algumas questões: qual é a função do sistema religioso, quais são os seus códigos e que relações mantém com os outros sistemas?
A função da religião consiste em fazer com que a incapacidade de encontrar um fundamento para a sociedade actual e para os seus sistemas internos se torne um assunto de que se pode falar livremente. A religião fornece os ritos e os mitos com os quais a contingência da existência e o arranjo dos sistemas (económicos, sociais, políticos, etc.) podem exprimir-se na sua própria contingência. E isto acontece sem que tanto o acaso, o aleatório e a finalidade dos vários sistemas, como o funcionamento das pessoas no seu interior, sejam destruídos. Se a contingência fosse superada, a religião desapareceria. Só que desapareceria também a contingência, o que é impossível. Por mais perfeitamente que os sistemas se desenvolvam, surgem sempre acontecimentos que - nas palavras de Dewey -levam à experiência de "destino e fortuna", de "acaso e providência". Ao tornar-se consciente e expressa, a contingência global dos sistemas manifesta que o mundo possível - não necessário, mas com sentido - está ligado a um mistério de transcendência. Mas a transcendência simbolizada nos ritos e nos mitos, só em conjugação com os outros sistemas, pode ser, para eles, fundamento, base e fonte de sentido.
O código binário primordial do sistema religioso é transcendência/imanência. Do ponto de vista teológico, podíamos expressá-lo pela relação: Deus-ser humano, Deus-sociedade, Deus-natureza, Deus-mundo. Mas se os processos imanentes dos sistemas são colocados na perspectiva da transcendência, como fazer a ligação entre o sistema religioso e os outros?
Há vários códigos secundários disponíveis na história das diferentes religiões: pecado/redenção, alienação/libertação, condenação/eleição, louco/sábio, mancha/purificação, etc. Por meio destes códigos, certos processos, acontecimentos e acções são interpretados de forma positiva ou negativa nos diversos sistemas.
Aqui surge uma pergunta inevitável e que precisa de outro artigo para ser equacionada: quais são as consequências para o sistema religioso da autonomia crescente dos outros sistemas (económicos, sociais, políticos, culturais, etc.)? Não tenderá a autonomia progressiva desses outros sistemas a ameaçar a sua ligação com o sistema religioso? Será que o código fundamental com que a transcendência é expressa e os códigos secundários ainda continuam a funcionar na atmosfera pluricultural do nosso tempo?
Em vez de trabalhar com preconceitos, é preferível abrir os olhos para o que está a acontecer de novo. As múltiplas experiências e concepções religiosas que se desenvolvem onde menos se esperava não são aberrações diabólicas. As pessoas procuram ser felizes num mundo uno e múltiplo. Se a Igreja escutar as pessoas que sobretudo buscam ser felizes, não lhes oferecerá uma salvação em que elas se sintam perdidas.
http://www.igreja-presbiteriana.org/Doc ... Bento1.htm