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Aposentadoria no Brasil - menos de 2 ativos por aposentado

Enviado: 13 Jun 2006, 17:50
por Fernando Silva
Rio, 13 de junho de 2006 "O Globo"

55 anos à frente do Reino Unido

ALI KAMEL

Tenho recebido e-mails contra o fator previdenciário, mecanismo criado
em 1999 segundo o qual a pessoa terá uma aposentadoria tanto menor
quanto mais jovem ela for e quanto maior a expectativa de vida do
brasileiro medida anualmente pelo IBGE. A idéia é desestimular a
aposentadoria precoce. Muitos dizem que, tendo começado a trabalhar
cedo, esperavam se aposentar com o valor cheio da aposentadoria aos 35
anos de contribuição, mas descobriram que o valor seria bem inferior em
função da idade. Um leitor, trabalhador sério e aplicado, começou a
trabalhar aos 15 anos, contribuiu por 35 anos e esperava se aposentar
aos 50, ?tendo mais tempo para gozar a vida?. Ficou perplexo ao saber
que teria de trabalhar muitos anos mais para que tivesse direito a
receber o valor que julgava de direito seu agora. Por essa razão, pediu
um artigo meu defendendo um projeto do Senado que extingue o fator
previdenciário.

Não farei isso porque defendo algo ainda mais duro: o estabelecimento de
uma idade mínima para aposentadoria, coisa que até agora o Congresso não
aprovou. O futuro do nosso país depende disso.

Nenhum brasileiro em particular tem culpa da situação em que vive o
país, e é compreensível que muitos se sintam revoltados ao verem adiados
planos acalentados durante anos. Mas não há alternativa. As despesas com
as aposentadorias do INSS e do setor público consomem cerca de 56% de
todos os gastos não-financeiros do governo. Assim, tirando gastos como
salários de funcionários, saúde e assistência social, sobram apenas 8,1%
para todas as outras despesas, como educação, reforma agrária,
agricultura, militares, segurança etc. Para investimentos, que são as
obras em infra-estrutura necessárias para que o Brasil cresça e gere
emprego, restam apenas minguados 2,9%, um nada, o que nos deixa com os
mesmo gargalos: portos ruins, estradas péssimas, ausência de ferrovias,
problemas na ampliação da geração de energia e tanto mais.

A reação imediata é a indagação: e por que os aposentados é que têm de
pagar a conta? Não têm, porque com direito adquirido não se mexe. Quem
terá de pagar a conta somos nós, que, no momento, temos apenas a
expectativa de um direito e não o direito em si. Porque as distorções em
nossa previdência são muitas.

No Brasil, a maior parte do dinheiro pago em aposentadorias, 40%, vai
para pessoas com idade entre 40 e 60 anos; na Espanha, 45% do dinheiro,
também a maior parte, vão para aqueles acima de 70 anos. No Brasil, 50%
de todo o dinheiro pago em aposentadorias vão para pessoas que estão
entre os 10% mais ricos da população; na Espanha, os recursos são
distribuídos por todas as faixas de renda. Ou seja, no Brasil, grande
parte dos aposentados é jovem e está no topo superior da renda. O grande
responsável por esse descalabro são as aposentadorias do setor público.
Para atender a um milhão de funcionários públicos aposentados, o déficit
é de R$ 39,2 bilhões; para atender a 21,1 milhões de beneficiários do
setor privado, o déficit do INSS é de R$ 37,8 bilhões.

No setor público, uma emenda à Constituição conseguiu em 2003
estabelecer idades mínimas para a aposentadoria: 60 para homens e 55
para mulheres. Mas, no setor privado, ainda não há limites: o fator
previdenciário foi a fórmula, imperfeita, para retardar a aposentadoria.
Com ele, a idade conta mais do que o tempo de serviço: uma pessoa com 55
anos e 35 anos de contribuição pode ter uma aposentadoria menor do que
outra de 65 anos e 30 anos de contribuição. Antes do fator
previdenciário, a média de idade na hora da aposentadoria era de 54 para
homens e de 50 para mulheres. Agora, a situação melhorou, mas ainda é
muito ruim: é de 57 para homens e de 52 para mulheres.

A maior parte dos países enfrentou a questão estabelecendo idade mínima
ou aumentando o tempo de contribuição. Na Alemanha, Holanda, Suécia,
México e Peru, a idade mínima é de 65 anos; na Argentina, 65 para homens
e 60 para mulheres; na Colômbia e em Cuba, 60 para homens e 55 para
mulheres; na Noruega, 67 anos para ambos os sexos. Na França, em 2003, o
tempo mínimo de contribuição passou a ser de 40 anos (antes era de
36,5). E para estimular os franceses a adiar a aposentadoria, o governo
dá mais 3% por ano a mais trabalhado a todo aquele com 60 anos que já
pode se aposentar (até o limite de 65 anos). No Reino Unido, a idade
mínima é de 65 anos, para homens, e 60 para mulheres. O tempo mínimo de
contribuição é de 44 anos para homens e 39 para mulheres. Lá, o Estado
também garante apenas um benefício básico: 84,25 libras por semana para
uma pessoa sozinha ou 134,14 libras por semana para um casal. Para
manter o padrão de vida, os britânicos são estimulados a poupar durante
a vida ativa ou a contratar planos privados de aposentadoria.

Mesmo assim, temendo o colapso da previdência, Tony Blair mandou no mês
passado ao Parlamento um projeto propondo que a idade mínima seja de 65
anos para ambos os sexos em 2020 e, a partir daí, vá subindo até atingir
68 anos em 2046. Tudo porque hoje existem quatro trabalhadores na ativa
para cada dois aposentados. Em 2050, os estudos mostram que, se nada for
feito, haverá dois trabalhadores na ativa para cada aposentado, o que
torna qualquer sistema inviável.

No Brasil, hoje, há um trabalhador e meio na ativa para cada aposentado
no INSS e um funcionário público trabalhando para cada funcionário
público aposentado. Nesse quesito, estamos 55 anos à frente do Reino
Unido. Estamos, portanto, mais quebrados hoje do que eles temem estar
daqui a mais de meio século.


Neste ano eleitoral, quero ver qual o candidato que tem coragem de
contar essa história aos brasileiros. E propor os remédios inadiáveis.

ALI KAMEL é jornalista. E-mail: ali.kamel@oglobo.com.br.