Página 1 de 1

Entrevista com marcola

Enviado: 19 Jun 2006, 20:55
por Steve
Amigos é estarrecedor.
> >>
> >> Jornal: O GLOBO
> >> Autor: .........
> >> Editoria: Segundo Caderno
> >> Tamanho: 1010 palavras
> >> Edição: 1 -Página: 8
> >> Coluna: Arnaldo Jabor
> >>
"Você é do PCC?"

- Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e
invisível... vocês nunca me olharam durante décadas... E antigamente era
mole resolver o problema da miséria... O diagnóstico era óbvio: migração
rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias... A solução
que nunca vinha... Que fizeram? Nada. O governo federal alguma vez alocou
uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou
nas
músicas românticas sobre a "beleza dos morros ao amanhecer", essas
coisas...
Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de
> >> medo... Nós somos o início tardio de vossa consciência social... Viu?
> >> Sou culto... Leio Dante na prisão...
> >>
> >> - Mas... a solução seria...
> >>
> >> - Solução? Não há mais solução, cara... A própria idéia de "solução" já
é
> >> um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio?
> >> Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução
como?
> >> Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um
> >> governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento
> >> econômico,
> >> revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a
batuta quase que de uma "tirania esclarecida", que pulasse por cima da
paralisia burocrática
> >> secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice (Ou você acha
que
> >> os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC...) e do
> >> Judiciário, que impede punições. Teria de haver uma reforma radical do
> >> processo penal do país, teria de haver comunicação e inteligência entre
> >> polícias municipais, estaduais e federais (nós fazemos até conference
> >> calls entre presídios...) E tudo isso custaria bilhões de dólares e
> >> implicaria
> >> numa mudança psicossocial profunda na estrutura política do país. Ou
> >> seja:
> >> é impossível. Não há solução.
> >>
> >> - Você não têm medo de morrer?
> >>
> >> - Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês
não
> >> podem entrar e me matar... mas eu posso mandar matar vocês lá
> >> fora... Nós somos homens-bomba. Na favela tem cem mil
> >> homens-bomba...Estamos no centro do Insolúvel, mesmo...
> >> Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única
> >> fronteira.
> >> Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de
vocês.
> >> A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do
> >> coração... A morte para nós é o presunto diário, desovado numa
> >> vala...Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em "seja
> >> marginal,
> >> seja herói"?
> >>
> >> Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha... Vocês nunca esperavam esses
> >> guerreiros do pó, né? Eu sou inteligente.
> >> Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante... mas meus soldados todos são
> >> estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país.
> >> Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira
> >> coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto
> >> analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien
escondido
> >> nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem.
> >> Vocês não ouvem as gravações feitas "com autorização da Justiça"? Pois
é.
> >> É outra língua.
> >> Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera
> >> uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites,
> >> celulares,
> >> internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus
> >> comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande
> >> erro sujo.
> >>
> >> - O que mudou nas periferias?
> >>
> >> - Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$40 milhões como o
> >> Beira-Mar não manda?
> >> Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório... Qual a polícia que
> >> vai queimar essa mina de ouro, tá ligado?
> >> Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido
e
> >> jogado no "microondas"... ha, ha...
> >> Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos
> >> métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos.
> >> Nós lutamos em terreno próprio. Vocês, em terra estranha.Nós não
tememos
> >> a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem armados.
> >> Vocês vão de três-oitão. Nós estamos no ataque. Vocês, na defesa. Vocês
> >> têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade.
> >> Vocês nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês de
> >> palhaços. Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou
por
> >> amor. Vocês são odiados.Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas
e
> >> produto vêm de fora, somos globais.
> >> Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem
> >> assim que passa o surto de violência.
> >>
> >> - Mas o que devemos fazer?
> >>
> >> - Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó!
> >> Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai
> >> nas paradas de cocaína e armas.
> >> Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não tem dinheiro
nem
> >> para o rancho dos recrutas...
> >> O país está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao
ano,
> >> e o Lula ainda aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas.
> >> O Exército vai lutar contra o PCC e o CV? Estou lendo o Klausewitz,
> >> "Sobre a guerra". Não há perspectiva de êxito... Nós somos formigas
> >> devoradoras, escondidas nas brechas... A gente já tem até foguete
> >> antitanques... Se bobear, vão rolar uns Stingers aí...
> >> Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas... Aliás,
a
> >> gente acaba arranjando também "umazinha", daquelas bombas sujas
mesmo...
> >> Já pensou? Ipanema radioativa?
> >>
> >> - Mas... não haveria solução?
> >>
> >> - Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a
> >> "normalidade". Não há mais normalidade alguma.
> >> Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência. Mas vou
> >> ser franco... na boa... na moral... Estamos todos no centro do
Insolúvel.
> >> Só que nós vivemos dele e vocês... não têm saída. Só a merda. E nós já
> >> trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução.
> >> Sabem por quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema.
> >> Como escreveu o divino Dante: "Lasciate ogni speranza voi che entrate!"
> >> Percam todas as esperanças.
> >> Estamos todos no inferno.
>

Re.: Entrevista com marcola

Enviado: 19 Jun 2006, 21:55
por Nospheratu
CARALHO!!
Impressionante!

Me impressiona o nível culto dele, e o cara falou umas verdades incríveis.
Estou sem palavras...