Quem são realmente os sem-terra?
Enviado: 22 Jun 2006, 16:48
"O Globo" 20/06/2006
Balaio de gatos
Oprocesso da reforma agrária brasileira virou uma rosca sem-fim: quanto mais assentamentos se realizam piora a confusão fundiária. Haverá final nessa encrenca?
Os malucos do MLST depredaram a Câmara dos Deputados solicitando acelerar a reforma agrária. Inadmissível o vandalismo. Fica, porém, a dúvida, de que tarda a justiça no campo.
Noves fora a política, os números desmentem, cabalmente, os céticos. Até o fim do ano estarão assentadas em projetos de reforma agrária, desde a redemocratização do país, cerca de 900 mil famílias. Descontando a maquiagem oficial. Para comparação, existem em São Paulo 250 mil agricultores.
Foram distribuídos cerca de 40 milhões de hectares. Uma vastidão. Basta saber que a área cultivada com grãos no Brasil deverá atingir 45 milhões de hectares na próxima safra.
Afirmar que o Brasil não faz reforma agrária é um bordão mentiroso. Serve ao proselitismo, não ao conhecimento objetivo. Nenhuma nação realizou, pela via democrática, tamanha distribuição fundiária. O problema da reforma agrária brasileira, com certeza, não é de quantidade, mas sim de qualidade.
Qualquer governo que se pautasse pelo planejamento racional preferiria consolidar os assentamentos existentes, verdadeiras favelas rurais, que avançar nas desapropriações. Sendo correto, como então resolver o drama dos acampados?
A resposta é decepcionante: basta selecioná-los para descobrir que, na grande maioria, constituem-se de falsos sem-terra. A solução para eles está no emprego, não na terra. Gente desocupada, trabalhadores urbanos desiludidos, excluídos sociais misturados com oportunistas: assim se recrutam os invasores de terras.
Os alojamentos à beira das estradas representam, afora as exceções, uma farsa. Simplesmente não é verdade que exista um milhão de pessoas acampadas. Quem conhece esse jogo da miséria humana sabe que as listas têm mais gente que os barracos. Primeiro, prometem-se cestas básicas, depois, quem sabe, a terrinha boa. Chove inscrição.
Em 1985, já terminada a ditadura militar, o governo Sarney patrocinou a elaboração de um plano fundiário. Seus idealizadores calcularam que havia entre 6 e 7 milhões de “beneficiários potenciais” da reforma agrária. Quem eram?
Uma miscelânea de gente. Para começar, somava os 2 milhões de pequenos agricultores, chamados minifundiários. Depois, agregava os parceiros, os arrendatários e os posseiros, um total de 1,5 milhão de produtores “precários”. Por fim, adicionava dois terços dos assalariados rurais do país. Esse balaio-de gatos, ajuntando categorias rurais diferentes, produziu uma excrescência teórica.
Quanto aos assalariados rurais, certamente podem ser considerados sem-terra, pois vivem da força de trabalho. Imaginar que devessem ser produtores autônomos significa voltar à Idade Média. Afinal, inexiste capitalismo sem assalariados.
Suponha, porém, que tal proposta fosse adiante. Com o avanço da eventual reforma, a subtração de mão-de-obra enxugaria a oferta de trabalho, elevando os salários. Logo se tornaria mais atraente permanecer assalariado que se aventurar na lide da produção rural. Afinal, não é errado, nem feio, ser operário.
O site do MST afirma existirem 4,8 milhões de sem-terra. Ninguém sabe direito como isso foi calculado. Representa quase o triplo dos assalariados temporários rurais no país. E, ao contrário do desemprego, há falta de mão-de-obra no campo para certas atividades, principalmente de colheita. Certo ou errado, pouca gente quer hoje trabalhar na roça. Morar, então, nem pensar.
Conclusão: é impossível calcular a quantidade de pessoas que deveriam ser assentadas no campo. Quer dizer, é indefinido o número de sem-terra existente no país. Qualquer estimativa será chutada. E pode conter você!
Por incrível que pareça, no teatro do absurdo em que se transformou a questão agrária brasileira, os verdadeiros sem-terra representam a minoria. Pior. Servem de massa de manobra, pobres coitados, para os revolucionários de araque.
XICO GRAZIANO é deputado federal (PSDB-SP). E-mail: xicograziano@terra.com.br.
Balaio de gatos
Oprocesso da reforma agrária brasileira virou uma rosca sem-fim: quanto mais assentamentos se realizam piora a confusão fundiária. Haverá final nessa encrenca?
Os malucos do MLST depredaram a Câmara dos Deputados solicitando acelerar a reforma agrária. Inadmissível o vandalismo. Fica, porém, a dúvida, de que tarda a justiça no campo.
Noves fora a política, os números desmentem, cabalmente, os céticos. Até o fim do ano estarão assentadas em projetos de reforma agrária, desde a redemocratização do país, cerca de 900 mil famílias. Descontando a maquiagem oficial. Para comparação, existem em São Paulo 250 mil agricultores.
Foram distribuídos cerca de 40 milhões de hectares. Uma vastidão. Basta saber que a área cultivada com grãos no Brasil deverá atingir 45 milhões de hectares na próxima safra.
Afirmar que o Brasil não faz reforma agrária é um bordão mentiroso. Serve ao proselitismo, não ao conhecimento objetivo. Nenhuma nação realizou, pela via democrática, tamanha distribuição fundiária. O problema da reforma agrária brasileira, com certeza, não é de quantidade, mas sim de qualidade.
Qualquer governo que se pautasse pelo planejamento racional preferiria consolidar os assentamentos existentes, verdadeiras favelas rurais, que avançar nas desapropriações. Sendo correto, como então resolver o drama dos acampados?
A resposta é decepcionante: basta selecioná-los para descobrir que, na grande maioria, constituem-se de falsos sem-terra. A solução para eles está no emprego, não na terra. Gente desocupada, trabalhadores urbanos desiludidos, excluídos sociais misturados com oportunistas: assim se recrutam os invasores de terras.
Os alojamentos à beira das estradas representam, afora as exceções, uma farsa. Simplesmente não é verdade que exista um milhão de pessoas acampadas. Quem conhece esse jogo da miséria humana sabe que as listas têm mais gente que os barracos. Primeiro, prometem-se cestas básicas, depois, quem sabe, a terrinha boa. Chove inscrição.
Em 1985, já terminada a ditadura militar, o governo Sarney patrocinou a elaboração de um plano fundiário. Seus idealizadores calcularam que havia entre 6 e 7 milhões de “beneficiários potenciais” da reforma agrária. Quem eram?
Uma miscelânea de gente. Para começar, somava os 2 milhões de pequenos agricultores, chamados minifundiários. Depois, agregava os parceiros, os arrendatários e os posseiros, um total de 1,5 milhão de produtores “precários”. Por fim, adicionava dois terços dos assalariados rurais do país. Esse balaio-de gatos, ajuntando categorias rurais diferentes, produziu uma excrescência teórica.
Quanto aos assalariados rurais, certamente podem ser considerados sem-terra, pois vivem da força de trabalho. Imaginar que devessem ser produtores autônomos significa voltar à Idade Média. Afinal, inexiste capitalismo sem assalariados.
Suponha, porém, que tal proposta fosse adiante. Com o avanço da eventual reforma, a subtração de mão-de-obra enxugaria a oferta de trabalho, elevando os salários. Logo se tornaria mais atraente permanecer assalariado que se aventurar na lide da produção rural. Afinal, não é errado, nem feio, ser operário.
O site do MST afirma existirem 4,8 milhões de sem-terra. Ninguém sabe direito como isso foi calculado. Representa quase o triplo dos assalariados temporários rurais no país. E, ao contrário do desemprego, há falta de mão-de-obra no campo para certas atividades, principalmente de colheita. Certo ou errado, pouca gente quer hoje trabalhar na roça. Morar, então, nem pensar.
Conclusão: é impossível calcular a quantidade de pessoas que deveriam ser assentadas no campo. Quer dizer, é indefinido o número de sem-terra existente no país. Qualquer estimativa será chutada. E pode conter você!
Por incrível que pareça, no teatro do absurdo em que se transformou a questão agrária brasileira, os verdadeiros sem-terra representam a minoria. Pior. Servem de massa de manobra, pobres coitados, para os revolucionários de araque.
XICO GRAZIANO é deputado federal (PSDB-SP). E-mail: xicograziano@terra.com.br.