Homem primata
Sidarta Ribeiro
Chimpanzés trágicos. Babuínos dóceis. Exemplos de cultura entre primatas
não-humanos revelam dramas e virtudes do Homo sapiens
Somos um bando de símios confusos trombando uns nos outros. Com honrosas exceções, passamos o longo instante da existência imersos em fofocas banais e conflitos lamentáveis. Aspiramos ideais de conduta elevadíssimos, esquecendo-nos de que 99% de nossos genes são idênticos aos dos chimpanzés (Nature, 437:69, 2005). Aliás, até 6 milhões de anos atrás éramos a mesma espécie (Nature, 441:315, 2006). Nada mais somos do que feras que se querem anjos, macacos movidos a toneladas de pulsões e algum verniz de civilização. Boa parte da tragédia planetária em curso decorre da organização social de nossa condição primata. As engrenagens do capitalismo selvagem são movidas pelo instinto selecionado ao longo de milênios: primeiro eu, depois os meus, aos outros nada.
Ou pior. Documentando o comportamento de chimpanzés selvagens, Jane Goodall demonstrou que as interações sociais de nossos primos peludos são tão dramáticas e trágicas quanto as peças de Shakespeare. Abundam Leares, Brutus e Ricardos III nos recessos da floresta equatorial africana, cenário de inacreditáveis golpes de estado, linchamentos, eliminação de linhas sucessórias bastardas e coro compungido de carpideiras.
Se é forçoso admitir que compartilhamos a brutalidade com os símios, também é verdade que traços benignos nos aproximam. Décadas de pesquisa de campo permitiram a Goodall e colaboradores demonstrar que chimpanzés têm cultura, isto é, variantes geográficas de comportamentos aprendidos pelos mais novos com base no exemplo dos mais velhos (Nature, 399:682, 1999). Mesmo em macacos bem distantes do Homo sapiens encontramos comportamentos cooperativos surpreendentes. Macacos-verdes africanos aprendem um sistema de alarmes vocais contra diferentes tipos de predadores (Science, 210:801, 1980). Guenons usam combinações vocais para criar complexidade semântica na comunicação grupal (Nature, 441:303, 2006). Mas vem dos beligerantes babuínos o exemplo mais claro de que a paz também é natural.
O estudo foi realizado pelo etólogo Robert Sapolsky com base em uma situação fortuita na reserva masai Mara, Quênia (PLoS Biol, 2:E106, 2004). Um grupo particularmente agressivo de babuínos havia monopolizado um depósito de lixo, utilizando-o como fonte de alimento e impedindo o acesso de machos menos violentos. Quando uma epidemia de tuberculose praticamente dizimou os machos dominantes, a liderança do grupo passou a fêmeas e machos calmos. Jovens babuínos criados nessa situação cresceram sem exemplos de hostilidade e com abundância de fêmeas, desenvolvendo comportamentos gentis que foram transmitidos de geração a geração. Para confirmar o surgimento de uma cultura pacífica entre babuínos, Sapolsky introduziu no grupo machos adolescentes de outras regiões. Verificou que os forasteiros também foram bem tratados pelas fêmeas, e que eles logo adotaram o padrão relaxado de comportamento. Nossa salvação não implica sermos menos símios, mas o tipo certo de símio.
SIDARTA RIBEIRO é Ph.D. em neurobiologia pela Universidade Rockefeller e pesquisador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN). Fez pós-doutorado na Universidade Duke (2000-2005) investigando as bases moleculares e celulares do papel do sono e dos sonhos no aprendizado.
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*Deus deixou seu único filho morrer pendurado numa cruz, imagine o que ele fará com você.
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