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Preocupações sobre a acupuntura

Enviado: 03 Jul 2006, 01:26
por Dante, the Wicked
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ROBERTO ROMANO DA SILVA escreveu:Preocupações sobre a acupuntura

Há um debate nacional sobre o emprego da acupuntura por não médicos. As ordens do Ministério da Saúde foram contestadas por defensores do setor especializado em medicina. Antes de expressar meu juízo - sempre passível de revisão, pois tratamos aqui de matéria delicada em termos éticos - lembro que este campo do saber humano integra o rol dos que unem ciência, técnica e arte. Suas fronteiras são amplas e se conectam com mundos que, hoje distantes, há poucos séculos uniam-se plenamente. Basta consultar os textos de Leonardo da Vinci, de Vesalius (leia-se a bela edição brasileira: “De Humani Corporis Fabrica”, Unicamp e IMESP) e de outros, para perceber que na Renascença os interesses da pintura e da escultura, além da engenharia, vinculavam-se às buscas médicas. Fora deixado para trás a triste situação acadêmica na qual os catedráticos de medicina apenas citavam textos sagrados da tradição hipocrática e galênica, sem praticar sobre a matéria nos laboratórios e nas salas de experimentação. Mas os limites da medicina com os demais prismas do conhecimento e da prática social são tênues. Eles podem ser ampliados - legitima ou ilegitimamente - para além do controlável pelo Estado democrático de direito.

Exageros para atenuar semelhante status quo foram cometidos na modernidade. Diderot, por exemplo, humanista e dedicado aos estudos médicos, defendeu o uso de pessoas vivas - as já condenadas à pena capital - para pesquisas realistas. Seria mais profícuo tal procedimento, pensava ele, mais eficaz do que o efetivado em falecidos. E do ponto de vista moral, o condenado à morte, além de pagar negativamente sua dívida para a sociedade, contribuiria positivamente para a saúde e bem estar coletivo. Tal recomendação tem sua origem longinqüa em Francis Bacon, o pai do método experimental. Mesmo Claude Bernard apresentou um retrato do cientista pesquisador em letras sombrias: “o fisiologista não é um homem do mundo, mas um sábio, pois é tolhido e absorto por uma idéia científica a qual persegue; ele não ouve os gritos dos animais, não enxerga o sangue que escoa, porque só vê a sua idéia e só percebe os organismos que lhe escondem os problemas que deseja descobrir”. Examinei esses pontos em meu livro “Moral e Ciência, a monstruosidade no século XVIII” (São Paulo, Senac, 2003).

Existiram exageros ainda na era das Luzes e no começo do século 20, médicos nos EUA e na Alemanha nazista lideraram o movimento criminoso da eugenia, conforme analisa Edwin Black em “A Guerra contra os pobres” (São Paulo, A Girafa Ed., 2003) e corpos foram usados com a desculpa da pesquisa científica. Justamente por tal motivo as precauções com as tentativas de cura, em nossos dias, deve ser redobrada. Além do conflito de interesses que marca boa parte das empreitadas mercadológicas, existe o fato de que os poderes públicos desejam extrair despesas do orçamento estatal, economizando recursos humanos e técnicos. O atual governo brasileiro não prima pelo respeito aos contribuintes em situação penosa. As filas dos idosos, exigidas por Berzoini, é mais do que prova. Custa muito caro formar bons médicos e pesquisadores. A mezinha dos governos é jogar a população nos braços de pessoas não formadas. Quem paga os custos reais dessa economia? O coletivo.

É por esse motivo que, no caso dos procedimentos alternativos de saúde, minha tendência é a de apoiar os médicos, contra o governo. Se na própria área do ensino universitário o Estado brasileiro não apenas suporta, mas incentiva, a criação de cursos médicos e jurídicos sem maiores cautelas, como supor que o exercício da acupuntura, da maiêutica e demais, serão fiscalizados o bastante? Os defensores dos procedimentos efetivados pelos não médicos, afirmam tratar-se de fornecer “melhor formação” aos práticos. Reafirmo: se no campo universitário a fiscalização é fragílima, como garantir que nas atividades agora sancionadas ela será eficaz? Neste plano, se o alvo do governo é mesmo o anunciado - e não economizar tostões em prejuízo dos contribuintes - a integração dos planos deveria ser gradual, segura, fiscalizada. E não abrupta como hoje testemunhamos. A formação requerida dos não médicos deve ser feita em setores especializados, sob controle médico e público, em tempo correto. Caso contrário, regredimos no tempo e na cultura, rumo à irresponsabilidade governamental pelos mais que previsíveis problemas de saúde pública no setor.

Em minha familia, usamos os cuidados da acupuntura, com enorme sucesso. Mas ela é aplicada por um médico brasileiro e chinês, professor da USP e formado na China (ele nada tem a ver com o Palácio dos Bandeirantes, garanto). Unir saberes do ocidente e do oriente é medida prudencial. Mas a correria do governo indica pouca prudência, e parco interesse na saúde real dos brasileiros, para dizer o mínimo.