Introdução ao Conceito de Psi
Leonardo Stern
Inter Psi / CENEP / COS / PUC-SP
lstern@pesquisapsi.comResumo
Neste texto é feita uma pequena reflexão sobre o uso do conceito de paranormal dentro do contexto científico avaliando seu significado, sua neutralidade e suas implicações teóricas. O termo psi é introduzido e proposto como subtituto mais adequada do termo paranormal para utilização em ambiente acadêmico-científico.
Sobrenatural
Uma vez que estamos avaliando o conceito de paranormal apenas do ponto de vista científico e que existem outras formas de conhecimento alternativas ao conhecimento científico que são igualmente válidas Dentre eles :
* O conhecimento popular é baseado nas experiências do dia-a-dia, experiências pessoais e relatos de pessoas próximas. Podemos saber, por e que veneno mata sem conhecermos os mecanismos envolvidos no processo de envenenamento. Isso não quer dizer que o conhecimento científico seja superior ao popular. É comum a indústria farmacêutica criar remédios baseados em ervas popularmente utilizados para combater determinada doença. Neste caso, podemos afirmar que o conhecimento popular estava à frente do científico;
* O conhecimento religioso é revelado por inspiração divina e é incontestável. Não podendo pode ser verificado cientificamente;
* O conhecimento filosófico se baseia na lógica e razão mas não pode ser verificado experimentalmente.
A ciência, por sua vez é definida por Ander-Egg como:
A ciência é um conjunto de conhecimentos racionais, certos ou prováveis, obtidos metodicamente sistematizados e verificáveis, que fazem referência a objetos de uma mesma natureza.
Isto é, não é obtido ao acaso, mas através de regras lógicas e procedimentos técnicos, é falível e verificável.
Percebemos, então, que todo campo de pesquisa científica deve definir o seu objeto de estudo de modo neutro e preciso eliminando qualquer tipo subjetividade que a definição possa conter.
É neste âmbito que analisaremos o conceito de paranormal. Antes de analisarmos o conceito propriamente dito, é necessário atentar para as incompatibilidades entre conceitos populares e conceitos científicos.
Na antiguidade, o ser humano não conhecia os mecanismos responsáveis por fenômenos naturais como a chuva, relâmpagos, vulcões, arco-íris, eclipses e uma infinidade de fenômenos eram frequentemente associados a divindades ou ao sobrenatural. Com o avanço da ciência a causa destes fenômenos passou a ser conhecida e o tratamento místico dado a eles perdeu o sentido, praticamente desaparecendo. Hoje chuvas, relâmpagos e vulcões são tratados como fenômenos corriqueiros e naturais.
Devemos então avaliar se os fenômenos paranormais são naturais e corriqueiros e se o conceito popular de paranormal apresenta as mesmas características das antigas mistificações de fenômenos naturais.
O termo sobrenatural na lingua portuguesa possui os seguintes significados (LUFT, 1995) :
1. Que está fora ou acima do natural, das leis naturais.
2. (Rel.) Que pertence ao campo da fé.
Percebemos, entào, que se os fenômenos forem sobrenaturais, não seguem as leis naturais ou necessitam de fé para serem percebidos, em ambos os casos não seriam fenômenos verificáveis cientificamente. Sendo assim, a ciencia não pode tratar de fenômenos sobrenaturais.
Se os fenômenos paranormais são sobrenaturais, a parapsicologia não é ciência !
Raridade e natureza do fenômeno
Se o fenômeno é raro ou anormal significa que esta característica está presente em poucas pessoas ou que ocorram raramente em muitas pessoas. Inicialmente pensamos que esta característica esta em acordo com a definição que queremos construir uma vez que desconsiderando a quantidade de charlatanismo que existe nesta área, o número de pessoas que supostamente movimentam objetos com o poder da mente, curam com um simples toque ou possuem o conhecimento do futuro e do passado representa uma parcela extremamente pequena ou nula da população.
Existe uma falha neste raciocínio. Estamos partindo de uma pré-definição do que sejam os fenômenos paranormais, estamos considerando que eles se resumem a eventos de grandes proporções e de fácil observação, como os citados acima. Talvez a falha seja provocada pela mídia, que costuma intensificar e colorir conceitos para torna-los mais interessantes e promover o sensacionalismo, o espetáculo ou pela nossa vontade de crer em algo mágico ou fantástico.
Torna-se complicado conceituar o fenômeno sem recorrer a nenhuma definição prévia do que sejam, para resolver este problema, assumiremos que estamos conceituando os fenômenos paranormais a partir da aceitaçao de algumas hipóteses como verdadeiras e, posteriormente, avaliaremos a auto-consistencia da definição e partirmos para alterações e refinamentos.
Esta conceituação inicial seria um esboço mental do que categorizaríamos como evento paranormal. Uma das primeiras imagens que me vem à cabeça são de que os eventos paranormais são constituídos por fenômenos mágicos ou sobrenaturais, forças desconhecidas ou ocultas, impressão que converge para a definição passada pela mídia e já criticada no texto.
Uma reflexão mais ponderada sobre o assunto nos leva a concluir que as palavras "mágico", "sobrenatural" e "oculto" são fruto da mistificação ou empolgação em relação ao assunto. O termo "desconhecido" substitui os termos criticados com muito mais propriedade e os dá uma roupagem muito mais sóbria , contida e flexivel.
Podemos então imaginar fenômenos paranormais simplesmente como fenômenos desconhecidos. Assuntos como matéria escura ou a antigravidade são tratados com grande controvérsia, sabe-se pouca coisa ou nada sobre seus supostos e sua existência é hipotética e controversa. Apesar de concordarem com a definição aqui exposta para fenômenos paranormais estes parecem não ser os fenômenos que buscamos estudar dentro da parapsicologia. A definição mostra-se incompleta.
Da mesma forma, cabe a ciência o papel de investigar os fenômenos paranormais. Se é a parapsicologia que estuda este fenômenos, ela deve utilizar das mesmas ferramentas que propiciaram o avanço da ciência até então : a observação e o método científico. Caso estas ferramentas venham a se mostrar inadequadas para a pesquisa do paranormal, elas devem ser adaptadas ao invés de descartadas pois se baseiam exclusivamente na lógica e na racionalidade e são frutos de séculos de desenvolvimento.
Devemos então nos preocupar em tratar os fenômenos paranormias dentro dos moldes da ciência convencional e para que nosso esboço inicial tenha qualquer utilidade necessitamos de algum refinamento pois sabemos que os fenômenos paranormais são fenômenos desconhecidos mas vimos também que nem todos os fenômenos desconhecidos se enquadram como fenômenos paranormais e a primeira exigência do método científico é definirmos com clareza o nosso objeto de estudo.
Avaliando os fenômenos que consideramos paranormais podemos perceber que estes sempre estão relacionados com a presença de algum ser vivo. Apesar de normalmente pensarmos em fenômenos paranormais causados por pessoas, muitos acreditam possuir animais com capacidades paranormais (BURTON, 1973). Deste modo é mais prudente definirmos os fenômenos paranormais da seguinte forma :
Interações desconhecidas envolvendo organismos e o meio. De fato, uma das definições para parapsicologia aceitas pela Parapsichological Association é "o estudo das SUPOSTAS novas formas de comunicação ou troca de influências entre os organismos e o meio".
Após uma breve reflexão sobre esta definição, vemos que esta não pressupõe características do fenômeno e está de acordo com nosso esboço. Não podemos afirmar se é uma nova forma de comunicação antes de estudar o assunto. O termo "supostas novas formas" traduz a situação de desconhecimento dos mecanismos enquanto afere a impressão inicial de que tais mecanismos são desconhecidos. Quanto à questão da definição impor a presença de seres vivos no processo, não há nenhum inconveniente nisto. Se há comunicação existe a presença de algum organismo vivo e, as influencias mencionadas não são do tipo que podem ser causadas por fenômenos abióticos.
Visto que não há nenhum problema com a definição, podemos utiliza-la sem nenhum prejuízo para o desenvolvimento da questão da anormalidade do fenômeno. A definição exposta consegue englobar todos exemplos de fenômenos "paranormais" citados anteriormente, mas engloba muitos outros eventos sutis que talvez passem desapercebidos como "paranormais" e agora são formalmente categorizados como tal.
Obviamente, é possível nos depararmos com situações onde a definição de fenômeno paranormal precise de novos refinamentos mas, é impossível prever todas estas situações apriorísticamente. Devemos, então seguir com nossa definição atual.
Justamente por incluir fenômenos sutis e por SUPORMOS ser uma nova forma de comunicação, esta área de estudos assume um papel investigativo. Sendo ou não um fenômeno paranormal legítimo, este estará dentro do campo de investigação da parapsicologia.
Voltando para a questão sobre a freqüência e normalidade destes eventos, devemos analisar todos os relatos que se enquadrem nesta definição. Percebemos que alguns fenômenos relatados não são tão raros assim. Alguns fatos comuns, relatados por grande parte da população atendem a esta definição e constituem-se *candidatos* a eventos paranormais. Entre eles: *saber* quando uma pessoa querida está ligando; querer falar com uma pessoa com quem não fala há muito tempo e perdeu o telefone e, LOGO DEPOIS, esta pessoa telefonar; oferecerem alguma coisa que você precisava muito, justamente na hora em que mais precisava e tinha vergonha de pedir. Tudo isto aparenta ser uma forma de comunicação desconhecida entre os seres mesmo que estes não tenham plena consciência de que ela esta ocorrendo. (SHELDRAKE, 2000)
Cabe ao investigador do paranormal estudar estes casos para avaliar se há fraudes, enganos ou não passam de coincidências ou casualidades. O pesquisador desta área é a pessoa mais indicada para avalia-los. Sendo genuínos ou não, estes fenômenos constituem-se como alvo de estudo da parapsicologia.
Não há qualquer parâmetro que determine que o fenômeno paranormal seja consciente ou aconteça por vontade dos entes participantes. Tais pressuposições derivam de imagens pré-concebidas do que seja "paranormal" e pré-definem características sobre os mecanismos destes fenômenos.
Poderíamos estender os exemplos citados para uma longa lista apenas parando para pensar em eventos desta natureza que ocorreram em nossa própria vida. Desta forma, se torna mais próprio que *inicialmente* consideremos os fenômenos paranormais como sendo comuns, não esquecendo que a investigação dos *supostos* fenômenos paranormais pode nos mostrar que eles são atípicos ou até mesmo inexistentes.
Neutralidade da definição.
Torna-se impróprio chamarmos esta classe de eventos de fenômenos paranormais justamente por se tratarem (a principio) de fenômenos habituais. Usaremos um termo mais neutro para designar tais fenômenos. Chamaremos tais fenômenos de fenômenos psi e, analogamente, o estudo destes fenômenos de pesquisa psi ou estudo do psi.
Antes de seguirmos adiante, é necessário desfazer um engano muito comum em relação ao uso da palavra psi quando presente no termo "pesquisa psi ". Um engano que aqui deve ser desfeito se refere ao uso da palavra psi. Psi normalmente é associado à palavra grega psique, que significa alma, tal uso foi adotado em "psicologia " (estudo da alma) e por extensão em "parapsicologia ". "Parapsicologia" não é um termo adequado para nomear o estudo dos fenômenos psi por pressupor alguma característica deste fenômeno. "Pesquisa psi" é um termo mais adequado e nele, o uso da letra &psi(psi), serve apenas para classificar um conjunto de fenômenos, tendo significado totalmente neutro tal como ocorre com a letra &pi (pi) usada na matemática para descrever a relação entre o comprimento e o diâmetro de um circulo, da letra &gamma (gama), na física, para designar um tipo de radiação ou o A, B , C ,D, ... que identifica as vitaminas.
Sendo um termo neutro, o psi está adequado a nomear a classe de eventos aqui tratados. Todas as *suposições iniciais* devem considerar o psi como fenômeno comum, natural portanto. Somente a investigação psi nos dará um posicionamento mais sólido quanto à natureza do mesmo (existem algumas discordâncias quanto à neutralidade do termo psi, entretanto uma vez exposta a nossa intenção de uso do termo como neutro torna-se desnecessária qualquer discussão mais aprofundada sobre o assunto). Percebemos então que o tratamento popular dado aos chamados fenômenos paranormais é o mesmo que chuvas, relâmpagos e trovões receberam na antiguidade. A nomeclatura e definição de fenômeno psi expostos neste artigo visam resolver este problema.