Página 1 de 1
Aquiles e Jesus - Parte I
Enviado: 11 Jul 2006, 23:12
por Acauan
Aquiles e Jesus - Parte I
Por Acauan
Todas as civilizações e culturas se ergueram sobre um conjunto de mitos fundadores, que estabeleceram as percepções simbólicas da realidade, a partir das quais grupamentos de comunidades humanas desenvolveram identidade, valores e objetivos comuns.
Os significados míticos associados à morte, extraídos daquelas percepções, buscavam um sentido para a finitude humana que, paradoxalmente, só era encontrado na negação desta finitude.
Neste contexto, as duas narrativas míticas que lançaram as raízes da civilização ocidental, a Ilíada de Homero e a Bíblia judaico-cristã, apresentam visões opostas e complementares sobre os significados da morte e, por extensão, sobre os significados da vida humana, a partir da morte de dois de seus respectivos protagonistas, Aquiles e Jesus de Nazaré.
Aquiles foi o herói fundamental.
O guerreiro indestrutível, de imaculado valor pessoal, inspiração e modelo para todo um povo aos olhos do qual parecia predestinado ao eterno triunfo.
Com tudo isto, o filho de Peleu era mortal, atributo que definia sua verdadeira, e derradeira, predestinação.
Aquiles tombou pelo arco de Paris, pela fúria de Apolo e por sua única fraqueza, o calcanhar não imerso nas águas do rio Estige.
A morte de Aquiles é puramente trágica.
É o fim dos triunfos.
O maior dos guerreiros se vê privado da morte gloriosa em combate ao ser abatido a distância pelo inimigo de tocaia.
O significado mítico da morte de Aquiles é resumido pelo próprio, que, evocado por Ulisses, lamenta sua estada no Hades.
Quando o rei de Ítaca declara ao companheiro que ele merece ser aclamado príncipe entre os que tombaram, Aquiles retruca que preferia ser escravo entre os vivos que nobre entre os mortos.
O sofrimento de Aquiles não provém de tormentos externos, como no inferno cristão, mas da interrupção brusca e irrevogável de tudo que fazia dele o que era.
Aquiles, na morte, contempla para sempre seu próprio esvaziamento como ser, enfrentando a dualidade dramática de ser testemunha de seu próprio inexistir, uma morte sem o alívio anestésico da inconsciência.
Sua morte traduz a certeza trágica de que todas as vitórias humanas apenas anunciam a derrota final, que anulará todo triunfo que a precedeu.
Só que esta certeza não é absoluta.
Coube a Ulisses confrontá-la. Primeiro ao restaurar o ânimo de Aquiles relatando os grandes feitos de seu filho Neoptólemo e, em outro momento da narrativa, ao recusar a oferta de imortalidade e juventude eterna feita pela ninfa Calipso, em troca da permanência dele junto a ela.
Ulisses escolhe voltar para seu reino, para sua casa e para sua esposa.
Se o vazio dos mortos pode ser preenchido pelas notícias do sucesso de um filho e se o que preenche nossas vidas finitas – amor, família, lar - vale mais para nós que uma existência imortal, a certeza trágica traduzida na morte de Aquiles não é tão certa assim.
É no hiato desta dúvida que as mortes de Aquiles e de Jesus de Nazaré se aproximam.
Re.: Aquiles e Jesus - Parte I
Enviado: 12 Jul 2006, 11:11
por clara campos
Belíssimo, acuan.
Aguardo parte II para comentar.
Re.: Aquiles e Jesus - Parte I
Enviado: 12 Jul 2006, 12:06
por Tranca
Ei, Acauan!
Aposto que você só dividiu em partes o texto porquê sabia que quase todos iriam ficar aguardando o final, não?
Acertou.
Foi-se o tempo em que este tipo de estratégia de marketing só funcionava com livros e filmes de ficção infanto-juvenil de caras-pálidas como George Lucas e J. K. Rowling...
ANAUÊ!
Re: Re.: Aquiles e Jesus - Parte I
Enviado: 13 Jul 2006, 09:38
por Acauan
clara campos escreveu:Belíssimo, acuan.
Aguardo parte II para comentar.
Obrigado, Clara.
Re: Re.: Aquiles e Jesus - Parte I
Enviado: 13 Jul 2006, 09:41
por Acauan
Tranca-Ruas escreveu:Ei, Acauan!
Aposto que você só dividiu em partes o texto porquê sabia que quase todos iriam ficar aguardando o final, não?
Acertou.
Foi-se o tempo em que este tipo de estratégia de marketing só funcionava com livros e filmes de ficção infanto-juvenil de caras-pálidas como George Lucas e J. K. Rowling...
ANAUÊ!
Pois é Tranca,
Além disto, tive mais dois motivos para dividir o texto em partes.
Primeiro para que não ficasse muito longo e o pessoal desistisse de ler no meio dele.
Segundo porque a idéia me veio completa durante o chope das sextas-feiras e depois que fiquei sóbrio tinha esquecido a metade.
ANAUÊ Guerreiro!
Re.: Aquiles e Jesus - Parte I
Enviado: 13 Jul 2006, 09:52
por RCAdeBH
Humm.... lá vem a ginástica ideológica do Acauan. Estarei observando.
Re: Aquiles e Jesus - Parte I
Enviado: 13 Jul 2006, 11:06
por darthvader
Uma das coisas que me deixava ansioso para voltar eram os textos do Acauan!!
Aguardo o restante....
uhu!

®
Re: Re.: Aquiles e Jesus - Parte I
Enviado: 13 Jul 2006, 13:55
por Fernando Silva
RCAdeBH escreveu:Humm.... lá vem a ginástica ideológica do Acauan. Estarei observando.
De ginástica ideológica os crentes e espíritas entendem.
Não é fácil explicar as contradições de suas invencionices e crendices.
Re: Aquiles e Jesus - Parte I
Enviado: 13 Jul 2006, 14:29
por o pensador
Acauan escreveu: ..
Se o vazio dos mortos pode ser preenchido pelas notícias do sucesso de um filho e se o que preenche nossas vidas finitas – amor, família, lar - vale mais para nós que uma existência imortal, a certeza trágica traduzida na morte de Aquiles não é tão certa assim.
É no hiato desta dúvida que as mortes de Aquiles e de Jesus de Nazaré se aproximam.[/color]
Este é que é o problema;num mundo aleatório e parcial nâo podemos ter certeza de que nossos filhos,parentes e nosso lar permanecerâo bem após nossa morte.
Re: Re.: Aquiles e Jesus - Parte I
Enviado: 13 Jul 2006, 16:23
por Spitfire
Fernando Silva escreveu:RCAdeBH escreveu:Humm.... lá vem a ginástica ideológica do Acauan. Estarei observando.
De ginástica ideológica os crentes e espíritas entendem.
Não é fácil explicar as contradições de suas invencionices e crendices.
Tentar explicar, quer dizer, né?
Re: Aquiles e Jesus - Parte I
Enviado: 13 Jul 2006, 17:18
por Acauan
o pensador escreveu:Acauan escreveu: ..
Se o vazio dos mortos pode ser preenchido pelas notícias do sucesso de um filho e se o que preenche nossas vidas finitas – amor, família, lar - vale mais para nós que uma existência imortal, a certeza trágica traduzida na morte de Aquiles não é tão certa assim.
É no hiato desta dúvida que as mortes de Aquiles e de Jesus de Nazaré se aproximam.
Este é que é o problema;num mundo aleatório e parcial nâo podemos ter certeza de que nossos filhos,parentes e nosso lar permanecerâo bem após nossa morte.
É impossível um mundo que seja ao mesmo tempo aleatório e parcial. Ou se é uma coisa ou outra.
Quanto à satisfação post-mortem de Aquiles, ela vem da notícia de o filho ter provado seu valor pessoal, que não depende das adversidades externas e, no mais das vezes, é engrandecido por elas.
E no fim, é a única coisa que importa.
Re: Re.: Aquiles e Jesus - Parte I
Enviado: 14 Jul 2006, 12:07
por Tranca
Acauan escreveu:Pois é Tranca,
Além disto, tive mais dois motivos para dividir o texto em partes.
Primeiro para que não ficasse muito longo e o pessoal desistisse de ler no meio dele.
Segundo porque a idéia me veio completa durante o chope das sextas-feiras e depois que fiquei sóbrio tinha esquecido a metade.
ANAUÊ Guerreiro!
Saudações, guerreiro!
Falando por mim, textos bons como este podem ter várias laudas que leio sem cansar.
E aproveite que hoje é sexta para lembrar durante o chope o resto da idéia!
Sobre este paralelo traçado entre Jesus e Aquiles, faço o seguinte comentário, que não sei se tem a ver com o que você redigirá na segunda parte deste texto:
Acho que os "teólogos" cristãos primitivos, ao estabelecerem o dogma da divindade de Jesus, acabaram por dissociar de sua figura a imagem arquetípica do "herói", comum a todos os povos e inerente à idéia que fazem os homens de suas divindades e mitos fundadores de suas culturas, sendo o herói algo como "aquele que sem esperar recompensa ou ter idéia do destino que lhe aguarda ao final, lança-se em empresa ou tarefa difícil, ou mesmo sacrifica-se, em nome de causa que considere justa e correta, imbuído de qualidades, ideais e virtudes nobres tais como vontade férrea, justiça, moral, honra, coragem, bravura, capacidade de superação dos próprios medos, etc".
Explico: se Jesus é uno com Deus - que como ser criador onipotente e onipresente tem conhecimento da eternidade - mesmo com todos os obstáculos a serem transpostos, dores e sofrimentos necessários para completar a sua missão, não se pode dizer que ele tenha empreendido um ato heróico em sua passagem por este mundo; pois como protagonista de tal ato, necessitaria depender de sua bravura ou capacidade de superação ante o inimigo ou a ameaça desconhecida, sem poder prever o destino fatal que poderia lhe aguardar.
Ao contrário, como se demonstra em diversas passagens dos Evangelhos, o Jesus mitológico já tinha conhecimento prévio de seu destino, e sendo Deus-Homem, sabia que "venceria" o sofrimento e a morte e retornaria à morada celeste para estar eternamente à "direita do Pai" após cumprida a missão.
Assim, apesar de em muitos pontos, apontarem os interessados que o mito Jesus se enquadra dentro da imagem arquetípica do herói, não podem negar que em características e pressupostos essenciais ele acaba por se distanciar de modo muito claro do mesmo.
Talvez os "teólogos" primitivos da cristandade tivessem esta intenção; de colocar Jesus acima de todos os deuses, semi-deuses e heróis mortais de todos os tempos, por ser uno com seu Deus "único".
Só que quando fizeram isto, limaram o mesmo de qualidades e atributos essenciais (no meu entender) aos homens desde épocas imemoriais - e eu me pergunto: somente a fé poderia preencher este vácuo criado na mentalidade cristã?*
*"Confie em Deus e nada vos perturbará". Onde reside a coragem e a honra em se fiar na divindade para tudo? Onde o homem testa seus limites e demonstra suas virtudes e atributos elevados; se o próprio Cristo lhes assegura que a fé é o único atributo de valor e que ao fim, quem estiver ao seu lado vencerá? Sabemos que nestes dois mil anos, a maioria dos cristãos de renome demonstraram muito mais valores como coragem e superação do que fé e resignação ante os desafios que encontraram pelo caminho. Isto mostra que algo na "mensagem cristã" não procede de todo.
Ora, em diversas mitologias, os heróis, deuses e semi-deuses, por mais poderosos que sejam, sempre estão às voltas de encarar perigos ou inimigos que farão testar todas a suas qualidades, sem que possam prever o destino que lhes aguarda.
Somente por comparação, Odin, Thor e demais deuses nórdicos sabem que o destino inexorável que lhes aguarda no Ragnarok.
Ou seja, até mesmo o futuro dos deuses é um "inimigo" sombrio que ronda suas mentes e estes não sabem quando de fato virá.
Mesmo assim, a imagem que se tem dos heróis de Asgaard é a de bravos guerreiros que não fugirão à luta no momento final e nem declinarão de encarar o destino implacável, qualquer que ele seja.
Ora, a resignação de Jesus ante seu trágico destino nada mais era do que a certeza de que o triunfo estava adiante, pois estava cumprindo o que Deus (parte dele mesmo), havia determinado. Portanto, dentro do mito fundador cristão, a vitória era/é certa. As próprias palavras na cruz: "Pai, por quê me abandonastes", podem ser vistas então, como mera formalidade ritual, pois já havia dito ao ladrão ao seu lado que estaria logo com ele no paraíso.
Jesus, Homem-Deus, dentro da mitologia cristã, tendo conhecimento prévio de que sua encarnação humana, vida, sofrimento e morte somente serviriam de meio de ser reconhecido pelos homens como deus e deixar uma mensagem, sendo que após tudo o que passasse retornaria aos céus triunfante e estaria, até o final dos tempos e o restante da eternidade coberto de esplendor e glória (já sendo certa sua vitória sobre satã quando do deslinde do juízo), não encarou um desafio cujo sucesso fosse incerto, razão pela qual não se pode dizer que o Jesus "Homem-Deus" tenha encarnado de todo o arquétipo do herói.
Na história do Deus-Homem Jesus, a possibilidade de fracasso não estava prevista. Logo, coragem, bravura e superação não são atributos que pertencentes ao mito fundador cristão.
ANAUÊ!
Re.: Aquiles e Jesus - Parte I
Enviado: 14 Jul 2006, 12:25
por Tranca
Só complementando: podem falar que as agruras sofridas por Jesus demonstram que Deus escolheu passar, através de seu filho (ou ele mesmo encarnado), por sofrimentos tais que demonstrassem seu amor pela humanidade e seu valor, para sedimentar sua mensagem de "amor" e sua glória.
Eu digo que o sofrimento de Deus através de seu filho (ou encarnação de si mesmo) FOI ESCOLHIDO POR ELE MESMO, não foi algo alheio à sua vontade e nem de sucesso discutível.
Aliás, encarado desta forma, parece tudo uma forma bem besta de se demonstrar "Seu" amor pelos homens a confirmar sua glória, já que poderia ter encontrado formas melhores, menos doloridas e mais didáticas.
Mas vá entender esses deuses unos-trinos e onipotentes/onipresentes...
Re.: Aquiles e Jesus - Parte I
Enviado: 30 Ago 2006, 21:30
por clara campos
cadê a parte II?
Re: Re.: Aquiles e Jesus - Parte I
Enviado: 31 Ago 2006, 08:22
por Acauan
clara campos escreveu:cadê a parte II?
Oi Clara,
O Índio velho anda meio preguiçoso, mas prometo para breve.
Abraços.
Re.: Aquiles e Jesus - Parte I
Enviado: 31 Ago 2006, 09:58
por clara campos
Enviado: 12 Nov 2006, 14:20
por Acauan