Uma nova história do tempo-Novo livro de Stephen Hawking
Enviado: 20 Nov 2005, 15:41

Antídoto atômico
No meio de tanta bobagem "quântica" que
se diz por aí, Stephen Hawking é um refresco

A teoria das cordas, uma das explicações do cosmo atualmente exploradas pelos teóricos da astrofísica, prevê que o universo não se resume às quatro dimensões (três espaciais e uma temporal) que são familiares a todo ser humano. Na verdade, poderiam existir 26 dimensões. E esse é apenas um exemplo – talvez não o mais extremado – dos vários princípios e teorias da física moderna que contradizem o modo como nossos limitados cinco sentidos percebem a realidade. A física é a mais contra-intuitiva das ciências. No entanto, o mundo parece estar cheio de gente que a conhece a fundo. Músicos, escritores, artistas, comentaristas de televisão, terapeutas holísticos – todo mundo tem seu palpite sobre mecânica quântica. No meio de tanta especulação infundada, o lançamento de um livro como Uma Nova História do Tempo (tradução de Vera de Paula Assis; Ediouro; 176 páginas; 39,90 reais) é um refresco. Escrita em parceria pelo famoso físico inglês Stephen Hawking e por seu colega americano Leonard Mlodinow, a obra cumpre o que promete: consegue ser clara e didática, sem comprometer o fascínio de seu tema (que, afinal, inclui todas aquelas questões fundamentais que afligem o homem há séculos: de onde viemos? Para onde vamos? etc.). Ocupada com vários mistérios universais – o Big Bang, os buracos negros, a expansão das galáxias –, a dupla de físicos só não responde a um pequeno enigma localizado: por que tanta gente opina sobre um tema que só os especialistas realmente compreendem?
Uma Nova História do Tempo é uma versão atualizada e simplificada de Uma Breve História do Tempo, livro que Hawking lançou em 1988 – e que vendeu mais de 10 milhões de cópias no mundo todo. Esse best-seller levou o nome do autor para além dos muros acadêmicos (Hawking, a propósito, é professor na Universidade de Cambridge, na qual ocupa uma cátedra que já foi de Isaac Newton, talvez o mais influente físico de todos os tempos). Sua voz mecânica – por seqüelas de uma doença degenerativa, ele precisa de um sintetizador de voz para se expressar – já fez até uma aparição no desenho animado Os Simpsons. Menos conhecido, Mlodinow também tem um pé na cultura pop: foi roteirista da série Jornada nas Estrelas – A Nova Geração. Suas credenciais como físico, porém, foram conquistadas no renomado Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), onde trabalhou ao lado do Nobel de física Richard Feynman – experiência que Mlodinow relata em O Arco-Íris de Feynman, lançado no Brasil pela editora Sextante.
É curioso que teóricos como Hawking (e, bem antes dele, Albert Einstein), mesmo sendo pouco compreendidos, acabem se transformando em ícones pop. De modo geral, essa é uma tendência positiva: contribui para divulgar os princípios básicos da física entre os leigos. O problema é que, junto à divulgação científica feita com seriedade, vicejam a diluição e a deturpação. "Poucos realmente entenderam a obra de homens como Einstein ou Hawking. Mas os que pensam que entenderam são bem mais numerosos", diz Mlodinow. Por sua complexidade, temas como a teoria da relatividade e a mecânica quântica parecem convidar a uma abordagem "esotérica", e há muito misticismo barato vendido por aí sob uma roupagem científica. A roteirista de televisão Fernanda Young é uma que adora falar de física como se fosse algum tipo de "filosofia de vida" – nos tempos em que participava do programa Saia Justa, ela ensinava os espectadores a dar "saltos quânticos". O músico e ministro da Cultura Gilberto Gil já dedicou um de seus discos mais chatos, Quanta, ao tema. E o diretor de teatro Antunes Filho de algum modo conseguiu enfiar a física quântica no "método" que ensina aos atores.
Os virtuoses da bobagem gostam de usar expressões como "espaço-tempo" e "quântico", ainda que completamente fora de contexto. Essa apropriação indevida dos termos técnicos ajuda no marketing artístico: o livro, a música, o manifesto que utiliza essas palavras complicadas fica parecendo tão mais profundo, não é mesmo? O mesmo princípio é utilizado para vender terapias alternativas. Já se anuncia por aí até uma "cura quântica estelar". Uma página da internet devotada ao assunto explica como os pensamentos negativos deslocam os elétrons de sua órbita, causando doenças. Não é preciso ter Ph.D. em física para perceber que isso é uma asneira sem tamanho. Em Uma Nova História do Tempo, o leitor não encontrará uma só palavra sobre o poder da mente de interferir na matéria. O único poder mental em ação ali é a inteligência dos autores. E já está de bom tamanho.
Asneiras cósmicas
Algumas das idiotices que são ditas quando se
tenta aplicar a física quântica a outras áreas
ORIENTALISMO

Na trilha de O Tao da Física, livro do físico new age Fritjof Capra, muitos tentam aproximar a física moderna de religiões orientais como o budismo e o taoísmo. O melhor resumo dessas tentativas foi feito pelo biólogo Richard Dawkins: a filosofia oriental é muito complicada, e a mecânica quântica é muito complicada. E é só por isso que alguns pensam que elas tratam da mesma coisa.
TUDO É INCERTEZA

Não é possível ter certeza de nada, e tudo pode sempre ser o seu contrário. Sempre que alguém diz uma bobagem dessas, recorre ao princípio da incerteza, formulado pelo alemão Werner Heisenberg em 1927. Mas Heisenberg não disse nada do gênero. Seu famoso princípio fala do comportamento de partículas subatômicas e tem poucas conseqüências significativas no mundo macroscópico: não é por culpa da mecânica quântica que você nunca encontra as chaves do carro.
ENERGIA

Sabe aquele lance de energia – o alto ou baixo-astral que uma pessoa transmite para o ambiente? Pois é, tem quem diga que isso pode ser explicado pela física, que são "saltos quânticos" que a consciência de uma pessoa projeta sobre a outra. É verdade que alguns cientistas sérios já criaram modelos – por enquanto, totalmente especulativos – em que a mecânica quântica influiria no funcionamento do cérebro. Mas não, o mau-olhado não é um fenômeno quântico.
CURA QUÂNTICA

De carona na moda de aproximar física e filosofia oriental, alguns gurus juntaram medicina indiana e mecânica quântica para propor uma nova terapia "espiritual". Na internet, já se encontram até páginas dedicadas à "cura quântica estelar". Nessa bobagem, só sobrou um vago odor da ciência original: o adjetivo "quântico" só aparece aqui para impressionar os incautos.
Trecho do livro Uma Nova História
do Tempo, de Stephen Hawking
Pensando sobre o universo
Vivemos num estranho e maravilhoso universo. Apreciar sua idade, tamanho, violência e beleza exige uma imaginação extraordinária. O lugar que nós, seres humanos, ocupamos neste vasto cosmo pode parecer bem insignificante e, portanto, tentamos dar um sentido a tudo isso e ver onde é que nos encaixamos. Algumas décadas atrás, um cientista famoso (alguns dizem que teria sido Bertrand Russell) deu uma palestra pública sobre astronomia. Ele descreveu como a Terra gira numa órbita ao redor do Sol e como o Sol, por sua vez, gira ao redor do centro de uma vasta coleção de estrelas a que chamamos de nossa galáxia. No final da palestra, uma velhinha, no fundo da sala, levantou-se e disse: "O que você nos disse é uma grande bobagem. O mundo é, na verdade, um prato chato apoiado nas costas de uma tartaruga gigante". O cientista lançou um sorriso superior antes de replicar: "E a tartaruga está de pé sobre o quê?" "Você é muito esperto, meu jovem, muito esperto", disse a senhora. "Acontece que são tartarugas de cima a baixo!"
Hoje em dia, a maioria das pessoas acharia bem ridícula a imagem do nosso universo como uma torre infinita de tartarugas. Mas por que deveríamos supor que nosso conhecimento é melhor? Esqueça por um minuto o que você sabe — ou acha que sabe — sobre o espaço. Então, olhe fixamente para cima, no céu noturno. Como você interpretaria todos aqueles pontos de luz? Seriam fogos minúsculos? Pode ser difícil imaginar o que eles realmente são, pois o que realmente são está muito além de nossa experiência comum. Se você costuma ficar observando as estrelas, é provável que tenha visto uma luz fugidia que paira perto do horizonte no crepúsculo. É um planeta, Mercúrio, mas ele não é nem um pouco parecido com nosso próprio planeta. Um dia em Mercúrio dura dois terços do ano do planeta. A superfície atinge temperaturas acima de 400 graus Celsius quando o Sol aparece e depois cai para quase –200 graus Celsius às altas horas da noite. Por mais diferente que Mercúrio seja de nosso próprio planeta, é muito mais difícil imaginar uma estrela típica, que é uma enorme fornalha que queima bilhões de quilos de matéria a cada segundo e atinge temperaturas de dezenas de milhões de graus em seu núcleo.
Outra coisa difícil de imaginar é a que distância os planetas e as estrelas realmente estão. Os chineses antigos construíram torres de pedra para que conseguissem ter uma visão mais próxima das estrelas. É natural imaginar que as estrelas e os planetas estejam muito mais perto do que realmente estão — afinal, na vida diária, não temos experiência alguma com as enormes distâncias do espaço. Aquelas distâncias são tão imensas que nem sequer faz sentido medi-las em metros ou quilômetros, do jeito que medimos a maioria dos comprimentos. Em vez disso, usamos o ano-luz, que é a distância que a luz percorre em um ano. Em um único segundo, um feixe de luz percorrerá 300.000 quilômetros; logo, um ano- luz é uma distância muitíssimo grande. A estrela mais próxima, exceção feita ao nosso Sol, é chamada Próxima do Centauro (também conhecida como Alfa do Centauro C), que está a uma distância de aproximadamente quatro anos-luz. Isto é tão longe que, mesmo com a mais veloz espaçonave atualmente nas pranchetas, uma viagem até ela levaria cerca de dez mil anos.
Os povos antigos tentaram com afinco entender o universo, mas eles ainda não tinham desenvolvido nossa matemática e ciência. Hoje, temos ferramentas poderosas: ferramentas mentais como a matemática e o método científico e ferramentas tecnológicas como os computadores e os telescópios. Com a ajuda dessas ferramentas, os cientistas juntaram um bocado de conhecimento sobre o espaço. Mas o que realmente sabemos sobre o universo e como é que sabemos? De onde veio o universo? Para onde está indo? O universo teve um início e, em caso afirmativo, o que aconteceu antes disso? Qual a natureza do tempo? Ele algum dia chegará a um fim? Podemos voltar no tempo? Recentes avanços na física, que se tornaram possíveis em parte pela nova tecnologia, sugerem respostas a algumas dessas perguntas antigas. Algum dia, essas respostas poderão parecer tão óbvias para nós quanto a Terra orbitando o Sol — ou, quem sabe, tão ridículas quanto uma torre de tartarugas. Só o tempo (o que quer que possa ser) dirá.
http://veja.abril.com.br/231105/p_148.html
Em tempo:
Acabo de comprar o meu.