Dez motivos do silêncio muçulmano sobre terror
Enviado: 26 Out 2005, 19:26
Fonte: UOL
26/10/2005
Dez motivos do silêncio muçulmano sobre terror
Fanatismo, violência, despotismo e hipocrisia dos EUA explicam Islã
Roger Cohen
Em Nova York
Mao Tse-tung disse, famosamente, que "a guerrilha deve se mover entre as pessoas como um peixe nadando no mar". Esse mar, para os islâmicos fanáticos da Jihad, é o mundo muçulmano. Desde os atentados de 11 de Setembro de 2001 nos EUA, o Ocidente ficou decepcionado com o fato de esse mundo não erguer sua voz contra o terrorismo.
Aqui estão dez motivos pelos quais a maioria dos muçulmanos moderados permaneceu em silêncio diante do extremismo violento que invoca o nome do Islã:
1. Os militantes islâmicos, sejam homens-bombas independentes recrutados pela Internet ou agentes da al Qaeda, são amplamente considerados a única resistência genuína aos EUA intrusos e hipócritas, que, na visão dos muçulmanos, cooptaram os governos autocráticos do mundo árabe e favoreceram Israel na luta contra os palestinos.
2. O governo Bush hoje diz defender a reforma democrática em todo o Oriente Médio. Mas o instrumento inicial que escolheu, a invasão do Iraque, é muitas vezes considerado uma ocupação inaceitável de território árabe, e a história de décadas de cínica conivência americana com os déspotas fornecedores de petróleo não foi esquecida. Diante da opção entre militantes combatendo a situação atual no Oriente Médio e uma nova política americana também declaradamente voltada para mudanças, muitos árabes acham os primeiros mais credíveis e simpáticos.
3. A islamização das sociedades árabes nas últimas três décadas foi uma resposta aos fracassos dessas sociedades. Regimes de partido único repressores e corruptos, condenados por Washington em países da Arábia Saudita ao Egito, deixaram a mesquita como única plataforma significativa de oposição política.
Portanto, não é de surpreender que militantes e terroristas que invocam uma ideologia islâmica antiocidental encontrem ampla aceitação, mesmo depois do colapso do regime fundamentalista taliban no Afeganistão e dos fracassos da revolução teocrática no Irã.
4. Os governos do Oriente Médio que são nominalmente aliados dos EUA estão fazendo jogo duplo. Ainda é mais fácil e mais popular para esses governos incentivar a rebelião contra a América no Iraque, ou contra Israel na Cisjordânia, do que adotar um programa de reformas apoiado pelos americanos que poderia sair pela culatra, como demonstram os recentes acontecimentos na Síria.
Hala Mustafa, uma escritora e intelectual egípcia, disse que seu acesso à televisão egípcia foi bloqueado depois que ela deixou "de aceitar o estereótipo antiamericano". Ela acrescentou: "Se você é pró-americano, sofre todo tipo de pressão. O regime o considera um estorvo".
Os muçulmanos moderados recebem pouco ou nenhum incentivo de seus governos ou da mídia para se manifestar contra os jihadistas antiocidentais. A família real saudita pode chamar a al Qaeda de "loucura e mal", mas seu dinheiro ajudou a criá-la e seu poder continua inseparável de um Islã fundamentalista cujas correntes antiocidentais são fortes.
5. Décadas de repressão causaram a despolitização de muitas sociedades árabes. As pessoas são passivas. Elas não acreditam que ao levantar a voz ou ir às ruas podem fazer diferença. Elas são suscetíveis a teorias da conspiração, principalmente as que demonizam a América. A islamização, explorada sob várias formas por muitos regimes, incentivou essa tendência. Nas sociedades dadas por Deus, em oposição às feitas pelo homem, o indivíduo tem pouco peso.
6. Há um sentido de humilhação generalizado no mundo árabe, alimentado pelas vitórias de Israel, a invasão americana ao Iraque, a história da colonização ocidental e os fracassos econômicos e culturais registrados pela ONU em diversos Relatórios de Desenvolvimento Humano no mundo árabe. A outra face da humilhação é a beligerância; a outra face da miséria é a busca pelo orgulho recuperado. Nesse contexto, os jihadistas que preferem morrer a perder a dignidade são considerados salvadores de algum vestígio da honra árabe e islâmica.
7. O modernismo ocidental conquistador, com sua parcela de arrogância e preconceito, é amplamente rejeitado como identidade pelos jovens muçulmanos. Quando o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, disse que a civilização ocidental é superior à civilização islâmica, foi considerado um retrato da opinião dominante.
De maneira parecida, quando o presidente George W. Bush falou em "cruzada", os muçulmanos pensaram estar ouvindo a verdade por trás das invasões. Sua reação foi abraçar o Islã como alternativa cultural autêntica ao Ocidente e, em casos extremos, decidir combater o Ocidente com bombas.
8. O fanatismo islâmico conseguiu impor o reinado do medo a intelectuais muçulmanos e outros. As pessoas têm medo de se manifestar contra o terrorismo islâmico por medo de ser mortas. Ahmed Aboutaleb, um vereador muçulmano de Amsterdã, disse que muitas vezes perguntou a grupos de jovens holandeses muçulmanos se eles se manifestariam se soubessem que um membro de suas famílias estava se preparando para plantar uma bomba. A reação foi silêncio e evasão.
9. O medo de represália humana por se manifestar é às vezes complementado ou reforçado pelo medo da represália divina. Osama bin Laden é um muçulmano puritano. Ele indica, de maneira plausível, certos textos do Corão para justificar seus atos, incluindo a decapitação dos infiéis que ocupam terras árabes sagradas. Denunciá-lo e a seu movimento em público, portanto, é arriscar-se a atrair a ira de Alá.
10. O Islã é muito mais jovem que as outras grandes religiões do mundo. O profeta Maomé morreu em 632, menos de 1.400 anos atrás. Talvez a efervescência e a violência do Islã possam ser comparadas às do cristianismo na época da Reforma protestante, um movimento que foi seguido de guerras religiosas de uma brutalidade devastadora na Europa nos séculos 16 e 17.
Durante séculos depois disso, o colonialismo ocidental, inseparável do zelo missionário cristão para converter os pagãos infiéis, atingiu seu apogeu. Não admira, portanto, que os muçulmanos relutem em se manifestar ou denunciar os zelotes portadores de bombas que proclamam como sua causa, embora irracionalmente, o Islã e sua civilização.
Conclusão
Tudo isso sugere que Bush talvez seja ingênuo ao afirmar que a única luta do Ocidente é contra a "perversão" do Islã, uma ideologia fascista atualizada. É sobretudo contra um movimento profundo de islamização pelo qual o Ocidente tem grande responsabilidade. O mar muçulmano é profundo e vasto, e não vai entregar seus peixes de dentes afiados.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
26/10/2005
Dez motivos do silêncio muçulmano sobre terror
Fanatismo, violência, despotismo e hipocrisia dos EUA explicam Islã
Roger Cohen
Em Nova York
Mao Tse-tung disse, famosamente, que "a guerrilha deve se mover entre as pessoas como um peixe nadando no mar". Esse mar, para os islâmicos fanáticos da Jihad, é o mundo muçulmano. Desde os atentados de 11 de Setembro de 2001 nos EUA, o Ocidente ficou decepcionado com o fato de esse mundo não erguer sua voz contra o terrorismo.
Aqui estão dez motivos pelos quais a maioria dos muçulmanos moderados permaneceu em silêncio diante do extremismo violento que invoca o nome do Islã:
1. Os militantes islâmicos, sejam homens-bombas independentes recrutados pela Internet ou agentes da al Qaeda, são amplamente considerados a única resistência genuína aos EUA intrusos e hipócritas, que, na visão dos muçulmanos, cooptaram os governos autocráticos do mundo árabe e favoreceram Israel na luta contra os palestinos.
2. O governo Bush hoje diz defender a reforma democrática em todo o Oriente Médio. Mas o instrumento inicial que escolheu, a invasão do Iraque, é muitas vezes considerado uma ocupação inaceitável de território árabe, e a história de décadas de cínica conivência americana com os déspotas fornecedores de petróleo não foi esquecida. Diante da opção entre militantes combatendo a situação atual no Oriente Médio e uma nova política americana também declaradamente voltada para mudanças, muitos árabes acham os primeiros mais credíveis e simpáticos.
3. A islamização das sociedades árabes nas últimas três décadas foi uma resposta aos fracassos dessas sociedades. Regimes de partido único repressores e corruptos, condenados por Washington em países da Arábia Saudita ao Egito, deixaram a mesquita como única plataforma significativa de oposição política.
Portanto, não é de surpreender que militantes e terroristas que invocam uma ideologia islâmica antiocidental encontrem ampla aceitação, mesmo depois do colapso do regime fundamentalista taliban no Afeganistão e dos fracassos da revolução teocrática no Irã.
4. Os governos do Oriente Médio que são nominalmente aliados dos EUA estão fazendo jogo duplo. Ainda é mais fácil e mais popular para esses governos incentivar a rebelião contra a América no Iraque, ou contra Israel na Cisjordânia, do que adotar um programa de reformas apoiado pelos americanos que poderia sair pela culatra, como demonstram os recentes acontecimentos na Síria.
Hala Mustafa, uma escritora e intelectual egípcia, disse que seu acesso à televisão egípcia foi bloqueado depois que ela deixou "de aceitar o estereótipo antiamericano". Ela acrescentou: "Se você é pró-americano, sofre todo tipo de pressão. O regime o considera um estorvo".
Os muçulmanos moderados recebem pouco ou nenhum incentivo de seus governos ou da mídia para se manifestar contra os jihadistas antiocidentais. A família real saudita pode chamar a al Qaeda de "loucura e mal", mas seu dinheiro ajudou a criá-la e seu poder continua inseparável de um Islã fundamentalista cujas correntes antiocidentais são fortes.
5. Décadas de repressão causaram a despolitização de muitas sociedades árabes. As pessoas são passivas. Elas não acreditam que ao levantar a voz ou ir às ruas podem fazer diferença. Elas são suscetíveis a teorias da conspiração, principalmente as que demonizam a América. A islamização, explorada sob várias formas por muitos regimes, incentivou essa tendência. Nas sociedades dadas por Deus, em oposição às feitas pelo homem, o indivíduo tem pouco peso.
6. Há um sentido de humilhação generalizado no mundo árabe, alimentado pelas vitórias de Israel, a invasão americana ao Iraque, a história da colonização ocidental e os fracassos econômicos e culturais registrados pela ONU em diversos Relatórios de Desenvolvimento Humano no mundo árabe. A outra face da humilhação é a beligerância; a outra face da miséria é a busca pelo orgulho recuperado. Nesse contexto, os jihadistas que preferem morrer a perder a dignidade são considerados salvadores de algum vestígio da honra árabe e islâmica.
7. O modernismo ocidental conquistador, com sua parcela de arrogância e preconceito, é amplamente rejeitado como identidade pelos jovens muçulmanos. Quando o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, disse que a civilização ocidental é superior à civilização islâmica, foi considerado um retrato da opinião dominante.
De maneira parecida, quando o presidente George W. Bush falou em "cruzada", os muçulmanos pensaram estar ouvindo a verdade por trás das invasões. Sua reação foi abraçar o Islã como alternativa cultural autêntica ao Ocidente e, em casos extremos, decidir combater o Ocidente com bombas.
8. O fanatismo islâmico conseguiu impor o reinado do medo a intelectuais muçulmanos e outros. As pessoas têm medo de se manifestar contra o terrorismo islâmico por medo de ser mortas. Ahmed Aboutaleb, um vereador muçulmano de Amsterdã, disse que muitas vezes perguntou a grupos de jovens holandeses muçulmanos se eles se manifestariam se soubessem que um membro de suas famílias estava se preparando para plantar uma bomba. A reação foi silêncio e evasão.
9. O medo de represália humana por se manifestar é às vezes complementado ou reforçado pelo medo da represália divina. Osama bin Laden é um muçulmano puritano. Ele indica, de maneira plausível, certos textos do Corão para justificar seus atos, incluindo a decapitação dos infiéis que ocupam terras árabes sagradas. Denunciá-lo e a seu movimento em público, portanto, é arriscar-se a atrair a ira de Alá.
10. O Islã é muito mais jovem que as outras grandes religiões do mundo. O profeta Maomé morreu em 632, menos de 1.400 anos atrás. Talvez a efervescência e a violência do Islã possam ser comparadas às do cristianismo na época da Reforma protestante, um movimento que foi seguido de guerras religiosas de uma brutalidade devastadora na Europa nos séculos 16 e 17.
Durante séculos depois disso, o colonialismo ocidental, inseparável do zelo missionário cristão para converter os pagãos infiéis, atingiu seu apogeu. Não admira, portanto, que os muçulmanos relutem em se manifestar ou denunciar os zelotes portadores de bombas que proclamam como sua causa, embora irracionalmente, o Islã e sua civilização.
Conclusão
Tudo isso sugere que Bush talvez seja ingênuo ao afirmar que a única luta do Ocidente é contra a "perversão" do Islã, uma ideologia fascista atualizada. É sobretudo contra um movimento profundo de islamização pelo qual o Ocidente tem grande responsabilidade. O mar muçulmano é profundo e vasto, e não vai entregar seus peixes de dentes afiados.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves