O erro decisivo: um campeonato manchado
DIOGO OLIVIER E VINICIUS VACCARO
Um Campeonato Brasileiro como o de 2005 era reivindicado há três décadas por torcedores e esportistas. Há três anos, a reivindicação foi atendida. Desde 2003, pela primeira vez na história do futebol no país, o Brasileirão tem um calendário definido, é disputado em turno e returno, por pontos corridos, tem as datas fixas, emoção até as últimas rodadas e a média de público em crescimento. Pois esse campeonato modelo acabou maculado por fatores extra-campo, especificamente por problemas com a arbitragem.
Começou com a inédita e gravíssima denúncia de manipulação de resultados pelo ex-árbitro Edilson Pereira de Carvalho, em 23 de setembro, seguida pela polêmica anulação dos 11 jogos por ele apitados. O único beneficiado pela anulação foi o Corinthians, que havia perdido duas das partidas que foram jogadas outra vez. Justamente o Corinthians, que fez uma parceria milionária com a multinacional MSI e contratou craques como Tevez, Nilmar e Roger. Uma investigação do Ministério Público identificou sinais de crime de lavagem de dinheiro por parte dos investidores internacionais do grupo. O que só aumentou as suspeitas de que o Corinthians estaria sendo beneficiado, inclusive de corintianos históricos, como o jornalista Juca Kfouri.
- Quantas vezes você já viu o Robin Hood vencer no futebol? - ironizou o jornalista. - Fica um gosto de nódoa no campeonato.
Os erros a que Kfouri se refere são os de arbitragem em favor do Corinthians (ver quadro), sobretudo o cometido por Márcio Resende de Freitas no domingo contra o Inter. O ex-craque Tostão concorda que os clubes mais fortes são favorecidos.
No entanto, a maioria dos analistas aponta mesmo Edilson Pereira de Carvalho como o maior vilão. Nem o presidente da Associação Nacional dos Árbitros do Futebol, José de Assis Aragão, demonstra solidariedade ao ex-árbitro:
- Esse campeonato está manchado pelo Edilson.
Os critérios para designação dos árbitros em cada partida também são criticados por alguns dos dirigentes. Presidente do Clube dos 13, Fábio Koff diz que foi voz isolada contra os sorteios dos árbitros:
- No futebol, temos de premiar os melhores. O aleatório não é uma escolha inteligente.
Responsável pela Comissão de Arbitragem da CBF, Édson Rezende também não aprova a escolha por sorteio. Mas considera que o nível da arbitragem é "bom".
- Se analisarmos o número de jogos e o de erros, podemos concluir que o trabalho dos árbitros está bom. Quem decide, erra. E os árbitros decidem do início ao fim dos jogos - disse Rezende, reconhecendo que os homens do apito precisam de mais cursos de reciclagem e de aprimoramento.
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vinicius.vaccaro@zerohora.com.br )
Os incidentes do Brasileirão
O programa Jornal do Almoço, da RBS TV, entrevistou ontem o presidente do Inter, Fernando Carvalho, e o árbitro Márcio Resende de Freitas. Veja os principais trechos:
> No dia 23 de setembro, a Veja denuncia o escândalo de manipulação de jogos do Brasileirão pelo árbitro Edílson Pereira de Carvalho.
> Na manhã do dia 2 de outubro, na 29ª rodada, o presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), Luiz Zveiter, anuncia a anulação de 11 jogos do campeonato. Com a repetição de dois jogos nos quais havia sido derrotado, o Corinthians somou quatro pontos a mais.
> Na 34ª rodada, no jogo em que o Corinthians derrotou o Paysandu por 2 a 0, em Belém, o árbitro Lourival Dias Filho e o assistente Belmiro da Silva falham em dois lances capitais.
Não tem desculpa
O que disse márcio Resende
"Sempre assumi os meus erros e errei ontem (domingo). E na própria saída do vestiário, como toda a imprensa veio falar, a imagem está aí para isso. Às vezes a imagem nos salva e às vezes ela nos executa. Uma perna do Fábio Costa toca realmente no pé do Tinga, vendo depois várias vezes à noite pela TV, principalmente pela câmera de trás que é a que pega melhor o lance. E eu errei e peço desculpas pelo meu erro."
O que disse Fernando Carvalho
"Desculpa não vai colocar a taça no armário, não vai colocar a faixa no peito e nem o bicho no bolso do jogador. Lamento, Márcio, a tua atuação prejudicou sensivelmente o Internacional e não é a hora de aceitar desculpas. Eu sei que tu vais encerrar a tua carreira, mas acho que essa marca vai ficar indelével na tua vida e nós colorados nunca mais vamos esquecer porque o Internacional durante muitos anos buscou chegar numa situação como essa e vem sofrendo neste campeonato sucessivos prejuízos e o maior deles é esse que aconteceu ontem (domingo).
"Eu nunca acho que as coisas são propositais. Eu não acho que o Zveiter tenha feito o que fez propositadamente. Eu não acho que os prejuízos que o Internacional vem sofrendo sejam propositados. Mas acho que essas coincidências são muito importantes e elas flagram o benefício sempre em favor ao maior, do poder econômico, daquele que tem mais Ibope, que tem mais torcida, daquele que tem mais recursos. Isso é uma coisa fácil."
Debate em Brasília
A polêmica sobre o erro de Márcio Resende de Freitas foi parar no Senado. Torcedor do time gaúcho, o senador Paulo Paim (PT-RS) lamentou, da tribuna, o erro do árbitro.
- Todos estão de acordo que foi uma injustiça - afirmou o senador.
No plenário, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que é torcedor do Corinthians, resolveu defender seu time e iniciou uma discussão com Paim. O debate só terminou com a intervenção do senador Tião Viana (PT-AC).
- Aqui não é lugar para esse tipo de discussão - afirmou Viana.
Não foi só no Senado, é verdade. Na cerimônia de sanção da lei da MP do Bem, o presidente Lula e torcedor corintiano disse que não poderia comentar assuntos relacionados a futebol. Diante da curiosidade, explicou:
- Estão dizendo que o juiz não se comportou direito contra o Inter.
"O sonho não morreu"
| Entrevista | Tinga | volante do Inter
Convertido em emblema da injustiça contra o Inter no empate com o Corinthians, Tinga teve um dia inusitado ontem. Passou a noite de domingo em São Paulo, onde participou de um programa de TV. Voltou ontem. Perdeu a conta de quantos prestaram solidariedade, desde Guarulhos até a praça na qual brincou com o filho, já em Porto Alegre. À torcida, mandou dois recados: um de agradecimento e outro de alento. "O sonho do título não morreu", disse.
Zero Hora - A sua foto sofrendo o pênalti está na capa de todos os jornais do país. Como foi a repercussão?
Tinga - Me surpreendi. Em São Paulo, o pessoal vinha elogiar nosso time pela forma como enfrentou o Corinthians. É que a injustiça ficou na cara.
ZH - A sua expressão de desespero com a expulsão ficou clara nas fotos.
Tinga - Eu vi! É que ali, na hora, só pensei que íamos ficar com um a menos no jogo mais importante do ano. O Muricy sempre pede para a gente acabar o jogo 11 contra 11. O Fábio Costa sempre vai em cima de quem simula pênalti contra ele. Por isso ficou mudo comigo.
ZH - Como vais ver o jogo contra o Palmeiras?
Tinga - Vou estar no vestiário com meus companheiros. Depois, subo para torcer.
Alguns erros marcantes
Copa de 1962 Brasil 2x1 Espanha
A Seleção perdia para a Espanha por 1 a 0, no segundo tempo. O ponteiro Collar entrou na área, ia fazer o segundo gol e o lateral-esquerdo Nilton Santos o derrubou. Pênalti. Nilton Santos deu então um passo à frente, levantou as mãos e o juiz chileno Sérgio Bustamante deu a falta fora da área.
Copa de 1966 (final) Inglaterra 4x2 Alemanha
Na prorrogação, o inglês Hurst chutou uma bola, que bateu no travessão e caiu próximo à linha. O árbitro suíço Gottfried Dienst, contudo, deu gol, para desespero dos jogadores alemães.
Copa de 1982 Itália 3x2 Brasil
O zagueiro italiano Gentile deu um puxão em Zico, que ficou com um rombo na camisa, dentro da grande área, mas o pênalti não foi marcado pelo juiz Abraham Klein.
Copa de 1986 Argentina 2x1 Inglaterra
Maradona fez o primeiro gol da vitória de 2 a 1 da Argentina sobre a Inglaterra com um toque da sua mão esquerda. Só o árbitro tunisiano Ali Bennaceur não viu. Travesso, Maradona declarou após o jogo que a mão goleadora havia sido "a mão de Deus''.
Copa de 2002 Coréia do Sul 5x3 Espanha
Aos sete minutos da prorrogação, Joaquín cruzou, Morientes acertou uma cabeçada e saiu comemorando o gol de ouro. Mas um dos auxiliares sinalizou que a bola havia saído pela linha de fundo na hora do cruzamento, de maneira errada.
Jornais paulistas:
