PCC foi usado para privilegiar Alckmin...
Enviado: 03 Ago 2006, 16:54
De Josias de Souza/Folha de S Paulo
Crime organizado
"E os deputados o que fazem?! Roubam pra caralho!"
Marcos Camacho, o Marcola
Polícia negociou com PCC antes e depois de ataques
A cúpula da polícia de São Paulo não negociou com criminosos só depois de deflagrada a onda de ataques que aterrorizou São Paulo no início de maio. Sentou-se com líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital) também antes do agravamento da crise.
Detalhes das duas tentativas de entendimento constam de depoimento que Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, prestou a deputados da CPI do Tráfico de Armas. Acusado de ter ordenado os ataques, Marcola foi ouvido em sessão reservada, no dia 8 de julho, na penitenciária de Presidente Bernardes (SP).
A inquirição foi gravada. Durou quatro horas e 13 minutos. A transcrição ocupa 205 páginas (leia a íntegra aqui). Marcola contou que, em 12 de maio, dia em que começaram os ataques do PCC, foi levado à presença de Godofredo Bittencourt, diretor do Deic (Departamento de Investigações sobre Crime Organizado).
Em encontro testemunhado por cerca de 15 autoridades policiais, Godofredo perguntou a Marcola o que poderia ser feito para estancar as rebeliões em presídios e os assassinatos em série de policiais. Àquela altura, só havia duas cadeias rebeladas –Iaras e Araraquara; contavam-se quatro policiais mortos.
Marcola diz ter pedido comida, cobertores e direito a banho de sol para 765 presos que haviam sido transferidos na véspera para uma cadeia de Presidente Vesceslau. Pediu também que fosse mantida a visita do Dia das Mães. Seria no domingo seguinte. E fora cancelada. Atendidas às reivindicações, prometeu interceder pelo fim da violência.
Conforme o relato de Marcola à CPI, o diretor do Deic concordou com as exigências. “O dr. (Godofredo) Bittencourt falou pra mim: ‘Concordo com você e vou passar isso pro Nagashi (Furukawa, então secretário de Administração Penitenciária de São Paulo)’. Aí ele ligou pro Nagashi, e o Nagashi falou simplesmente que não iria fazer concessão nenhuma, que não tava ali pra negociar”.
Marcola disse aos deputados que sempre se entendera com Nagashi. Estranhou a “intransigência”. Disse que a transferência dos presos foi interpretada nas cadeias como um “gesto político” do secretário de Administração Penitenciária.
“A gente tem noção política, somos politizados”, disse o líder do PCC. “Então a gente sabe, em determinado momento, se faz uma situação (...) que nem essa transferência do Nagashi. A gente sabia que ali era uma forma de ele dar uma resposta pra sociedade, dizendo ‘ó, tranquei toda uma liderança, isolei todos e tal’, e pronto”.
O relator da CPI, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), perguntou a Marcola se o objetivo do governo paulista teria sido o de “dar uma demonstração de força”. E o criminoso: “Pra promover o (Geraldo) Alckmin (candidato do PSDB à presidência). Certo que o tiro saiu pela culatra. E como! A gente é usado. Ou não é usado?” Marcola não foi contestado por nenhum dos inquiridores.
Dois dias depois da negociação malograda do Deic, a cúpula da polícia paulista dobrou os joelhos. Autoridades policiais voaram, em avião do Estado, da capital paulista para Presidente Bernardes, para onde Marcola fora levado. Estava também a bordo a advogada Iracema Vasciaveo. Reuniram-se com Marcola à noite, na sala da direção do presídio. Àquela altura, havia 52 pessoas mortas e 57 cadeias rebeladas.
Marcola foi instado a se comunicar, pelo celular, com líderes do PCC em outras cadeias, para avisar que não sofrera agressões físicas. Seria a senha para acabar com a onda de ataques. Recusou-se. Mas indicou outra pessoa para falar ao telefone: o preso LH, iniciais de Luiz Henrique, que se encontrava na mesma prisão de Presidente Bernardes. Contou aos membros da CPI que a ligação foi feita. Recusou-se, porém, a informar o nome de quem estava do outro lado da linha (Leia mais abaixo).
Escrito por Josias de Souza às 03h08
‘E os deputados o que fazem? Roubam para caralho’
A sessão reservada de inquirição de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, transcorria em tom cordial. Súbito, o presidente da CPI do Tráfico de Armas, deputado Moroni Torgan (PFL-CE) alteou o timbre de voz. Tentava arrancar do interrogado o reconhecimento de que comanda o PCC. Acusou a facção criminosa de aproveitar-se dos presos, obrigando-os a reincidir no crime depois de libertados da cadeia, para financiar o PCC. Marcola não gostou nem do tom de voz do deputado nem das observações. E pediu respeito. Abaixo, o trecho mais elétrico da discussão:
- Moroni: O que existe é uma organização criminosa.
- Marcola: Vamos parar o grito (...).
- Moroni: Uma organização criminosa.
- Marcola: Vamos gritar. É isso que o senhor quer?
- Moroni: Eu falo do jeito que eu quiser (...).
- Marcola: Não grita, pô!
(...)
- Moroni: Agora eu quero dizer, com todo o respeito que eu tenho pela humanidade: o PCC existe para explorar os coitados dos presos que têm que sair para rua e trabalhar para eles. Tem que trabalhar, tem que ser criminoso. Se tu saíres, pagar tua pena, tu tens que ir para rua para ser criminoso.
- Marcola: E o que é que os deputados fazem? Não roubam também? Roubam para caralho, meu!
- Moroni: É, isso vai ser outra coisa que tu vai ser indiciado também.
- Marcola: Só porque deputado rouba eu vou ser indiciado?
- Moroni: Por desacato. Disso tu vais ser indiciado.
- Marcola: Que moral tem algum deputado para vir gritar na minha cara? Nenhuma.
- Moroni: Todo homem de bem tem moral de falar.
- Marcola: Mas quem disse que... Cadê o homem de bem? Todo bandido fala que é homem de bem.
Antes do término da inquirição Marcola desculpou-se com Moroni. Lamentou ter conspurcado o seu depoimento com um “palavrão”. Não foi indiciado. As acusações que dirigiu aos congressistas ficaram flutuando na atmosfera da sala do presídio de Presidente Venceslau. Impunes.
‘A culpa pelo caos é do Marcola, não é do Alckmin’
Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, tentou negar aos membros da CPI do Tráfico de Armas que fosse o líder máximo do PCC. Insinuou que o “mito” é obra do governo de São Paulo. O nome do candidato tucano Geraldo Alckmin foi mencionado quatro vezes. Sempre em tom pejorativo.
Marcola declarou aos deputados, com um riso nos lábios: “Fui criado por determinadas pessoas, agindo de má-fé para ter um bode expiatório. E cada vez que as coisas dessem errado e eles não soubessem como controlar e a quem punir, tinha lá o Marcola”.
“É muito fácil ter um cara igual a mim”, prosseguiu o bandido. “Se eu fosse político, eu ia arrumar um Marcola também. Se eu fosse um governador, ter um Marcola, não é bom, não? A segurança pública tá um caos, a culpa é do Marcola, não é do Alckmin. Nunca. Infelizmente. Essa é a realidade (...) Então, quem lidera é o Alckmin”.
À medida que o depoimento avançou, Marcola foi revelando os traços do líder que alega ser “fabricado”. Disse que a idéia do PCC nasceu em 93, época em que estava nas ruas, assaltando bancos. A facção tomou corpo em 95, quando já se encontrava preso. Admitiu ter sido um dos formuladores da “parte ideológica” da facção.
Apresentando-se como “autodidata” –“O Estado nunca me deu nada”—, Marcola ofereceu aos deputados pistas da origem da “ideologia” do PCC. “A gente leu muito sobre Lenin, sobre a formação do Partido Comunista Brasileiro”. Disse ter buscado outras inspirações. A estrutura do PCC “não é só leninista”. Citou Mao Tse-tung.
Segundo Marcola, o PCC formou uma rede de proteção à população carcerária de São Paulo. A facção é sustentada financeiramente por bandidos que agem fora das cadeias. Negou-se a mencionar valores. “É muito dinheiro”, limitou-se a dizer. A assistência é estensiva às famílias dos detentos.
Marcola também admitiu que os presos passaram a enxergá-lo como líder depois do desgaste de Geleião, o primeiro mandachuva do PCC. Geleião caiu porque adotava métodos terroristas –“Ele quis explodir a Bolsa de Valores”— e extorquia os presos. Alçado à testa da facção, Marcola disse ter descentralizado a liderança. Instado a nominar os integrantes da cúpula, ele riu. E disse: “Com todo respeito, senhor deputado, o senhor quer me matar ou o senhor quer fazer o quê comigo?
Perguntou-se a Marcola o que achou da troca de comando na secretaria de Assuntos Penitenciários –saiu Nagashi Furukawa e entrou Luiz Carlos Catirse. A resposta do criminoso embutiu uma ameaça de recrudescimento da violência:
“A gente sabe que ele (Catirse) tem pouco tempo, 6 meses, inclusive ele tem uma situação muito complicada na mão: são várias penitenciárias destruídas, eleições daqui a 3 meses, ele não pode muito com repressão porque as coisas podem voltar a acontecer novamente. Então, eu acho que ele está numa situação difícil, o secretário”.
Crime organizado
"E os deputados o que fazem?! Roubam pra caralho!"
Marcos Camacho, o Marcola
Polícia negociou com PCC antes e depois de ataques
A cúpula da polícia de São Paulo não negociou com criminosos só depois de deflagrada a onda de ataques que aterrorizou São Paulo no início de maio. Sentou-se com líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital) também antes do agravamento da crise.
Detalhes das duas tentativas de entendimento constam de depoimento que Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, prestou a deputados da CPI do Tráfico de Armas. Acusado de ter ordenado os ataques, Marcola foi ouvido em sessão reservada, no dia 8 de julho, na penitenciária de Presidente Bernardes (SP).
A inquirição foi gravada. Durou quatro horas e 13 minutos. A transcrição ocupa 205 páginas (leia a íntegra aqui). Marcola contou que, em 12 de maio, dia em que começaram os ataques do PCC, foi levado à presença de Godofredo Bittencourt, diretor do Deic (Departamento de Investigações sobre Crime Organizado).
Em encontro testemunhado por cerca de 15 autoridades policiais, Godofredo perguntou a Marcola o que poderia ser feito para estancar as rebeliões em presídios e os assassinatos em série de policiais. Àquela altura, só havia duas cadeias rebeladas –Iaras e Araraquara; contavam-se quatro policiais mortos.
Marcola diz ter pedido comida, cobertores e direito a banho de sol para 765 presos que haviam sido transferidos na véspera para uma cadeia de Presidente Vesceslau. Pediu também que fosse mantida a visita do Dia das Mães. Seria no domingo seguinte. E fora cancelada. Atendidas às reivindicações, prometeu interceder pelo fim da violência.
Conforme o relato de Marcola à CPI, o diretor do Deic concordou com as exigências. “O dr. (Godofredo) Bittencourt falou pra mim: ‘Concordo com você e vou passar isso pro Nagashi (Furukawa, então secretário de Administração Penitenciária de São Paulo)’. Aí ele ligou pro Nagashi, e o Nagashi falou simplesmente que não iria fazer concessão nenhuma, que não tava ali pra negociar”.
Marcola disse aos deputados que sempre se entendera com Nagashi. Estranhou a “intransigência”. Disse que a transferência dos presos foi interpretada nas cadeias como um “gesto político” do secretário de Administração Penitenciária.
“A gente tem noção política, somos politizados”, disse o líder do PCC. “Então a gente sabe, em determinado momento, se faz uma situação (...) que nem essa transferência do Nagashi. A gente sabia que ali era uma forma de ele dar uma resposta pra sociedade, dizendo ‘ó, tranquei toda uma liderança, isolei todos e tal’, e pronto”.
O relator da CPI, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), perguntou a Marcola se o objetivo do governo paulista teria sido o de “dar uma demonstração de força”. E o criminoso: “Pra promover o (Geraldo) Alckmin (candidato do PSDB à presidência). Certo que o tiro saiu pela culatra. E como! A gente é usado. Ou não é usado?” Marcola não foi contestado por nenhum dos inquiridores.
Dois dias depois da negociação malograda do Deic, a cúpula da polícia paulista dobrou os joelhos. Autoridades policiais voaram, em avião do Estado, da capital paulista para Presidente Bernardes, para onde Marcola fora levado. Estava também a bordo a advogada Iracema Vasciaveo. Reuniram-se com Marcola à noite, na sala da direção do presídio. Àquela altura, havia 52 pessoas mortas e 57 cadeias rebeladas.
Marcola foi instado a se comunicar, pelo celular, com líderes do PCC em outras cadeias, para avisar que não sofrera agressões físicas. Seria a senha para acabar com a onda de ataques. Recusou-se. Mas indicou outra pessoa para falar ao telefone: o preso LH, iniciais de Luiz Henrique, que se encontrava na mesma prisão de Presidente Bernardes. Contou aos membros da CPI que a ligação foi feita. Recusou-se, porém, a informar o nome de quem estava do outro lado da linha (Leia mais abaixo).
Escrito por Josias de Souza às 03h08
‘E os deputados o que fazem? Roubam para caralho’
A sessão reservada de inquirição de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, transcorria em tom cordial. Súbito, o presidente da CPI do Tráfico de Armas, deputado Moroni Torgan (PFL-CE) alteou o timbre de voz. Tentava arrancar do interrogado o reconhecimento de que comanda o PCC. Acusou a facção criminosa de aproveitar-se dos presos, obrigando-os a reincidir no crime depois de libertados da cadeia, para financiar o PCC. Marcola não gostou nem do tom de voz do deputado nem das observações. E pediu respeito. Abaixo, o trecho mais elétrico da discussão:
- Moroni: O que existe é uma organização criminosa.
- Marcola: Vamos parar o grito (...).
- Moroni: Uma organização criminosa.
- Marcola: Vamos gritar. É isso que o senhor quer?
- Moroni: Eu falo do jeito que eu quiser (...).
- Marcola: Não grita, pô!
(...)
- Moroni: Agora eu quero dizer, com todo o respeito que eu tenho pela humanidade: o PCC existe para explorar os coitados dos presos que têm que sair para rua e trabalhar para eles. Tem que trabalhar, tem que ser criminoso. Se tu saíres, pagar tua pena, tu tens que ir para rua para ser criminoso.
- Marcola: E o que é que os deputados fazem? Não roubam também? Roubam para caralho, meu!
- Moroni: É, isso vai ser outra coisa que tu vai ser indiciado também.
- Marcola: Só porque deputado rouba eu vou ser indiciado?
- Moroni: Por desacato. Disso tu vais ser indiciado.
- Marcola: Que moral tem algum deputado para vir gritar na minha cara? Nenhuma.
- Moroni: Todo homem de bem tem moral de falar.
- Marcola: Mas quem disse que... Cadê o homem de bem? Todo bandido fala que é homem de bem.
Antes do término da inquirição Marcola desculpou-se com Moroni. Lamentou ter conspurcado o seu depoimento com um “palavrão”. Não foi indiciado. As acusações que dirigiu aos congressistas ficaram flutuando na atmosfera da sala do presídio de Presidente Venceslau. Impunes.
‘A culpa pelo caos é do Marcola, não é do Alckmin’
Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, tentou negar aos membros da CPI do Tráfico de Armas que fosse o líder máximo do PCC. Insinuou que o “mito” é obra do governo de São Paulo. O nome do candidato tucano Geraldo Alckmin foi mencionado quatro vezes. Sempre em tom pejorativo.
Marcola declarou aos deputados, com um riso nos lábios: “Fui criado por determinadas pessoas, agindo de má-fé para ter um bode expiatório. E cada vez que as coisas dessem errado e eles não soubessem como controlar e a quem punir, tinha lá o Marcola”.
“É muito fácil ter um cara igual a mim”, prosseguiu o bandido. “Se eu fosse político, eu ia arrumar um Marcola também. Se eu fosse um governador, ter um Marcola, não é bom, não? A segurança pública tá um caos, a culpa é do Marcola, não é do Alckmin. Nunca. Infelizmente. Essa é a realidade (...) Então, quem lidera é o Alckmin”.
À medida que o depoimento avançou, Marcola foi revelando os traços do líder que alega ser “fabricado”. Disse que a idéia do PCC nasceu em 93, época em que estava nas ruas, assaltando bancos. A facção tomou corpo em 95, quando já se encontrava preso. Admitiu ter sido um dos formuladores da “parte ideológica” da facção.
Apresentando-se como “autodidata” –“O Estado nunca me deu nada”—, Marcola ofereceu aos deputados pistas da origem da “ideologia” do PCC. “A gente leu muito sobre Lenin, sobre a formação do Partido Comunista Brasileiro”. Disse ter buscado outras inspirações. A estrutura do PCC “não é só leninista”. Citou Mao Tse-tung.
Segundo Marcola, o PCC formou uma rede de proteção à população carcerária de São Paulo. A facção é sustentada financeiramente por bandidos que agem fora das cadeias. Negou-se a mencionar valores. “É muito dinheiro”, limitou-se a dizer. A assistência é estensiva às famílias dos detentos.
Marcola também admitiu que os presos passaram a enxergá-lo como líder depois do desgaste de Geleião, o primeiro mandachuva do PCC. Geleião caiu porque adotava métodos terroristas –“Ele quis explodir a Bolsa de Valores”— e extorquia os presos. Alçado à testa da facção, Marcola disse ter descentralizado a liderança. Instado a nominar os integrantes da cúpula, ele riu. E disse: “Com todo respeito, senhor deputado, o senhor quer me matar ou o senhor quer fazer o quê comigo?
Perguntou-se a Marcola o que achou da troca de comando na secretaria de Assuntos Penitenciários –saiu Nagashi Furukawa e entrou Luiz Carlos Catirse. A resposta do criminoso embutiu uma ameaça de recrudescimento da violência:
“A gente sabe que ele (Catirse) tem pouco tempo, 6 meses, inclusive ele tem uma situação muito complicada na mão: são várias penitenciárias destruídas, eleições daqui a 3 meses, ele não pode muito com repressão porque as coisas podem voltar a acontecer novamente. Então, eu acho que ele está numa situação difícil, o secretário”.