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Palavrão tambem é cultura

Enviado: 07 Ago 2006, 12:37
por Spitfire
PALAVRÃO TAMBEM É CULTURA

Durante quatro anos, o respeitável etnólogo pernambucano Mário Boaventura Souto Maior, hoje com 58 anos, recebeu pelo correio os mais chocantes palavrões. Longe de ofender-se, ele anotou-os criteriosamente – e mais: em seus contatos com qualquer pessoa, fosse num cabaré ou numa casa de família, levava deliberadamente a conversa para terrenos escabrosos e escatológicos; e em seu gabinete de trabalho, madrugada adentro, atirava-se sofregamente à leitura de todo livro em que, com a voluptuosidade de um adolescente voyeur, pudesse encontrar vulgaridades. Em julho de 1974, finalmente, quando já havia recolhido mais de 3000 vocábulos dessa natureza, compondo o primeiro "Dicionário do Palavrão e Termos Afins" do Brasil, Souto Maior foi informado pela Polícia Federal de que a Comissão de Moral e Civismo do Ministério da Educação considerava a obra literalmente impublicável.

Foi preciso esperar cinco anos para que as autoridades de Brasília, no mês passado, liberassem o livro pioneiro do etnólogo, apresentado agora como um trabalho de relevante importância para a cultura nacional. Além do nihil obstat e dos louvores governamentais, o dicionário vai para o prelo com prefácio do sociólogo Gilberto Freyre, orelhas do juiz de Direito carioca Eliézer Rosa, comentários de Aurélio Buarque de Holanda, capa de Francisco Brennand e contracapa de Jorge Amado, indiscutível autoridade no assunto. Com 5 000 exemplares, deverá marcar a estréia da Editora Guararapes, do Recife, no próximo mês de agosto.

DE NORTE A SUL - A Gilberto Freyre se deve, além do prefácio, a própria existência do dicionário. Com efeito, o que Souto Maior pretendia, ao iniciar o seu trabalho, em 1970, era simplesmente um "Vocabulário Popular do Sexo". Consultado, Gilberto Freyre lhe disse que não haveria material para tanto, pois os palavrões que temos, trazidos pelos colonizadores e pelos clássicos portugueses, não chegam a sessenta. Por que, então, sugeriu o autor de "Alhos e Bugalhos", não fazer algo mais ambicioso, um dicionário do palavrão e termos afins?

Sugestão aceita, Souto Maior elaborou um questionário, enviado a 3 800 pessoas, entre as quais escritores. Pôs-se a anotar o que ouvia em toda parte e atravessou, com a voracidade de um cupim, perto de 300 clássicos brasileiros e portugueses. Essas leituras, aliás, o levariam a curiosas constatações, como a da pudicícia de José de Alencar e Machado de Assis, por exemplo, que jamais escreveram um palavrão. Já as respostas ao questionário lhe permitiram saber, entre outras coisas, que a cidade do Rio de Janeiro é a mais pornográfica, ou pornofônica, do Brasil, na medida em que forneceu cerca de 35% dos verbetes.

"Parece que isso se deve ao fato de o carioca só querer fazer humor e amor", arrisca Souto Maior. Em segundo lugar vêm os baianos - e também aqui o etnólogo não vê mistérios: "Talvez Jorge Amado tenha razão quando diz 'Bahia de Todos os Santos e de Todos os Pecados' ". 0 terceiro e quarto postos indicam um quase empate entre São Paulo e Porto Alegre, com ligeira vantagem para a capital paulista. Em quinto lugar, bem mais abaixo, está Recife. Na outra ponta desse ranking, não resta dúvida de que o galardão da castidade vocabular pertencerá a Teresina, ou a São Luís do Maranhão, cada uma delas contribuindo com minguados 5% para o dicionário. "E isso por uma razão muito simples", explica Souto Maior: trata-se de cidades ainda semi-rurais, onde a televisão chegou há relativamente pouco tempo.

COMO 0 SAMBA - "Um palavrão cresce de acordo com a densidade demográfica do local onde surgiu", sentencia o etnólogo. "Assim, um palavrão surgido no Rio de Janeiro tem muito mais condições de se tornar nacional que um nascido no Ceará, por exemplo." É no Rio, ainda, que ele localiza a maior fartura de variantes de palavrões - como pó, cacilda, putzgrila e tantos outros que o Pasquim consagrou. Estas amostras, precisamente, viriam comprovar a tese de Souto Maior, de que o palavrão tende a percorrer trajetória semelhante à do samba, que desce do morro, ganha o asfalto e ali se sofistica em quilométricos sambas-enredo: "0 palavrão também, ele sai do meio do povo, sobe à classe média e atinge a elite intelectual, que, como no caso do Pasquim, o recria à sua maneira".

A anatomia humana, muito explicavelmente, constitui abundante fonte de inspiração, em especial os órgãos genitais masculinos e femininos. Só para pênis, por exemplo, Souto Maior coletou mais de 200 designações, do Oiapoque ao Chuí. Nem sempre esses epítetos têm uma clara relação com seu objeto - como os desconcertantes "migué" e "mané souza", nomes quase próprios que em certos pontos do nordeste remetem à genitália da mulher e à do homem, respectivamente. Na maioria dos casos, segundo o etnólogo, "o palavrão é um desabafo nascido de um momento de revolta, adversidade, sofrimento, admiração ou espanto". E, embora se tenha tornado "um modismo exagerado", não se pode negar sua contribuição à cultura. "Sim", defende Souto Maior, "palavrão é cultura, porquanto é literatura. Nos cursos que dou, ele participa como literatura oral e literatura de latrina".


:emoticon4:

Re.: Palavrão tambem é cultura

Enviado: 07 Ago 2006, 12:39
por Spitfire
Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.

"Pra caralh*", por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que "Pra caralh*"? "Pra caralh*" tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas pra caralh*, o Sol é quente pra caralh*, o universo é antigo pra caralh*, eu gosto de cerveja pra caralh*, entende?

No gênero do "Pra caralh*", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "Nem fodendo!". O "Não, não e não!" e tampouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, absolutamente não!" o substituem. O "Nem fodendo" é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência.
Solte logo um definitivo "Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM
FODENDO!". O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicínio.

Por sua vez, o "p*rra nenhuma!" atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano
profissional. Como comentar a bravata daquele chefe idiota senão com um "é PhD p*rra nenhuma!", ou "ele redigiu aquele relatório sozinho p*rra nenhuma!". O "p*rra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha. São dessa mesma gênese os clássicos "aspone", "chepone", "repone" e, mais recentemente, o "prepone" - presidente de p*rra nenhuma.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um
"Puta-que-pariu!", ou seu correlato "Puta-que-o-pariu!", falados assim,
cadenciadamente, sílaba por sílaba...
Diante de uma notícia irritante qualquer um "puta-que-o-pariu!" dito assim
te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no c*!"? E sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no olho do seu c*!". Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega!
Vai tomar no olho do seu c*!". Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e saia à rua, vento batendona face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.

Seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu!". E sua derivação mais
avassaladora ainda: "Fodeu de vez!". Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? "Fodeu de vez!". Sem contar que o nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? O "foda-se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta. "Não quer sair comigo? Então foda-se!". "Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!". O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal.
Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se.


Millôr Fernandes

Re.: Palavrão tambem é cultura

Enviado: 07 Ago 2006, 12:43
por Johnny
QUe M.

Re: Re.: Palavrão tambem é cultura

Enviado: 07 Ago 2006, 12:50
por Spitfire
Johnny escreveu:QUe M.


F*da-se. :emoticon16:

Re.: Palavrão tambem é cultura

Enviado: 07 Ago 2006, 15:10
por Hrrr
palavrao eh tao cultural que os metaleiros de banda usam muito eles :emoticon1:

Re.: Palavrão tambem é cultura

Enviado: 07 Ago 2006, 15:47
por ....
O Aurélio é muito culto. Especialmente com o pensador. A expulsão dele é uma conspiração direitista típica contra a cultura...

Re: Re.: Palavrão tambem é cultura

Enviado: 08 Ago 2006, 22:53
por Steve
é foda essa porra de censura contra palavrão!!