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A proximidade do apocalipse

Enviado: 10 Ago 2006, 05:02
por Pug
A proximidade do apocalipse
por Noam Chomsky/ entrevistado por Merav Yudilovitch

Na semana passada, um grupo de intelectuais de renome publicou uma carta aberta culpando Israel por escalar o conflito no Médio Oriente. A carta, que se referia principalmente ao alinhamento de forças entre Israel e a Autoridade Palestina, provocou um bocado de raiva entre os leitores do [diário israelense] Ynet e Ynetnews , particularmente devido à sua afirmação de que o objectivo político da actuação israelense é eliminar a nação palestina.

A carta foi formulada pelo crítico de arte e escritor John Berger e entre os seus signatários estão o dramaturgo Harold Pinter, Prémio Nobel; o linguista Noam Chomsky, Prémio Nobel, o escritor José Saramago, Prémio Nobel; a escritora Arundhati Roy, Prémio Booker; o escritor americano Russell Banks; o escritor e dramaturgo Gore Vidal; e o historiador americano Howard Zinn.

Prof. Chomsky, o sr. afirmou que toda a provocação e contra-provocação serve para distrair da questão real. O que significa isso?

Suponho que esteja a referir-se à carta de John Berger (que eu assinei, juntamente com outros). A "questão real" que está a ser ignorada é a destruição sistemática de quaisquer perspectivas para a existência palestina viável quando Israel anexa terras e os principais recursos, deixando os territórios reduzidos assinalados aos palestinos como cantões inviáveis, amplamente separados uns dos outros e do pedacinho de Jerusalém deixado ao palestinos, além de completamente aprisionados quando Israel toma o vale do Jordão.

Este programa de reestruturação, cinicamente disfarçado como "retirada", é naturalmente completamente ilegal, viola resoluções do Conselho de Segurança e a decisão unânime do Tribunal Mundial (incluindo a declaração divergente do juiz americano Buergenthal). Se for implementado tal como planeado, isto significa o fim de um consenso internacional muito vasto sobre uma solução de dois estados que os EUA e Israel têm bloqueado unilateralmente durante 30 anos — assuntos que estão tão bem documentados que não precisarei revê-los aqui.

Voltando à sua questão específica, mesmo uma vista casual à imprensa do ocidente revela que os desenvolvimentos cruciais nos territórios ocupados são ainda mais marginalizados com a guerra no Líbano. A destruição em curso em Gaza — a qual foi raramente relatado com seriedade com o destaque devido — desvaneceu-se dentro das questões gerais, e a tomada sistemática do West Bank virtualmente desapareceu.

Contudo, eu não iria até o ponto implícito na sua pergunta de que isto foi um propósito da guerra, embora seja claramente o efeito. Deveríamos recordar que Gaza e o West Bank são reconhecidos como uma unidade, de modo que se a resistência aos programas destrutivos e ilegais de Israel é legítima dentro do West Bank (e seria interessante ver um argumento racional em contrário), então é legítima também em Gaza.

O sr. afirma que os media mundial recusam-se a fazer a ligação entre o que está a acontecer nos territórios ocupados e no Líbano?

Sim, mas essa é a menor das acusações que deve ser feita contra os media mundiais, e na generalidade contra as comunidades intelectuais. Uma das muito mais severas é levantado no parágrafo de abertura da carta de Berger.

Recorde os factos. Em 25 de Junho o sargento Gilad Shalit foi capturado, provocando enormes gritos de ultraje por todo o mundo, continuados diariamente de forma berrante, e uma escalada aguda nos ataques israelenses a Gaza, apoiado na base de que a captura de um soldado é um crime grave pelo qual a população deve ser punida.

Na véspera, em 24 de Julho, forças israelenses haviam sequestrado dois civis de Gaza, Osama e Mustafa Muamar, o que de acordo com todos os critérios é de longe um crime mais grave do que a captura de um soldado. Os sequestros de Muamar certamente chegaram ao conhecimento dos principais media do mundo. Eles foram relatados de imediato na imprensa israelense de língua inglesa, basicamente em nota de imprensa das IDF (Israel Defense Forces). E houve uns poucos, breves, dispersos e desdenhosos relatos em vários jornais nos EUA.

De forma muito reveladora, não houve comentários, nenhuma comentário posterior e nenhum apelo a ataques militares ou terroristas contra Israel. Um pesquisa no Google revelará rapidamente o significado relativo no ocidente do sequestro de civis pelas IDF e a captura de um soldado israelense no dia seguinte.

Os eventos postos lado a lado, com um dia de intervalo, demonstram com dura clareza que o show de ultraje em torno da captura de Shalit foi uma fraude cínica. Eles revelam que pelos padrões morais do ocidente o sequestro de civis é perfeitamente justo se for feito pelo "nosso lado", mas a captura de um soldado do "nosso lado" no dia seguinte é um crime desprezível que exige a punição severa da população.

Como escreveu com precisão Gideon Levy em Haaretz, o sequestro de civis pelas IDF na véspera da captura do sargento Shalit desnuda qualquer "base legítima para a operação das IDF" e, podemos acrescentar, qualquer base legítima para o apoio a estas operações.

Os mesmo princípios morais elementares aplicam-se ao sequestro de 12 de Julho dos dois soldados israelenses perto da fronteira do Líbano, intensificado, neste caso, pela prática regular israelense durante muitos anos de sequestrar libaneses e manter muitos deles como reféns por longos períodos.

Verdadeiramente deplorável

Ao longo dos muitos anos em que Israel executou tais práticas de forma regular, mesmo com sequestros em alto mar, ninguém argumentou que estes crimes justificavam o bombardeamento de Israel, a invasão e destruição de grande parte do país, ou acções terroristas dentro dele. As conclusões são cabais, claras e totalmente sem ambiguidades — portanto são suprimidas.

Tudo isto é, obviamente, de importância extraordinária no caso presente, particularmente neste momento dramático. É por isso, suponho, que os media "de referência" preferem evitar os factos cruciais, além de umas poucas frases dispersas e desdenhosas, revelando que eles consideram o sequestro um assunto sem importância quando executado pelas forças israelenses apoiadas pelos EUA.

Apologistas de crimes de estado afirmam que o sequestro dos civis em Gaza é justificado pelas afirmações das IDF de que eles são "militantes do Hamas" ou estavam a planear crimes. Pela sua lógica, eles deveriam portanto estar a louvar a captura de Gilad Shalit, um soldado de um exército que estava a bombardear Gaza. Estas actuações são verdadeiramente desgostantes.

Está a falar em primeiro lugar e antes de tudo acerca do reconhecimento da nação palestina, mas será que isto resolverá a "ameaça iraniana"? Será que isto afastará o Hezbollah da fronteira israelense?

Virtualmente todos os observadores informados concordam que uma resolução justa e equitativa do problema dos palestinos enfraqueceria consideravelmente a raiva e o ódio a Israel e aos EUA nos mundos árabe e muçulmano — e até muito além, como revelam inquéritos internacionais. Tal acordo está certamente ao alcance das mãos, se os EUA e Israel abandonarem o seu rejeicionismo tradicional.

Sobre o Irão e o Hezbollah há, naturalmente, muito mais a dizer, e posso mencionar aqui apenas uns poucos pontos centrais.

Vamos principiar pelo Irão. Em 2003 o Irão ofereceu-se para negociar todas as questões pendentes com os EUA, incluindo a questão nuclear e uma solução dois estados para o conflito Israel-Palestina. A oferta foi feita pelo moderado governo Khatami com o apoio do "supremo líder" linha dura Ayatollah Khamenei. A resposta da administração Bush foi censurar o diplomata suíço que transmitiu a oferta.

Em Junho de 2006 o Ayatollah Khamenei emitiu uma declaração oficial afirmando que o Irão concorda com os países árabes sobre a questão da Palestina, o que significava a aceitação do apelo de 2002 da Liga Árabe para a plena normalização de relações com Israel num acordo dois estados com o consenso internacional. O momento sugere que isto pode ter sido uma reprimenda ao seu subordinado Ahmadenijad, a cujas declarações inflamadas é dada vasta publicidade, ao contrário daquelas muito mais importantes do seu superior Khamenei.

A OLP, naturalmente, apoiou oficialmente uma solução dois estados durante muitos anos e apoiou a proposta de 2002 da Liga Árabe. O Hamas também indicou a sua disposição de negociar um acordo dois estados, como certamente é bem sabido em Israel. Considera-se que Kharazzi é o autor da proposta de 2003 de Khatami e Khamanei.

Os EUA e Israel não querem ouvir nada disto. Eles também não querem ouvir que o Irão parece ser o único país a ter aceite a proposta do director da AIEA, Mohammed ElBaradei, de que todas os materiais cindíveis utilizáveis em armas fossem colocados sob controle internacional, um passo rumo a um Tratado de Eliminação de Materiais Cindíveis (Fissile Materials Cutoff Treaty, FMCT) verificável.

A proposta de ElBaradei, se aplicada não só finalizaria a crise nuclear iraniana como também trataria de uma crise muitíssimo mais séria. A crescente ameaça de guerra nuclear, a qual levou eminentes analistas estratégicos a advertirem do 'apocalipse em breve' (Robert McNamara) se as políticas continuarem o seu curso actual.

Os EUA opõem-se fortemente ao FMCT verificável, mas para além das objecções americanas, o tratado foi a votos na Nações Unidas, onde foi aprovado por 147 contra 1, com duas abstenções: Israel, o qual não se pode opor ao seu patrão, e mais curiosamente a Grã-Bretanha de Blair, a qual retem um grau de soberania. O embaixador britânico declarou que Grã-Bretanha apoia o tratado, mas ele "divide a comunidade internacional". Isto, mais uma vez, são assuntos virtualmente suprimidos fora do círculos de especialistas, e são assuntos de sobrevivência literal das espécies, estendendo-se muito para além do Irão.

Costuma-se dizer que a 'comunidade internacional' apelou ao Irão a que abandonasse o seu direito de legal de enriquecer urânio. Isto é verdade, sem definirmos a 'comunidade internacional' como Washington e seja quem for que o acompanhe. Não é certamente verdadeiro em relação ao mundo. Os países não alinhados confirmaram vigorosamente o "direito inalienável" do Irão a enriquecer urânio. E, particularmente notável, na Turquia, Paquistão e Arábia Saudita, a maioria das populações é a favor mais da aceitação de um Irão com armamento nuclear do que de qualquer acção militar americana, revela inquéritos internacionais.

Os países não alinhado também apelaram a um Médio Oriente livre do nuclear, um pedido antigo da autêntica comunidade internacional, mais uma vez bloqueado pelos EUA e Israel. Deveria ser reconhecido que a ameaça das armas nucleares israelenses deve ser tomada muito seriamente no mundo.

Como explicado pelo antigo comandante-em-chefe do US Strategic Command, general Lee Butler, "é extremamente perigoso que no caldeirão de animosidades a que chamamos Médio Oriente, um país se tenha armado, ostensivamente, com acumulação de armas nucleares, talvez da ordem das centenas, e que inspire outros países a fazerem o mesmo". Israel não está a fazer qualquer favor a si próprio se ignorar estas preocupações.

Também tem algum interesse que quando o Irão era dirigido pelo tirano instalado por um golpe militar americano-britânico, os Estados Unidos — incluindo Rumsfeld, Cheney, Kissinger, Wolfowitz e outros — apoiaram fortemente os programas nucleares iranianos que agora condenam e ajudaram a proporcionar ao Irão os meios para prossegui-los. Estes factos certamente não são esquecidos pelos iranianos, assim como não esqueceram o apoio muito forte dos EUA e dos seus aliados a Saddam Hussein durante a sua agressão assassina, incluindo ajudas no desenvolvimento de armas químicas que mataram centenas ou milhares de iranianos.

Meios pacíficos

Há muito mais a dizer, mas parece que a "ameaça iraniana" a que se refere poderia ser abordada por meios pacíficos se os EUA e Israel concordassem. Não podemos saber se as propostas iranianas são sérias, a menos que sejam exploradas. A recusa americano-israelense a explorá-las, e o silêncio dos media dos EUA (e, que eu saiba, dos europeus) sugere que os governos temem que elas possam ser sérias.

Eu deveria acrescentar que para o mundo exterior isto soa um bocado bizarro, para dizer suavemente, pois os EUA e Israel advertem da "ameaça iraniana" quando eles e só eles estão a emitir ameaças de lançar um ataque, ameaças que são imediatas e críveis, e em séria violação do direito internacional, e estão a preparar muito abertamente um tal ataque. Seja o que for que se pense do Irão, nada deste tipo de acusação pode ser feita no seu caso. Também é aparente para o mundo, se não para os EUA e Israel, que o Irão não invadiu quaisquer outros países, algo que os EUA e Israel fazem regularmente.

Também acerca do Hezbollah há questões duras e sérias. Como é bem conhecido, o Hezbollah foi formado em reacção à invasão israelense do Líbano em 1982 e da dura e brutal ocupação em violação das ordens do Conselho de Segurança. Ele ganhou prestígio considerável ao desempenhar o papel de líder na expulsão dos agressores.

A invasão de 1982 foi executada depois de durante um ano Israel ter bombardeado o Líbano regularmente, tentando desesperadamente provocar alguma violação pela OLP da trégua de 1981, e quando isto fracassou atacou de qualquer maneira sob o ridículo pretexto de que o embaixador Argov fora ferido (por Abu Nidal, que estava em guerra com a OLP). A invasão foi claramente destinada, como virtualmente reconhecido, a acabar com as embaraçosas iniciativas da OLP por negociações, uma "verdadeira catástrofe" para Israel, como destacou Yehoshua Porat.

Pretextos vergonhosos

Era, como descrito na altura, uma "guerra pelo West Bank". As últimas invasões também tiveram pretextos vergonhosos. Em 1993 o Hezbollah havia violado "as regras do jogo", anunciou Yitzhak Rabin: estas regras israelenses permitiam a Israel executar ataques terroristas a norte das "zona de segurança" mantida ilegalmente, mas não permitiam retaliação dentro de Israel. A invasão de 1996 de Pere teve pretextos semelhantes. É conveniente esquecer tudo isto, ou cozinhar contos acerca do bombardeio da Galileia em 1981, mas não é uma prática atraente, nem de alguém sensato.

O problema das armas do Hezbollah é bastante sério, não duvido. A Resolução 1559 apela ao desarmamento de todas as milícias libanesas, mas o Líbano não cumpriu aquela disposição. O primeiro ministro sunita Fuad Siniora descreve a ala militar do Hezbollah como "resistência ao invés de uma milícia, e portanto isentou-a" da Resolução 1559.

Um Diálogo Nacional em Junho de 2006 não conseguiu resolver o problema. Sua principal finalidade era formular uma "estratégia de defesa nacional" (em relação a Israel), mas ficou num beco sem saída com o apelo do Hezbollah a "uma estratégia de defesa que permita à Resistência Islâmica manter suas armas como uma dissuasão à possível agressão israelense", na ausência de qualquer alternativa crível. Os EUA podia, se quisessem, proporcionar uma garantia crível contra uma invasão da parte do seu estado cliente, mas isso exigiria uma guinada aguda na sua política tradicional.

Como pano de fundo estão factos cruciais enfatizados por vários correspondentes veteranos no Médio Oriente. Rami Khouri, agora editor do Daily Star do Líbano, escreve que "os libaneses e os palestinos responderam aos persistentes e cada vez mais selvagens ataques de Israel contra populações civis inteiras criando lideranças paralelas ou alternativas que possam protege-las e efectuar serviços essenciais".

Não está a referir-se na sua carta às baixas israelenses. Haverá diferenciação, na sua opinião, entre baixas de guerras civis israelenses e baixas libanesas ou palestinas?

Isso não é exacto. A carta de John Berger é muito explícita acerca de não fazer distinção entre baixas israelenses e outros. Como declara sua carta: "Tantas categorias de mísseis despedaçam corpos horrivelmente — quem excepto comandantes de campo pode esquecer isto por um momento".

Afirmou que o mundo está a cooperar com a invasão israelense do Líbano e não está a interferir nos acontecimentos de Gaza e Jenin. A que se destina este silêncio?

A grande maioria do mundo nada pode fazer senão protestar, embora seja plenamente expectável que a cólera intensa e o ressentimento provocado pela violência americano-israelense — como no passado — demonstrar-se-á ser uma prenda para os elementos mais extremistas e mais violentos, mobilizando novos recrutas para a sua causa.

Tiranias árabes apoiadas pelos EUA condenaram o Hezbollah, mas estão a ser forçadas a recuar devido ao medo das suas próprias populações. Mesmo o rei Abdullah, da Arábia Saudita, o mais leal aliado de Washington (e o mais importante), foi obrigado a dizer que "Se a opção da paz for rejeitada devido à arrogância israelense, então a única opção que resta é a guerra, e ninguém sabe a repercussões que sobreviriam à região, incluindo guerras e conflitos que não poupariam ninguém, incluindo aqueles cujo poder militar está agora a tentá-los brincar com o fogo".

Quanto à Europa, tem má vontade em tomar uma posição contra a administração americana — que tornou claro apoiar a destruição da Palestina e a violência israelenses. Em relação à Palestina, a posição de Bush é extrema e tem suas raízes em políticas anteriores. A semana em Taba, em Janeiro de 2001, é a única interrupção real no rejeicionismo americano em 30 anos.

Anteriormente os EUA também apoiaram fortemente invasões israelenses do Líbano, embora em 1982 e em 1996 tenha obrigado Israel a terminar sua agressão quando as atrocidades estavam a atingir um ponto que prejudicavam os interesses americanos.

Infelizmente, podemos generalizar um comentário de Uri Avnery acerca de Dan Halutz, que "via o mundo abaixo de si através de um visor de bombardeiro". O mesmo também é verdadeiro para Rumsfeld-Cheney-Rice, e outros planeadores de topo da administração Bush, apesar de ocasionais retóricas tranquilizantes. Como revela a história, tal visão do mundo não é incomum entre aqueles que possuem um monopólio virtual dos meios de violência, com consequências que não precisamos rever.

O que será o próximo capítulo neste conflito do Médio Oriente, tal como o vê?

Não conheço ninguém suficientemente temerário para prever. Os EUA e Israel estão a empolgar forças populares que são muito ameaçadoras, e que somente ganharão em poder e que se tornarão mais extremistas se os EUA e Israel persistirem em demolir qualquer esperança de realização dos direitos nacionais palestinos, e destruírem o Líbano. Também deveria ser reconhecido que a preocupação primária de Washington, tal como no passado, é não Israel e o Líbano, mas os vastos recursos energéticos do Médio Oriente, reconhecidos 60 anos atrás serem uma "estupenda fonte de poder estratégico" e "um dos maiores prémios materiais da história mundial".

Podemos esperar com certeza que os EUA continuarão a fazer o que puderem para controlar esta fonte de poder estratégico sem paralelo. Isso pode não ser fácil. A incompetência notável dos planeadores de Bush criou uma catástrofe no Iraque, para os seus próprios interesses também. Eles estão mesmo a enfrentar a possibilidade do pesadelo final: uma aliança xiita a controlar as maiores fontes de energia do mundo, e independente de Washington — ou ainda pior, a estabelecer ligações mais estreitas com a Asian Energy Security Grid e o Conselho de Cooperação de Shangai, com base na China.

Os resultados poderiam ser realmente apocalípticos. E mesmo no pequeno Líbano, o principal académico libanês do Hezbollah, e um duro crítico da organização, descreve o actual conflito em "termos apocalípticos", advertindo que possivelmente "Todo o inferno seria solto" se o resultado da campanha americana-israelense for uma situação em que "a comunidade xiita está a ferver de ressentimento para com Israel, os Estados Unidos e o governo que perceber como seu traidor".

Não é segredo que nos últimos anos Israel ajudou a destruir o nacionalismo secular árabe e a criar o Hezbollah e o Hamas, assim como a violência americana promoveu o ascenso dos extremismo fundamentalista islâmico e o terror da jihad. As razões são compreendidas. Há constantes advertências acerca disto nas agência de inteligência ocidentais, e da parte dos principais especialistas nestes assuntos.

Alguém pode enterrar a cabeça na areia e confortar-se no "consenso difuso" de que aquilo que queremos fazer é "justo e moral" (Maoz), ignorando as lições da história recente, ou a simples racionalidade. Ou pode enfrentar os factos e abordar os dilemas, que são muito sérios, por meios pacíficos. Eles estão disponíveis. O seu êxito nunca pode ser garantido. Mas podemos estar razoavelmente de que ver o mundo através de uma mira de bombardeiro trará novas misérias e sofrimentos, talvez mesmo o 'apocalipse para logo'.


08/Agosto/2006
O original encontra-se em http://www.zmag.org/sustainers/content/ ... homsky.cfm

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Enviado: 10 Ago 2006, 05:10
por Pug
O crime não está a compensar

Por Ruben de Carvalho
Jornalista

A agressão israelita ao Líbano tem introduzido na política internacional alguns factores que, se não completamente inesperados, comportam alguns elementos a merecer reflexão. Um primeiro é que, tendo embora habituado o mundo a um recurso insensato à agressão e à violência militar, Israel tem introduzido nessa política uma frieza que quase sempre se traduz numa tão desconcertante quanto inadmissível impunidade a sustentar uma imoral eficácia. Telavive conta em regime de quase permanência com um conjunto de factores que lhe são favoráveis: antes de mais e determinantemente, o incondicional apoio (político, militar, logístico) de Washington; segundo, um constante jogo com as divisões das nações árabes, sempre causador da ausência de reacções concertadas e eficazes; aliando a estes dois factores uma absoluta falta de qualquer princípio ético. Israel já agrediu, já bombardeou, já raptou, já assassinou, já prendeu, já matou ao longo de anos, sempre porém equilibrando esta política condenada pela comunidade internacional com um pragmatismo que conduz a um inquietante exemplo de situações em que o criminoso ganha com o crime. Contudo, tal parece não se passar desta vez. Manifestamente, a agressão ao Líbano entrou numa não prevista derrapagem que transparece nas declarações dos dirigentes de Israel.

Vários elementos podem ter contribuído para esta situação: os militares israelitas subestimaram a capacidade de resposta do Hezbollah, fosse em combatividade fosse em pura capacidade militar; isto obrigou a uma escalada que está a retirar qualquer vaga margem de justificação aos sistemáticos bombardeamentos em que o Hezbollah é já um vago pretexto face à destruição das infra- -estruturas civis libanesas e ao crescendo do número de mortos civis. E parece evidente que Israel se encontra numa perigosa situação em que a única perspectiva é uma desesperada fuga para a frente, manifestamente sem solução nem saída.Tal como aliás se tinha aqui escrito há duas semanas, tudo parece conduzir para que a realidade fique pior do que estava, seja do ponto de vista de situação no terreno, seja de equilíbrio militar, seja nas vertentes políticas e diplomáticas - incluindo o Iraque. Que Israel e a Administração Bush paguem pelos seus erros, nada tem de mal: o problema é que as verdadeiras vítimas estão sempre entre os povos.

Enviado: 10 Ago 2006, 05:28
por Pug
Voltou o belicismo
por Rogério Fernandes Ferreira
Catedrático de Economia

As ocorrências de conflitos armados são descritas tendenciosamente, favorecendo-se assim a deflagração ou o desenvolver de guerras.

A génese da guerra está na mente dos seus fautores. Lançam os fermentos e invocam Clausewitz. Quem, realmente, quer a paz esforça-se por a encontrar. Conceber e concretizar guerras não é conceber paz.

Culpa-se da guerra o outro lado (pois, nós, temos razão). Nós queremos o legítimo (o que é nosso). O que é nosso? O nosso é o que defendemos, o que queremos tirar aos outros ou o que os outros nos querem tirar a nós.

Os fanáticos das guerras e os amantes das guerras mistificam, propagandeiam e enganam. Invocam que os outros - os inimigos - são maus, mentirosos ou bandidos. Com fins guerreiros mentem, enganam cidadãos e escondem propositadamente as justas razões dos outros.

É com mentiras que se elimina a concórdia e se incitam as populações a guerrearem-se. Se, com verdade, se buscasse a paz, não se teria a guerra.

Os belicistas não se importam com os males que a humanidade sofre com as guerras - mortes, destruições ou holocaustos. A guerra é o seu propósito e tudo fazem para que ela se verifique.

Alguns lamentam as mortes e as destruições havidas, mas apenas as do seu lado. As do outro causam-lhes alegria, regozijo e festejos. A persistente guerra entre israelitas e não israelitas é exactamente exemplo disto.

Os belicistas são inimigos da humanidade. Mandam, são poderosos e agem de modo a que a paz não ocorra. Desejam ganhar (a todo o custo), provocando injustiças e mortes. Que o mundo fique pior (para os outros), o mais não conta - basta que ganhem. A sua ambição, a sua cobiça, o seu desejo é lutar, vencer, aniquilar inimigos, mesmo que inventados.

Os belicistas manipulam e provocam aliciamentos e engodos. Se usassem a verdade, não alcançariam os seus fins, as suas glórias. Aventureiros sem escrúpulos, calculam os seus ganhos líquidos e aí não contam os males infligidos aos outros.

Os belicistas são criminosos. Comprovam-no os julgamentos da História e os julgamentos que hoje faz a opinião pública e também, por vezes, o Tribunal Internacional.

Nas ocorrências que a comunicação social mostra descortinam-se as motivações das práticas criminosas. Muitos dos vencidos (os que não morreram) acabam a confessar práticas ou crimes que contra eles foram cometidos. Ainda não se condenam os crimes dos vencedores, dos mais fortes. Até persiste o mito de considerar mais heróis os que mais matam.

Será ainda possível travar os belicistas? Alcançar a concórdia? A razoabilidade e a justiça?

Recear o pior é motivo para não nos silenciarmos perante o agravar das guerras. Oxalá a comunidade internacional consiga de modo razoável apaziguar os primeiros contendores e não acirrar mais os ânimos. Isso para evitar que se passe aos segundos contendores e assim sucessivamente, até à guerra total, à vitória total! Será a vitória final? Talvez não. Podem não morrer todos os inimigos. Os que restarem, ou seus descendentes, continuarão também na mira da vingança e da vitória final, ou seja, na senda da derrota final da humanidade.

Re.: A proximidade do apocalipse

Enviado: 10 Ago 2006, 05:29
por Pug
Free Aurélio!

Re.: A proximidade do apocalipse

Enviado: 10 Ago 2006, 06:48
por carlo
Porra! Este cara da entrevista do 1º artigo do post, entende deste conflito árabe-israelense, para karaleo!

Re: Re.: A proximidade do apocalipse

Enviado: 10 Ago 2006, 11:06
por Hrrr
Pug escreveu:Free Aurélio!


2

Re: Re.: A proximidade do apocalipse

Enviado: 10 Ago 2006, 11:11
por Tranca
Pug escreveu:Free Aurélio!


Imagem

Re.: A proximidade do apocalipse

Enviado: 10 Ago 2006, 11:20
por O ENCOSTO
Apagado.

Enviado: 10 Ago 2006, 13:15
por spink
Le Monde


10/08/2006

Esses amigos que empurram Israel no abismo

O apoio americano ao Estado judeu é nefasto porque a administração Bush não está interessada em ver a paz se instaurar no Oriente Médio

Tahar Ben Jelloun*
especial para o "Le Monde"

A ameaça a mais séria que pesa sobre Israel talvez seja a paz, mesmo uma paz justa e duradoura, uma paz feita de um reconhecimento mútuo entre dois Estados impelidos a viverem lado a lado, uma paz que seria a aceitação do real, não da fantasia, não dos mitos. Ora, o real é complexo, ele é dificilmente controlável por completo; ele se recusa, sobretudo, a submeter-se aos desejos de dominação e até mesmo de humilhação; ele está sendo monopolizado por enquanto por furores impacientes, cruéis e extremos. É uma realidade marcada pelo trágico, pelo ódio, pelo racismo e a engrenagem da vingança.

É preciso dizer as coisas friamente, porém tais como elas são, ou ao menos, tais como elas estão sendo vivenciadas no mundo árabe: os israelenses, na sua maioria, não têm a menor vontade de viver ao lado dos palestinos porque feridas graves e rancores se acumularam, porque mal-entendidos históricos nunca foram esclarecidos, porque as guerras não pouparam ninguém. Já, os palestinos, por terem sido alvos de uma ocupação feroz e de destruições brutais, não têm a menor vontade de compartilhar o pão, nem de acreditar que eles viverão em paz com um inimigo que erigiu um muro de concreto, um muro de ódio, e que nunca se cansou de persegui-los e de impedi-los de existir, no sentido banal e vital da palavra.

Para existir, é preciso dispor de um Estado com fronteiras contínuas e
seguras, poder freqüentar a escola e depois a universidade, fazer projetos para o futuro, ter um passaporte, viajar, ter uma polícia, um exército, construir estradas, hospitais, parques, creches e casas, sem pensar que um dia elas poderiam ser aniquiladas por tratores e escavadeiras que perseguirão sem trégua seus habitantes por estes serem suspeitos de ter no meio deles indivíduos que resistem à ocupação...

Existir, para Israel, é contar com fronteiras seguras e reconhecidas, com garantias para a segurança dos seus cidadãos, é não ver mais kamikazes que se fazem explodir dentro de um restaurante ou um ônibus, matando inocentes, é não mais temer receber foguetes atirados do outro lado da fronteira, é solucionar de uma vez por todas esta questão de vizinhança, restituindo os territórios ocupados em troca da paz, liberando os prisioneiros, fazendo um grande esforço para renunciar à lenda do Grande Israel, é parar de fazer com que os povos árabes carreguem o crime contra a humanidade que foi o Holocausto, perpetrado em nome de uma ideologia européia, fato este que não deve ser esquecido; e, por fim, é aceitar tornar-se um Estado cuja normalidade não é uma enfermidade.

O que está acontecendo nas últimas três semanas no Líbano e também em Gaza não é uma guerra, e sim, muito simplesmente um grave erro político e militar. Não se massacra inocentes por suspeitar estes de protegerem
elementos do Hizbollah. Não se recusa o cessar-fogo e a negociação a serem administrados sob a supervisão de uma instância neutra, a das Nações Unidas.

Esta intransigência faz com que Israel caia na armadilha do presidente
iraniano Mahmoud Ahmadinejad que gostaria de vê-lo desaparecer.
Infelizmente, esta loucura encontrou um eco ensurdecedor em meio a
populações que estão prontas para partir para o tudo ou nada contra o
sionismo. O discurso deste iraniano não parece ser nenhum incidente
involuntário.

A política de ocupação israelense fez nascer e incentivou o desenvolvimento de um anti-semitismo numa parte não menosprezível das populações árabes. Isso precisa ser dito, assim como é importante lembrar aos dirigentes dos países árabes que o racismo em caso algum promove o recuo da injustiça, que o problema palestino-israelense é um problema colonial e não uma questão religiosa que opõe judeus a muçulmanos. O mundo árabe deveria lutar contra todas as formas de racismo, caso ele quiser ser crível e ser ouvido. Judeus e muçulmanos já chegaram a conviver em meio a uma bonita simbiose social e
cultural, no Marrocos, entre outros, conforme tão bem descreveu o
historiador Haïm Zafrani.

Israel também está se deixando levar, só que por sua livre e plena vontade, pela engrenagem da política desastrosa de George W. Bush. Todos nós sabemos que historicamente, a América sempre foi o apoio indefectível do Estado de Israel, mas, em muitos casos, é preciso saber escolher seus amigos. Ora, Bush não pode fazer nada benéfico para esta região. Ao contrário do que aconteceu com Jimmy Carter e Bill Clinton, ele não está nem um pouco interessado em ver se concretizar um projeto de paz. Bush está assombrado pelo ódio do mundo árabe-muçulmano porque ele é incapaz de compreendê-lo e menos ainda de respeitá-lo. Vai ser preciso que a justiça se debruce um dia desses sobre os crimes cometidos em nome da política deste presidente; a sua arrogância e o seu fanatismo vitimaram centenas de milhares de pessoas no Iraque e, atualmente, por meio do seu apoio sistemático à política de Sharon
e agora do seu sucessor, ele é também responsável pela morte de centenas de civis, sob as bombas que ele manda encaminhar para Israel.

Neste sentido, já não é sem tempo de parar com os massacres. Chegou a hora de dar férias para a morte que ceifa durante o seu sono famílias que nada fizeram, nem contra os israelenses nem contra os palestinos. Chegou a hora de salvar Israel de si mesmo, dos seus amigos que o empurram no abismo. Caso ele prosseguir sua aventura com a mesma maldade e os mesmos erros, uma coisa é certa: jamais ele conhecerá a paz, aquela que reclama uma maioria dos seus cidadãos, aquele que vem sendo defendida corajosamente por uma minoria de intelectuais judeus em todo o mundo, aquela da qual a Palestina precisa para renascer e existir.

Ora, para salvar Israel, é preciso que ele aceite tornar-se um Estado igual a todos os outros, vivendo finalmente em meio a uma normalidade feita de fatos corriqueiros e até mesmo de banalidade, aquilo que talvez seja a base das coisas essenciais, as coisas da vida. É esta mesma normalidade que vem sendo reclamada pela Palestina. O extremismo que hoje está no poder só foi possível porque a política israelense fechou as portas, todas as portas para a coexistência.

Com uma paz verdadeira, este extremismo se apagará sozinho, quando ele não mais terá razão de ser.

Re.: A proximidade do apocalipse

Enviado: 10 Ago 2006, 13:38
por Chingón
Perfeito. Não há argumentos válidos que justifiquem a destruição da economia da Libia. Tudo o que poderiam argumentar contra um lado, poderia ser devolvido na mesma moeda. Afinal Israel sempre raptou e assassinou selectivamente em Gaza e noutros lugares.

Re: Re.: A proximidade do apocalipse

Enviado: 10 Ago 2006, 13:44
por Samael
carlo escreveu:Porra! Este cara da entrevista do 1º artigo do post, entende deste conflito árabe-israelense, para karaleo!


"Este cara" é o Noam Chomsky. Me surpreendeu pela qualidade do texto.

Re: Re.: A proximidade do apocalipse

Enviado: 10 Ago 2006, 13:51
por Chingón
Samael escreveu:
carlo escreveu:Porra! Este cara da entrevista do 1º artigo do post, entende deste conflito árabe-israelense, para karaleo!


"Este cara" é o Noam Chomsky. Me surpreendeu pela qualidade do texto.


O Noam é menos bitolado do que se pensa. Poderiamos pensar que é um esquerdista radical, mas há um episódio que pode desmentir isso. Quando Wilson criou a sociobiologia, ele foi atacado Brutalmente por intelectuais de esquerda (diziam que era ciência burguesa para justificar o Satus Quo dos ricos). Houve quem pedisse a sua expulsão de Harvard. Mas Chomsky defendeu Wilson e achou vergonhoso esse ataque.

Enviado: 11 Ago 2006, 08:45
por Chingón
Realmente, a entrevista a Chomsky mostra uma perfeição de argumentos absolutamente irrefutável.