Trip
Comenta-se que na próxima eleição vai haver uma avalanche dos votos nulos, principalmente entre jovens...
Eu vou votar no Alckmin. Apesar de achar que o Alckmin não tem carisma nenhum ele é um governador competente, fez coisas direitas, é um ser de bem. Mas realmente parece um picolé de chuchu, como diz o [José] Simão. Diante do Lula ele não é nada. O Lula é 20 mil a zero em qualquer populista. O Lula é um craque do marketing, ele conseguiu apropriar tudo o que há no Brasil pra ele, só não conseguiu apropriar o Ronaldo. Porque o Ronaldo devolveu muito bem dizendo que “talvez ele bebesse tanto quanto ele é gordo”.
Você já chegou a pensar em se candidatar a alguma coisa?
Não. Não. Nunca quis ser político, não tenho condição porque não tenho paciência. Sou muito ansioso, ingênuo, de certa forma sou meio bobo. Acho que talvez mais do que eu pensava. Nesse sentido sou muito “romântico”. Não tenho lucidez nem maquiavelismo suficiente pra ser político. Dançaria na hora.
Em alguns textos, e sobretudo nos seus filmes, você parece ter uma visão bem feminina das coisas. Você concorda?
Talvez. Acho que a mulher encarna uma forma de delicadeza, uma certa ingenuidade. Talvez precisássemos um pouco disso para combater a boçalidade masculina típica e básica que atinge o país. Nesse sentido da mulher como uma espécie de metáfora de uma inocência perdida talvez eu faça coisas femininas.
Muitos também acham que você é machista...
Olha, eu acho que sou muito machista ainda. Eu fiz muitos anos de psicanálise, e agora eu tô fazendo de novo, depois de muitos anos, e com uma mulher. É uma experiência sensacional. É a primeira vez que entrego totalmente a minha cabeça pra uma mulher, quase que numa bandeja de prata. Sou uma Salomé de mim mesmo.
Faz quanto tempo?
Um ano e meio. Está sendo genial descobrir como sou moralista e machista, no fundo Sou muito moralista e machista, muito mais do que pensava.
Você tem dito muitas vezes que os homens são muito mais óbvios do que as mulheres, que as mulheres têm muito mais verdade...
É, às vezes a gente fala coisas pra ver se come alguém, né?
Sexo é poesia, amor é prosa. Você gosta mais de poesia ou de prosa?
Acho que prefiro a poesia, eu gosto da poesia que é uma arte mais rápida. Menos falação, e mais ação.
Assunto clássico nessas entrevistas: como você começou na “poesia”?
Na minha época era difícil comer alguém. Fui virgem até os 16 anos. A primeira vez que transei foi com uma aeromoça que me apanhou no teatro assim, no intervalo de uma ópera.
Aeromoça? Ópera, aos 16?
Em vez de jogar futebol, e apanhar mulheres, eu ia pra ópera com os amigos. Um dia, no intervalo da Traviata uma aeromoça me achou mais bonitinho, começou a me paquerar, me levou pra casa dela. E aí que fui deflorado.
Falando em deflorado, você tem um artigo comentando a nudez das mulheres nas revistas. Você critica e diz que isso é uma antropofagia...
É truque meu. Mulher nua é a melhor coisa que tem! Andei escrevendo umas coisas sobre bundas, celulites. Mas aí é necessidade do assunto. Você é jornalista então sabe que o assunto, como dizia o Nelson Rubens, é o autor do autor. Você precisa de um assunto, nem que seja uma bunda de mulher.
Falando em mulheres, na mais recente Páginas Negras da Trip a Daniella Cicarelli declarou que lhe mandaria um e-mail. Ela mandou?
Sim. Eu a conheci, saí com ela. Ficou minha amiga. É uma doce figura, e uma das mulheres mais lindas do mundo. É muito inteligente também.
Amiga, né?
É, fomos ao teatro ver a estréia do Jô, fomos jantar, mas somos apenas bons amigos, como dizem os outros.
Você falou em um artigo que acha impossível a fidelidade. Também é truque ou você acha isso mesmo?
Ah, eu nunca vi, né? Pode ser que exista. Eu nunca conheci nenhum homem fiel.
E mulheres?
Mulher tem. Elas são mais, elas são mais obstinadas, elas são mais obsessivas, mas mudou muito. As mulheres de hoje estão numa atitude extremamente masculina, no sentido antigo da palavra, estão com um comportamento sexual muito mais livre. Até me choco com a facilidade que as mulheres têm em relação ao sexo hoje. Me dá um certo choque, pô. Onde está a pureza, entre aspas, onde está a beleza do amor cortês?
Mas você acha muito ruim isso?
[Risos] Não, isso é bom! Eu acho bom. Fico até com raiva que eu já estou mais velho. Queria que isso acontecesse quando eu tinha 25 anos, pô! [Risos.]
Você tem vícios?
Nenhum. Olha, não bebo, quase. Eu não fumo, não me drogo, nada. E estou tentando emagrecer. Depois de certa idade tem que pensar...
Então vamos voltar aos seus 20 anos. Como foi que você, estudante de direito, chegou ao cinema?
Eu fiz direito, mas eu nunca exerci, nunca fui advogado e nem quero ser. Em 1963 eu me meti na UNE, onde fazia uma revista e o Jornal dos Estudantes. Quando veio o golpe, em 64, eu tinha que arranjar uma profissão, porque eu não podia continuar de estudante porra-louca. E aí, na vida as coisas são muito casuais. Eu gostava de escrever poesia e teatro, e um dia o Cacá [Diegues] falou pra mim: “Faz cinema, pô”. Eu respondi: “Boa idéia”. A vida é assim, você toma um bonde e vai na direção oposta à que você pensava. Da mesma forma, parei de fazer cinema um dia porque acabou meu dinheiro. Eu ia morrer de fome.
Foi quando o Collor acabou com a Embrafilme, em 1990, que tua vida complicou?
Exatamente. Complicou feio. Não tinha dinheiro nem pra comer. Juro por Deus, literalmente eu tinha um apartamento que estava hipotecado, duas filhas pra sustentar e não tinha dinheiro. Aí o [Hector] Babenco me emprestou 10 mil dólares, com os quais vivi uns quatro meses.
E como você saiu dessa?
Um dia vim para São Paulo ver se arranjava uns trampos de publicidade. No avião tava o Fernando Gabeira. Disse: “Pô, Gabeira, você escreve na Folha, você não falaria lá praquela turma que eu gostaria de escrever? Eu tô fodido”. Ele falou com o Otavinho [Frias Filho], coisa rara, porque carioca não ajuda ninguém... [pensa, e murmura: “se bem que o Gabeira não é carioca, é mineiro]. Bom, o Otavinho me chamou e fui trabalhar na Folha. Na minha vida tudo é assim, sem projeto de futuro.
Você alguma vez foi censurado, ou em colunas ou em televisão?
Não, nunca. É óbvio que não sou maluco. Em certos temas, certas situações muitos delicadas, eu mostro pro editor por uma questão de bom senso. Até agora eu tive só duas ou três vezes algumas aporrinhações, alguns processos, incluindo vários processos contra mim. Só do Garotinho tem dois processos. Eu tenho orgulho de ser processado por esses populistas de vigésima. Não, a única vez que tive problema foi quando esculhambei um bispo reacionário que excomungou um juiz que tinha dado autorização pra uma mulher fazer um aborto porque estava com um filho descerebrado no ventre. O Sarney reclamou algumas vezes também porque ele era repetidor da Globo e o esculhambava. Mas a Globo me dá plena liberdade.
Quando você vê seus filmes antigos você gosta ou se envergonha?
Gosto de quase todos, muito. De dois deles gosto menos. Pindorama, que realmente é um filme muito ruim, que eu não tinha capacidade de fazer. Foi meu primeiro filme de ficção. Eu tinha 27 anos de idade, não tinha cultura cinematográfica e também era uma superprodução com uns 500 figurantes. Virou um filme incompreensível, mas tem momentos muito bonitos e uma qualidade técnica extraordinária pra época. Outro filme que me incomoda um pouco hoje é O Casamento.
No DVD do Toda Nudez Será Castigada tem um extra incrível com um depoimento do Nelson Rodrigues...
[interrompendo, com voz de Nelson Rodrigues] “Nem toda mulher gosta de apanhar, só as normais. As neuróticas reagem”. Ele fala isso.
Em todas as tuas entrevistas te perguntam se você não vai voltar a filmar. Para não fugir à regra... Você não vai voltar a filmar?
Às vezes me dá vontade. Tenho umas idéias de um filme, uma espécie de um Amarcord brasileiro. Só que não tenho mais saco pra arranjar dinheiro, pra ficar atrás de distribuidor. Se o cara me arranjar e tiver só de filmar e montar eu acho legal, aí eu faço.
De quais filmes brasileiros recentes você gostou?
Cidade de Deus é um puta filme. Adorei Carandiru. Adorei o Madame Satã, o Cidade Baixa. Um filme que eu adorei também, que pouca gente viu, é Contra Todos, de um cara chamado Roberto Moreira. E teve O Invasor, Cinema, Aspirinas e Urubus, Auto da Compadecida, muito filmes bons e novos.
As revistas e os programas de TV falam sobre mudanças nos relacionamentos amorosos, mas não se fala quase nunca das mudanças nas relações de amizade. Você não acha que elas estão mudando?
Acho que não. É difícil generalizar isso, mas é verdade que eu valorizo mais hoje em dia os amigos do que os casos amorosos. Acho que a amizade é mais comprometida um pouco, ela não tem tantos interesses.
Você concorda que o celular mudou o jeito de as pessoas se relacionarem?
Ah sim, eu acho que a gente não sabe nem avaliar ainda a importância dessa mudança, mas acho que é imensa. Essa comunicação horizontal, instantânea da internet e da eletrônica, com esses orkuts da vida, é uma das maiores mudanças da história da humanidade.
Quais os seus defeitos?
É meio hipócrita falar de defeitos, né, porque a gente no fundo se perdoa. Mas eu sou muito ansioso, eu acho que eu poderia ser menos. Joguei muita coisa fora por ansiedade. Eu fui muito mais egoísta do que eu pensava. Eu tive uma história de vida que me isolou muito dos outros, às vezes. Desprezei mais gente do que eu deveria ter feito. Eu joguei fora experiências muito bonitas. Eu amei mulheres maravilhosas que eu poderia ter amado melhor, ou comido melhor, ou curtido melhor. Eu fui muitas vezes quantitativo e não qualitativo. Mas nunca fiz mal a ninguém, no sentido de prejudicar deliberadamente.
Você tem inimigos?
Ah, sim. Tem muita gente não que me odeia, mas que tem inveja de mim. Com esse contato que tive com a população, com meus trabalhos em TV e jornal, vi que a cabeça das pessoas é muito variada. Esse negócio de achar que tem três ou quatro tipos não vale nada. Tem cada loucura sofisticada pra cacete por aí! Tem cada maneira de ser doido extraordinária. Uma coisa que me impressiona muito é que 90 e tantos por cento das pessoas são egoístas, mesquinhas, incapazes de ver fora de si mesmas, do seu interesse pessoal. A psicopatia generalizada é a doença do século 21.
Você costuma dizer que aprendeu a ser ateu com o seu pai, não...
Na verdade aprendi a ser ateu com os jesuítas. Eles me traumatizaram tanto que falei “não é possível que essa gente tenha razão”. Nunca acreditei em Deus.
Você nunca sentiu falta de espiritualidade?
Acho que a espiritualidade está muito mais dentro de nós do que no céu. Acho muito mais misterioso o universo sem Deus do que com Deus.
E você nunca se relacionou com nenhum tipo de religião?
Não. Minha única religião é a psicanálise. Meu Deus é Freud. Se eu fosse religioso talvez seria budista, no máximo. O resto é uma tragédia. O Cristianismo é um horror. E o Islamismo é um perigo. Exclui toda a possibilidade do outro de ter razão.
Você já teve depressão?
Orra! [Risos] Se eu tive? Mais fácil te dizer quando eu não tive depressão. A depressão é uma constante. A gente luta contra ela dia a dia. Tem um amigo meu que diz que a depressão é melhor do que a ansiedade, porque na depressão você fica deitado e descansa...
Mas você se considera feliz?
Sou, sou feliz. É importante deprimir, senão você vira um idiota. Mas eu sou um homem feliz, sou um privilegiado, pô. Estou com saúde, tenho três filhos do caralho, consegui fazer vários trabalhos direito, tenho um reconhecimento das pessoas no meu trabalho que me faz muito bem. Então tenho que agradecer mesmo ao universo.
Você teme a velhice?
Claro. É horrível ficar mais velho. Fazer 60 anos é uma merda.
Você pensa bastante nisso assim, não?
Não é que eu pense, mas tem que levar em conta, né, porque, na sua idade, ninguém acha que vai morrer, mesmo sabendo que vai. Depois de certa idade você fala “opa, peraí...”. E começa a perder pais, tios. Mulheres que eu namorei morreram. Amigos meus morreram. Morrer é uma merda. Mas o que pode se fazer, né?
Entrevista com Arnaldo Jabor
Entrevista com Arnaldo Jabor
"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma." (Joseph Pulitzer).