Religião é Veneno

Em A insustentável leveza do ser, em dado momento Tereza, uma das protagonistas, pensa no que aconteceria no caso de uma grande transformação no seu corpo. Chega à conclusão de que, ainda assim, seria ela. O livro lança ainda outras dúvidas sobre a questão. Mas, por hora, lanço as minhas.
O que nos faz ser? O que faz João ser João, ou Maria ser Maria? Se João fizer uma cirurgia plástica, mudar de nome, de cidade, de mulher, continuará João.(?)
Costumamos identificar as pessoas com certa persona que lhes é peculiar. Mas, até mesmo essa persona é suscetível a mudanças. Podemos rever conceitos, mudar de opinião inúmeras vezes, passar para o outro lado do rio. O que não faz continuar a ser? Uma alma (não há conotação espiritual)? A mente?
Ou será que não somos? Será que para nós vale também a máxima de que "não nos banhamos duas vezes no mesmo rio", e como tal amanhã já não sou? Será que há mesmo uma persona em nós, que nos faz ser? Existe um alguém hoje em mim, que já não existirá amanhã? Ou mesmo com as mudanças continuarei a sê-lo?



A mulher se apaixona pela voz que lhe fala à alma. O homem, pela alma que ouve a sua voz. Kundera

Não, Tranca!

Este é um bom tópico.

Catholico, achei as questões levantadas muito interessantes, este "A insustentável leveza do ser" é um livro? Se sim, qual o autor?

rapha... escreveu:Não, Tranca!

Este é um bom tópico.

Catholico, achei as questões levantadas muito interessantes, este "A insustentável leveza do ser" é um livro? Se sim, qual o autor?

Sim, Rapha.

É de Milan Kundera.

Tranca-Ruas escreveu:Eu sei que é um bom tópico. Não tinha a menor intenção de floodar. Mas queria saber se o Walter Ego aí era o Catholico mesmo.

Velho Exu Tranca-ruas!

O Catholico, onde quer que esteja, manda saudações...

"Ser" é só um verbo que estabelece algumas relações lógicas entre sujeito e predicativo do sujeito. Este infeliz enfeitiçamento da linguagem chamado fenomenologia empesteou por muito tempo a filosofia e a cognição humana.

Heráclito falava que não há como um homem entrar duas vezes no mesmo rio, pois nem o rio nem o homem serão os mesmos.
Ele estava certo? Se o homem for definido como uma específica configuração de átomos ou pensamentos, e o rio for definido com uma específica configuração de moléculas de água, ele estava. Mas se o homem for definido como o fluxo de pensamentos e o rio como o fluxo de água, estava errado.

Alter-ego escreveu:

rapha... escreveu:Não, Tranca!

Este é um bom tópico.

Catholico, achei as questões levantadas muito interessantes, este "A insustentável leveza do ser" é um livro? Se sim, qual o autor?

Sim, Rapha.

É de Milan Kundera.

Legal, Catholico.

Vou marcar na minha folinha de autores interessantes.

Dante, the Wicked escreveu:"Ser" é só um verbo que estabelece algumas relações lógicas entre sujeito e predicativo do sujeito. Este infeliz enfeitiçamento da linguagem chamado fenomenologia empesteou por muito tempo a filosofia e a cognição humana.

Heráclito falava que não há como um homem entrar duas vezes no mesmo rio, pois nem o rio nem o homem serão os mesmos.
Ele estava certo? Se o homem for definido como uma específica configuração de átomos ou pensamentos, e o rio for definido com uma específica configuração de moléculas de água, ele estava. Mas se o homem for definido como o fluxo de pensamentos e o rio como o fluxo de água, estava errado.

Dante, não seria, talvez, nossa memória e a conveniência de nossas ações, o que nos identifica como seres singulares?

Dante, the Wicked escreveu:Ele estava certo? Se o homem for definido como uma específica configuração de átomos ou pensamentos, e o rio for definido com uma específica configuração de moléculas de água, ele estava. Mas se o homem for definido como o fluxo de pensamentos e o rio como o fluxo de água, estava errado.

Como você definiria, Dante?

rapha... escreveu:

Dante, the Wicked escreveu:"Ser" é só um verbo que estabelece algumas relações lógicas entre sujeito e predicativo do sujeito. Este infeliz enfeitiçamento da linguagem chamado fenomenologia empesteou por muito tempo a filosofia e a cognição humana.

Heráclito falava que não há como um homem entrar duas vezes no mesmo rio, pois nem o rio nem o homem serão os mesmos.
Ele estava certo? Se o homem for definido como uma específica configuração de átomos ou pensamentos, e o rio for definido com uma específica configuração de moléculas de água, ele estava. Mas se o homem for definido como o fluxo de pensamentos e o rio como o fluxo de água, estava errado.

Dante, não seria, talvez, nossa memória e a conveniência de nossas ações, o que nos identifica como seres singulares?

Não se deve mistificar a definição desta forma. Não existe uma essência nas coisas que é "capturada" pela definição. As essências só existem em nossas mentes. Nós estabelecemos critérios nos quais agrupamos as coisas.
Acredito que você já estudou a teoria dos conjuntos de Cantor. Basta ser estabelecido um critério para ter um conjunto. Não importa que este seja vazio, unitário, n-tário, infinito contável ou infinito incontável.
Não existe nada transcedental nisto.

Alter-ego escreveu:

Dante, the Wicked escreveu:Ele estava certo? Se o homem for definido como uma específica configuração de átomos ou pensamentos, e o rio for definido com uma específica configuração de moléculas de água, ele estava. Mas se o homem for definido como o fluxo de pensamentos e o rio como o fluxo de água, estava errado.

Como você definiria, Dante?

Um indivíduo é um fluxo de vivências, pensamentos, moléculas orgânicas etc. que se dá entre o seu nascimento e sua morte.

Alter-ego escreveu:

rapha... escreveu:Não, Tranca!

Este é um bom tópico.

Catholico, achei as questões levantadas muito interessantes, este "A insustentável leveza do ser" é um livro? Se sim, qual o autor?

Sim, Rapha.

É de Milan Kundera.

Abaixa. Overrated.

Alter-Ego, quando falas do ser, estás a falar do conceito de Kant da coisa em si que é inalcançável, ou da consciencia que cada um tem de si mesmo? Se for a segunda opçao, a minha opiniao é que há algo que me faz ser eu... mas nao é pensamento. Para mim consciencia é o sentir-se a si mesmo e nao o pensar-se a si mesmo. Esta é a opiniao do cientista cognitivo Nicholas Humphfrey. É uma intuiçao antiga. Eu acho que ela é tremenda e boa (também nao se deve jogar fora todo o senso comum). Nao importa o que penso ou faço, as experiencias que tenho referem-se a algo que sente a experiencia. Algo primevo...

user f.k.a. Cabeção escreveu:

Mas o que estabelece se um pensamento ou um átomo pertence ou não ao "fluxo" da vida de um ser humano, Dante?

Certamente um átomo de silício no Himalaia não pertence ao fluxo que determinaria o meu ser, assim como um pensamento que um camponês africano que ainda virá a nascer também não faz parte da minha definição, em nenhum sentido óbvio.

Então o que define o que é são os meus átomos ou os meus pensamentos?

Se for pertencer ao corpo, o que define os limites desse corpo?

É uma questão mais complicada.

Apesar de ser um tópico muito interessante, Cabeção, não estou disposto a escrever um tratado sobre o que consiste a individualidade. Mesmo porque, o que estou tratando aqui é que as questões fenomenológicas levantadas no post original não seriam nada mais que uma mistificação do verbo "ser".
"Hoje que estou na faculdade sou o mesmo indivíduo que engatinhava a 20 anos atrás?"
É só uma questão de como se define "indivíduo". Se indivíduo é uma configuração específica de X (tal que X são atributos da individualidade), a resposta não. Se indivíduo é um fluxo de configurações de X, a resposta é sim.
Pode até parecer simplismo da minha parte, mas veja que esta desmistificação tira toda inútil elucrubração fenomenológica para deixar o que é interessante: Em que consiste X?

user f.k.a. Cabeção escreveu:
Então o que define o que é são os meus átomos ou os meus pensamentos?

Se for pertencer ao corpo, o que define os limites desse corpo?

Como eu costumo lembrar, é por isso que o Cristianismo e derivações (p.ex. Espiritismo) precisam do conceito de "alma". Sem ele, todas essas noções de salvação, condenação e vida eterna perdem o sentido. Sem ela, não há essência da individualidade, apenas um fluxo mutável e não eterno.

Alter-ego escreveu:Em A insustentável leveza do ser, em dado momento Tereza, uma das protagonistas, pensa no que aconteceria no caso de uma grande transformação no seu corpo. Chega à conclusão de que, ainda assim, seria ela. O livro lança ainda outras dúvidas sobre a questão. Mas, por hora, lanço as minhas.
O que nos faz ser? O que faz João ser João, ou Maria ser Maria? Se João fizer uma cirurgia plástica, mudar de nome, de cidade, de mulher, continuará João.(?)
Costumamos identificar as pessoas com certa persona que lhes é peculiar. Mas, até mesmo essa persona é suscetível a mudanças. Podemos rever conceitos, mudar de opinião inúmeras vezes, passar para o outro lado do rio. O que não faz continuar a ser? Uma alma (não há conotação espiritual)? A mente?
Ou será que não somos? Será que para nós vale também a máxima de que "não nos banhamos duas vezes no mesmo rio", e como tal amanhã já não sou? Será que há mesmo uma persona em nós, que nos faz ser? Existe um alguém hoje em mim, que já não existirá amanhã? Ou mesmo com as mudanças continuarei a sê-lo?



A mulher se apaixona pela voz que lhe fala à alma. O homem, pela alma que ouve a sua voz. Kundera

Eu penso que é o conjunto de memórias e reminicências que dão alguma idéia do que somos. Sem esses arquivos, caso perdêssemos a memória, já não seríamos...

Agora, a consciência de si mesmo que é interessante... ela vai sendo formada a partir dos primeiros meses de vida. O teste do nariz pintado de vermelho na frente de um espelho é interessante. Bebês com menos de 6 meses, tendem a querer todcar o nariz do reflexo ao invés do próprio nariz. Já crianças maiores conseguem perceber que aquele narizinho vermelho é seu mesmo. E isso é o que nos diferencia da maioria dos animais... parece que golfinhos também sabem quando estão diante de um reflexo de si mesmos...

Isso pode ser chamado de "ser"? A auto-consciência? Talvez só nos dê a idéia de estarmos existindo... enquanto a identidade só existe mediante a existência de memórias que confirmem o que somos, pelo menos de "onde viemos"...

Beijos

Somos:
Uma ''colônia'' de células, vidas individuais construindo um sistema maior e mais complexo, isso seria o suporte.
Um sistema mais especializado dentro desse , os das células nervosas, os neurônios e suas redes de ligação, trabalhariam com as informações vindas pelos sentidos. Armazenar informações, comparar com as outras que entram posteriormente, formular conceitos, e agir sobre o mundo ao redor.
Muito simplificadamente somos isso: geradores de conceitos, e de ações baseadas nesses conceitos.
E isso tudo é meramente informação dentro do sistema.
Eliminando TUDO ao redor, (Descartes) o que nos resta?
Resta a certeza de que eu sou, eu estou em mim mesmo, eu penso sobre mim, logo eu existo.
A questão mais triste é que o suporte pode se desfazer, a colônia se desmancha, destruindo o sistema e sendo reaproveitado para outros fins, (conservação da matéria) mas a informação se perde, a memória se acaba, só restariam as impressões e conceitos passados adiante.
O que resta de um ser que morre, é a sua obra .

Márcio escreveu:Somos:
Uma ''colônia'' de células, vidas individuais construindo um sistema maior e mais complexo, isso seria o suporte.
Um sistema mais especializado dentro desse , os das células nervosas, os neurônios e suas redes de ligação, trabalhariam com as informações vindas pelos sentidos. Armazenar informações, comparar com as outras que entram posteriormente, formular conceitos, e agir sobre o mundo ao redor.
Muito simplificadamente somos isso: geradores de conceitos, e de ações baseadas nesses conceitos.
E isso tudo é meramente informação dentro do sistema.
Eliminando TUDO ao redor, (Descartes) o que nos resta?
Resta a certeza de que eu sou, eu estou em mim mesmo, eu penso sobre mim, logo eu existo.
A questão mais triste é que o suporte pode se desfazer, a colônia se desmancha, destruindo o sistema e sendo reaproveitado para outros fins, (conservação da matéria) mas a informação se perde, a memória se acaba, só restariam as impressões e conceitos passados adiante.
O que resta de um ser que morre, é a sua obra .

Bonito isso que você escreveu, Marcio...

Beijos

Najma escreveu:

Márcio escreveu:Somos:
Uma ''colônia'' de células, ... .

Bonito isso que você escreveu, Marcio...

Beijos

Obrigado!!!! Vindo de você é um baita elogio pra mim...

Outros...!

Márcio escreveu:Somos:
Uma ''colônia'' de células, vidas individuais construindo um sistema maior e mais complexo, isso seria o suporte.
Um sistema mais especializado dentro desse , os das células nervosas, os neurônios e suas redes de ligação, trabalhariam com as informações vindas pelos sentidos. Armazenar informações, comparar com as outras que entram posteriormente, formular conceitos, e agir sobre o mundo ao redor.
Muito simplificadamente somos isso: geradores de conceitos, e de ações baseadas nesses conceitos.
E isso tudo é meramente informação dentro do sistema.
Eliminando TUDO ao redor, (Descartes) o que nos resta?
Resta a certeza de que eu sou, eu estou em mim mesmo, eu penso sobre mim, logo eu existo.
A questão mais triste é que o suporte pode se desfazer, a colônia se desmancha, destruindo o sistema e sendo reaproveitado para outros fins, (conservação da matéria) mas a informação se perde, a memória se acaba, só restariam as impressões e conceitos passados adiante.
O que resta de um ser que morre, é a sua obra .

Descartes... Bah. O pensamentos e a memória não são eu. Tal como a experiência subjetiva dos sentidos, os pensamentos e as memórias são fabricados e sentidos. Eu sinto, logo existo.

Parece que muitos conciliaram a idéia do "eu" com as memórias e percepção de mundo. Mas fica uma questão neste ponto. Pensemos a seguinte situação hipotética: X é uma pessoa, com mémorias, história e existência. Por conta de acontecimentos, X perde irremediavelmente a memória e qualquer possibilidade de contato com sua "outra vida", passando a viver de forma totalmente diferente. Outro nome, trabalho, preferências... X ouvirá outras bandas, apreciará outros pratos e fará amor com outras mulheres. X será um novo ser?