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O Fracasso do Estado do Bem-Estar Social

Enviado: 26 Nov 2005, 10:33
por Liquid Snake
Por Luiz Simi

"Não se trata de uma lista de direitos que se expande infindávelmente – o 'direito' à educação, o 'direito' a alimentação ou moradia. Isso não é liberdade, isso é dependência. Esses não são direitos, mas as rações da tirania – feno e um estábulo para gado humano."

Alexis De Tocquiville

Alguns dias atrás foram publicados os números do desemprego na Alemanha em janeiro: o maior índice do pós-guerra, mais de 5 milhões de desempregados. A economia continua patinando, e as previsões para 2005 não são animadoras. Também esta semana um relatório do governo indicou que a participação dos mais pobres na renda nacional declinou nos últimos sete anos, provocando uma saraivada de críticas ao governo Schroeder e ampliando as preocupações do seu partido, o SPD (Partido Social Demacrata): importantes eleições regionais estão marcadas para os próximos meses, e grandes são as chances de que saia derrotado, como já ocorreu ano passado nos estados de Saaren e Baixa Saxônia.

As recentes más notícias são apenas as últimas em uma longa sequência que aflige a Alemanha há anos. Apesar de ter o terceiro PIB do planeta, ser reconhecidamente um país líder em vários campos tecnológicos, e o maior exportador do mundo, a Alemanha continua patinando economicamente. A antiga locomotiva da Europa parece ter perdido o vapor. O que aconteceu?

O Estado do Bem-Estar Social (Wellfare State) aconteceu.

Depois de um período de intenso crescimento econômico (o “milagre” dos anos 50 e 60), a Alemanha foi tomada por um fenômeno que recentemente aportou às costas brasileiras: o sonho do Estado do Bem-Estar Social. É nesse sonho que precisamos buscar as causas do atual pesadelo alemão.

O Estado do Bem-Estar Social não é nada além de uma reencarnação do sonho distributivista socialista, mas em nova embalagem. Não se fala de estatização dos meios de produção, ditadura do proletariado e outros palavrões; isso é província dos marxistas deslumbrados. O lema aqui é “justiça social”. Mas o que é isso exatamente?

A tal da justiça social têm como premissa que as pessoas, pelo puro mérito (ou acidente) de fazerem parte de uma dada nação, têm direito a uma certa parcela da renda total produzida por ela. Mas essa parcela não é aquela que as pessoas conseguem apropriar pelo seu trabalho, produzindo e vendendo bens e serviços que outras pessoas consideram valiosos, não; é uma parcela “justa”, “equitativa” do bolo. E quem determina o que é justo? O Estado, é claro. Poderia ser diferente?

O Wellfare State não é abertamente anti-mercado; ele permite que as empresas continuem privadas, que o mercado continue em princípio livre, e assim por diante. Mas o Estado apropria-se de uma parcela expressiva da renda nacional por meio de impostos e a “redistribui” na forma de serviços públicos que promoveriam a “integração social”: daí surgem os imensos sistemas de seguridade social europeus, que dão desde casa subsidiada até seguro-desemprego. Na Europa é possível viver anos a fio sem trabalhar, subsistindo exclusivamente da seguridade social.

Isso custa muito caro. Um alemão médio, solteiro e sem filhos, pode esperar ter algo como 48% do seu salário bruto confiscado por impostos e contribuições compulsórias.

Outra face importante do Wellfare State é a questão trabalhista. Na Alemanha, por exemplo, demissões e contratações passam pelo crivo do sindicato; uma empresa pode ser proibida de contratar alguém que deseja ou demitir alguém que não mais é nescessário. As decisões dos sindicatos têm praticamente força de lei. Os benefícios são vários, desde 30 dias úteis de férias até 5 dias de licença remunerada em caso de doença em várias empresas de grande porte. Muitos sindicatos detém quase um monopólio sobre a força de trabalho na área ou empresa em que atuam.

Qual é o resultado dessa força descomunal dos sindicatos? Basicamente, quem têm emprego está bem, mas quem não tem, está exposto ao mau tempo. Essa é uma velha regra de economia, que tantos economistas parecem esquecer: quanto mais rígido o mercado de trabalho, maior tende a ser o desemprego e mais difícil para quem não têm trabalho obter um. É possível dar alguma segurança a todos, mas tentar dar segurança plena a todos significa na prática proteger alguns e expor outros a uma insegurança muito maior. É exatamente o que acontece. O alemão médio tem um medo visceral de perder o emprego, porque sabe que obter outro é um tema muito mais complicado do que abrir o jornal de domingo, selecionar ofertas e fazer entrevistas. Cada vez mais, quem não têm um padrinho em alguma empresa não consegue uma nova colocação.

Essa combinação de altos impostos, insegurança trabalhista e exclusão dos sem-emprego paralisa a economia alemã. Ninguém consome. Sem um mercado interno vigoroso e com impostos altos, a economia anda em marcha lenta, deprimindo ainda mais as ofertas de empregos. Esse círculo vicioso não pode ser quebrado com facilidade porque o gigantismo do Estado impede um corte rápido dos impostos, o que mantém a economia amarrada. O resultado é estagnação, desalento e cada vez menos dinamismo econômico e social. Com isso, os mais pobres perdem mais, ficando à mercê da caridade do Estado e estigmatizados como parasitas pelo resto da sociedade.

A Alemanha ainda deu sorte: a constituição do pós-guerra, escrita pelos americanos, criou uma estrutura federal bastante descentralizada, forte proteção à propriedade privada, e limites rígidos ao poder do Estado de violar direitos individuais. Esse alicerce liberal impediu que o Wellfare State adquirisse proporção ainda maior. A França não é tão afortunada: com seu sistema político fortemente centralizado e garantias individuais mais tênues, ela têm sido palco de um renascimento de grupos políticos radicais, de tendência fascista, que obtém apoio crescente dadas as dificuldades econômicas cada vez maiores. E os próprios governos socialistas (os “bons moços” da política francesa) têm sistematicamente imposto restrições inaceitáveis sobre as minorias, especialmente os muçulmanos. Tudo isso, claro, possível graças à cultura de que os diretos do indivíduo podem ser violados em nome do “bem comum”. Bem comum esse, óbviamente, definido pelo Estado.

Mas o mais aterrorizante não é isso. O que realmente me assusta é que esse sistema falido, em fase de desmonte, é vendido por praticamente todas as correntes políticas brasileiras como a salvação da nação. Em um país com um histórico intervencionista e autoritário como o nosso, o Welfare State é potencialmente uma ameaça aos débeis direitos individuais dos brasileiros, pois sua implementação exige que o Estado disponha de ferramentas para quebrá-los em nome da “justiça social”.

E no nosso caso, não temos uma constituição escrita pelos americanos para nos defender.

http://www.capitolio.org/content/view/75/64/