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PSICANÁLISE: Uma crítica contemporânea

Enviado: 24 Set 2006, 10:08
por Res Cogitans
PSICANÁLISE: Uma crítica contemporânea

Leonardo Vasconcelos


Introdução

Este breve texto tem a pretensão de apresentar algumas críticas formuladas por especialistas em Psicologia, Filosofia e Neurociências à Psicanálise Freudiana.

O Status Científico da Psicanálise

Uma crítica costumeiramente encaminhada à psicanálise é que ela sequer teria a estrutura de uma teoria científica. Karl Popper, um dos maiores nomes da Filosofia da Ciência , argumentou que falta à psicanálise algo que é necessário a toda teoria científica: falseabilidade. Para Popper, teorias só são científicas se existirem testes que possam torná-las falsas, situação que não ocorreria na teoria de Freud.

David G. Myers, professor de psicologia no Michigan’s Hope College, ilustra essa não falseabilidade da seguinte forma: “Se você sentir raiva pela morte de sua mãe, você ilustra a teoria psicanalítica porque ‘suas necessidades de dependência não resolvidas na infância estão ameaçadas’. Se você não sentir raiva, você ilustra novamente sua teoria ‘você está reprimindo sua raiva’”. Os detratores da psicanálise chamam essa estratégia de “cara eu ganho, coroa você perde”.

A teoria de Freud tem a pretensão de oferecer explicações para características e comportamentos, mas não conseguiria prevê-los. Essas explicações seriam sempre a posteriori. Isso, de acordo com Calvin Hall e Gardner Lindzey, é “como apostar em um cavalo depois que a corrida terminou”.

Essa ausência de capacidade preditiva encontrada na psicanálise é outro grande motivo de descrédito científico em que a teoria se encontra.


Esquizofrenia

Segundo a teoria psicanalítica, a ausência de relações interpessoais na infância daria origem à esquizofrenia. Porém, diversos estudos apontam causas orgânicas como as mais relevantes o desenvolvimento da esquizofrenia.

O excesso de atividade de dopamina seria uma das chaves para a compreensão da doença. Pesquisadores descobriram que pacientes esquizofrênicos falecidos tinham seis vezes mais o receptor de dopamina denominado D4. Especula-se que um nível tão alto pode aumentar sinais cerebrais na esquizofrenia, causando sintomas como alucinações e paranóia.

Também foram estudadas correlações entre a anatomia cerebral a esquizofrenia. Alguns pacientes tinham atividade cerebral anormalmente baixa nos lobo frontais. Áreas aumentadas, cheias de líquido, e um encolhimento correspondente do tecido cerebral parecem característicos da esquizofrenia, tanto que já se procura diagnosticar a esquizofrenia por imageamento cerebral.

Sugere-se que estas anomalias cerebrais possam ter relação com problemas pré-natais. O baixo peso ao nascer e complicações demonstram-se fatores de risco para a esquizofrenia. Pessoas concebidas durante o auge da fome holandesa, no tempo de guerra, também apresentaram posteriormente uma taxa dobrada de esquizofrenia.

As infecções viróticas pré-natais representam um papel importante para a esquizofrenia. Pessoas que:

(1) durante o meio de seus desenvolvimentos fetais, seus pais vivenciaram uma epidemia de gripe;
(2) nascem em áreas densamente povoadas, onde doenças viróticas se espalham mais rapidamente;
(3) nascem depois da temporada de gripe de outono-inverno.

Todas têm maior chance de desenvolver esquizofrenia, evidenciando a relevância desses aspectos no estudo da mesma.

Fatores genéticos também se mostraram muito importantes como causas da esquizofrenia. Se uma pessoa tiver um irmão gêmeo idêntico com esquizofrenia, ela tem probabilidade de 50% de também desenvolver a doença. Essa probabilidade é mantida, sejam eles criados juntos ou separados.

Estudos com adoção igualmente confirmam o vínculo genético. Crianças adotadas por alguém esquizofrênico raramente desenvolvem a esquizofrenia. Mas, crianças adotadas com um dos pais biológicos esquizofrênico, têm grande risco.

Em contraponto, segundo Nicol e Gottesaman, “não foi descoberta uma causa ambiental que invariavelmente, ou mesmo com probabilidade moderada, provoque esquizofrenia em pessoas que não tenham parentesco com um esquizofrênico”.



Repressão

A teoria psicanalítica freudiana tem como um de seus pressupostos fundamentais que a mente humana geralmente reprime experiências dolorosas, banindo-as para o inconsciente

Os pesquisadores contemporâneos afirmam justamente o contrário, ou seja, se a repressão realmente ocorre, ela é um evento muito raro.

Existem vários experimentos que refutam o pressuposto da repressão:

Um estudo com 16 crianças de 5 a 10 anos, que testemunharam o assassinato de um dos pais, mostrou que nenhuma reprimiu a recordação.

Sobreviventes de campos de concentração nazistas, com raras exceções, lembram-se muito bem das atrocidades que sofreram.

Crianças que ficaram aterrorizadas quando seu ônibus escolar foi seqüestrado, recordaram normalmente o incidente.

Foi constatado que estresse elevado intensifica a memória. Logo, eventos emocionais negativos são bem recordados. Alguns destes, como estupro e tortura, assombram as vítimas, que vivenciam flashbacks não desejados.


Sonhos

Segundo Freud, o conteúdo manifesto de um sonho é uma versão censurada, simbólica do seu conteúdo latente, que consiste em impulsos e desejos inconscientes que seriam ameaçadores se expressos diretamente.

Embora Freud tenha considerado sua teoria dos sonhos como “a mais valiosa de todas as descobertas” que ele fez, seus críticos consideram-na como o seu maior fracasso. Uns sustentam que mesmo que os sonhos fossem simbólicos, eles poderiam ser interpretados da maneira que se desejasse. Outros dizem que não há nada de oculto nos sonhos. Um sonho com um revólver é um sonho com um revólver.

A teoria freudiana vai perdendo espaço para outras teorias com maior embasamento empírico. Uma delas define os sonhos a partir do processamento da informação. Os sonhos ajudariam a peneirar, separar e fixar as experiências do dia em nossa memória. Vários estudos comprovam a importância do sono REM para o aprendizado.

Outra explicação diz que os sonhos podem também exercer uma função fisiológica. Eles supririam o cérebro adormecido com estimulação periódica. Isso preservaria as vias neurais do cérebro.

A teoria da ativação-síntese propõe que os sonhos surgem de uma atividade neural aleatória que se espalha para cima a partir da base do cérebro. Os sonhos nasceriam do esforço persistente do cérebro em dar sentido, em interpretar sua própria atividade.

Os dados atuais indicam que os sonhos não têm os significados camuflados que Freud defendeu, mas que, em vez disso, exercem funções fisiológicas.


Memórias Falsas

A técnica de trazer à tona as “lembranças reprimidas” do paciente, inclusive através de hipnose, seria outro grande motivo de questionamento à psicanálise.

Tudo começaria com uma idéia equivocada de que nossa memória fica guardada estaticamente em algum lugar da mente, podendo ser acessada como podemos acessar um arquivo numa gaveta. Porém, estudos atuais rechaçam esta idéia, como alerta Pascale Piolino, pesquisador da universidade de Coen. Nas palavras do cientista, “em nenhum caso a memória de um acontecimento vivido é a restituição literal do acontecimento original”. A memória seria reconstruída cada vez que a evocamos.

Fora isso, existem acontecimentos esquecidos que simplesmente não podem ser evocados de maneira alguma. Ivan Izquierdo, um dos maiores especialistas em memória, explica que “parte das memórias se perde por simples inatividade da(s) via(s) nervosa(s) correspondente(s) a cada uma delas: a inatividade sináptica causa uma atrofia primeiro funcional e mais tarde morfológica das sinapses. Outras memórias se perdem por morte neuronal, fenômeno que ocorre desde o nascimento até o fim das nossas vidas.” Em outras palavras, seria impossível acessar determinadas memórias porque o substrato físico que as mantinham não mais existe.

Uma vez feitas estas ressalvas, podemos explorar a criação de memórias falsas em si. Elizabeth Loftus, professora de psicologia de Washington, mostrou que não é difícil criar memórias falsas. Através de experimentos com mais de 20 mil pessoas, ela conseguiu “criar a lembrança da existência de um estábulo num cenário bucólico em que não havia construção alguma; da presença de cacos de vidro em cenas nas quais esses elementos estavam ausentes; da cor branca de um veículo, na verdade azul, na cena de um crime.”

Loftus diz que “a informação errônea pode imiscuir em nossas lembranças quando falamos com outras pessoas, somos interrogados de maneira evocativa, ou quando uma reportagem nos mostra um evento que nós próprios vivenciamos”.

Outra evidência importante vêm dos estudos de Nicholas Spanos. Por questões neurológicas, não podemos recordar de lembranças do nosso primeiro ano de vida. Sabendo disso, o pesquisador induziu pessoas através de hipnose a se lembrarem de eventos um dia depois de seu nascimento. Observou-se que 70% dos hipnotizados passaram a relatar “lembranças” de quando eram recém-nascidos.

Saul Kassin, da Universidade Williams, fez um estudo onde inocentes reconheciam um erro que não cometeram, inclusive descrevendo com detalhes o ato que na realidade não fizeram. E, para isso, bastou a persuasão de uma falsa testemunha afirmando que teria visto os mesmos praticando o erro.

Na ânsia de revelar as tão afamadas “lembranças reprimidas”, inúmeros psicanalistas estariam na verdade construindo, através de sugestão, memórias falsas de traumas de infância. Incluindo episódios graves como abuso infantil.


Conclusão

O famoso jargão “Freud explica” não tem mais o peso de outrora. Pesquisadores de várias áreas concentram fortes evidências contra os pressupostos da psicanálise. E se sua prática ainda é bastante difundida, tal popularidade não deve ser associada à corroboração científica da teoria psicanalítica.


Referências Bibliográficas:

MYERS, David G.; Explorando a Psicologia. Rio de Janeiro: Editora LTC, 2003

LOFTUS, Elizabeth; As Falsas Lembranças. Revista Viver Mente e Cérebro Edição Especial Memória. 90-93

PIOLINO, Pascale, DESGRANDES, Beátrice & EUSTACHE, Francis; Recordar é Viver. Revista Viver Mente e Cérebro Edição Especial Memória. 84-89

IZQUIERDO, Iván, VIANNA, Mônica R.M., CAMMAROTA, Martín & IZQUIERDO, Luciana A; Mecanismos da Memória. Scientific American Brasil Ano 2, nº 17, 99-104

Re.: PSICANÁLISE: Uma crítica contemporânea

Enviado: 24 Set 2006, 21:08
por Azathoth
Parabéns pelo excelente texto, muito conciso e bem escrito.