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racismo russo

Enviado: 25 Set 2006, 12:56
por Steve
25/09/2006
Os comandos do racismo russo
A xenofobia e o neonazismo estão ganhando força por todo o país

Marie Jégo
correspondente em Moscou

Os "pogroms", esses ataques perpetrados contra uma dada etnia, que incluem atos de violência e, não raro, assassinatos, que a Rússia conheceu de 1880 a 1921, estão de volta. Na época, eles alvejavam principalmente as comunidades judaicas. Hoje, são os caucasianos, os súditos da Ásia Central, os asiáticos e os ciganos que estão na berlinda. Até a última primavera, os assassinatos de pessoas de semblante "não eslavo" (33 para os nove primeiros meses de
2006) constituíam os casos cotidianos das manifestações xenófobas na Rússia.

Agora, a situação está tomando um rumo nitidamente mais preocupante.

Em maio, na cidade de Kharagun (na região de Tchita), enfrentamentos étnicos que opuseram russos e súditos do Azerbaijão resultaram na morte de um deles.

Um mês depois, numa aldeia de Targuis (região de Irkoutsk), um pogrom anti-chinês concluiu-se com a expulsão de 75 chineses. Alguns dias mais tarde, foi contra súditos do Daguestão que os habitantes de Salsk (região de Rostov) se mobilizaram; os distúrbios deixaram um morto. Do Extremo-Oriente às regiões do Sul, o ódio vai se alastrando por todo o território da Federação, onde coabitam 50 nacionalidades - tatares (etnia turco-mongol), bachkires, nenets, tchetchenos, inguches, balcares, etc., todos eles cidadãos russos - e 17 milhões de imigrantes.

"A intolerância étnica, o medo dos imigrantes, o ódio, aumentaram de tal forma desde o início da segunda guerra da Tchetchênia (em 1999) que a Rússia se tornou o país o mais xenófobo da Europa", estima o sociólogo Lev Goudko.

Manifestações de multidões hostis, slogans racistas, incêndios, saques: de 31 de agosto a 4 de setembro, foi um verdadeiro frenesi de ódio contra os caucasianos que correu soltou em Kondopoga, uma pequena cidade industrial á proximidade da fronteira russo-finlandesa. Durante cinco dias, uma multidão alucinada - e alcoolizada segundo informou a polícia - dedicou-se a destruir bens dos "tchiornye" (os "morenos"), atacando quitandas, garagens e carros com jatos de pedras, de garrafas e de coquetéis Molotov, exigindo as sua "deportação" imediata.

Em Kondopoga, tudo começou com uma briga entre russos e caucasianos no café-restaurante Tchaïka, mantido por um cidadão do Azerbaijão. As diversões são tão raras quanto o trabalho nesta cidade morna de 37.000 habitantes, a 1.000 quilômetros de Moscou, onde o único fornecedor de empregos é um grupo industrial que fabrica celulose. Na noite de 29 de agosto, um grupo de jovens russos, que inauguram a nova residência de um deles com uma festa fartamente regada num restaurante, começam a estranhar o garçom de origem caucasiana e o seu patrão. O tom vai subindo, e eles chegam às vias de fato. Os dois caucasianos pedem ajuda a vários colegas. Alertada, a polícia evita intervir. Em meio à rixa que degenera, dois jovens russos, Serguei Oussin e Grigori Slizov, são mortos por golpes de arma branca.

A reação dos habitantes não se faz esperar. Dois dias mais tarde, 2.000 pessoas se reúnem no centro da cidade. "Os morenos mataram gente nossa!", urra a multidão, firmemente decidida a se vingar do crime contra os "não-eslavos". Ela ficou super-excitada por incentivo de uma organização ultranacionalista: o Movimento contra a Imigração Ilegal (DPNI). Vindos de Moscou e de São Petersburgo, os militantes desta pequena facção xenófoba pró-eslava, ajudados por elementos neo-nazistas, organizaram a manifestação.

O seu credo resume-se a três providências: "Limpar a Rússia" dos seus "tchiornye", dar a preeminência aos russos étnicos e mandar para casa "em 24 horas" os imigrantes ilegais. Pouco importa que eles sejam estrangeiros - do Azerbaijão, da Armênia - ou cidadãos da Federação - tchetchenos e daguestaneses. Todos são uniformemente alvejados.

Com 1% de súditos estrangeiros, Kondopoga está longe, contudo, de ser um baluarte da imigração. Assim como em todas as cidades da Rússia, alguns caucasianos gerenciam barracas de frutas e legumes no mercado. É justamente para este mercado que se volta a vindita popular. As barracas são destruídas, quitandas e lojinhas são saqueadas e incendiadas. Tomados pelo pânico, 200 caucasianos fogem do local. Dezenas de tchetchenos encontram refúgio a 50 quilômetros da cidade.

A intervenção das forças especiais, em 3 de setembro, mal consegue acalmar as mentes. No dia seguinte, o prédio de uma escola de esportes dirigida por um treinador tchetcheno é alvo de um início de incêndio; os slogans racistas voltam a se espalhar com mais força ainda. Cedendo à pressão popular, o prefeito de Kondopoga, Anatoli Pantchenkov, propõe dar em locação a russos étnicos as lojinhas do mercado que eram geridas até então por caucasianos. O governador da Carelia, Serguei Katanandov, põe mais lenha na fogueira, denunciando "esses jovens oriundos do Cáucaso e de outras regiões" que se comportam "como se fossem ocupantes". A sua solução? "Ou eles ficam na moita, ou eles partem".

A imprensa, os dirigentes políticos, os ultranacionalistas logo compartilham a mesma análise dos acontecimentos. Se o vaso transbordou em Kondopoga, não é por causa da intolerância étnica. Trata-se de "problemas sociais", garantem os observadores. Os caucasianos desafiam com insolência a população russa, a sua "riqueza ostensiva" é citada constantemente, o governador evoca suas "Mercedes circulando em grande velocidade". Sem falar das suas "tramóias mafiosas", ou das propinas pagas à polícia para que ela faça vistas grossas.

Ao longo de cinco dias de demência em Kondopoga, nenhum alto responsável, nenhum político, nenhum intelectual, nenhum artista acharam por bem condenar o pogrom. A imprensa nacional atiça o ódio. "A verdadeira razão de tudo isso, é que alguns lobisomens de uniformes permitiram que os recém-chegados se comportassem como ocupantes, sem respeito algum pela população local", denuncia o diário "Izvestiia", em 4 de setembro.

Para embasar a sua tese, o jornal conta de que maneira, durante seis anos, os vendedores tadjiques (súditos do Tadjiquistão, na Ásia Central) de um dos mercados da capital inundaram o prédio onde eles moravam, regando com farto uso de água funcho que eles colocavam diretamente no assoalho. E ele conclui: "Tudo foi resolvido. O apartamento que era ocupado pelos tadjiques foi cedido para outros e, no lugar do mercado onde eles comerciavam foi construída um pequeno mercado"

Ainda assim, uma pergunta ficou sem resposta: será que o pogrom de Kondopoga teria adquirido tão grande vulto sem a ingerência dos ultranacionalistas e dos neo-nazistas que os exploraram para os seus próprios fins? Todos os canais de televisão mostraram as imagens desses jovens carecas conduzindo a coreografia das violências, ou aquelas do chefe do DPNI, Alexandre Belov, discursando para a multidão por meio megafone.

Alguns dias depois dos eventos, este último participou de uma coletiva de imprensa ao lado de um deputado da Douma, Nikolai Kourianovitch. Os dois homens preconizavam a "limpeza total" dos "elementos criminosos (...), conforme o presidente nos prometeu", uma alusão à frase que Vladimir Putin pronunciou por ocasião do anúncio da segunda guerra da Tchetchênia, sobre a necessidade de "desalojar os terroristas até de dentro das privadas".

Dizem que Alexandre Belov, fortalecido pelo seu papel de líder em Kondopoga, vem sendo cortejado pelo novo partido União da Confiança, do qual um dos dirigentes é o porta-voz do Conselho da Federação. Segundo o politólogo Marc Ournov, "organizações tais como o DPNI não poderiam existir sem o apoio de uma parte da elite política russa. Em meio a esta última, as opiniões divergem, mas alguns pensam que esse tipo de organizações é útil para o poder".

Já faz cerca de seis anos, as organizações ultranacionalistas e neonazistas (União Eslava, Unidade Nacional Russa, Partido Nacional-Socialista) vem conquistando influência e uma situação material cada vez mais sólida. Em 4 de novembro de 2005, - dia este que se tornou o da "unidade nacional" por determinação do Kremlin -, mais de mil neonazistas desfilaram nas ruas de Moscou, gritando slogans contra os "mafiosos caucasianos" e contra os "traficantes de drogas tadjiques", e acenando com a saudação nazista em toda impunidade.

Na Rússia, essas organizações gozam de uma liberdade de expressão e de movimentação que muitas organizações não-governamentais (ONGs), submetidas a pressões burocráticas intensas desde a aprovação de uma lei sobre os seus estatutos, poderiam lhes invejar.

Aqui o discurso xenófobo é livre. Em pleno centre de Moscou, a pouca distância da galeria Tretiakov, a pequena livraria do Fundo para a conservação da literatura eslava vende o mais recente livre fetiche dos
"patriotas": um panegírico de Adolf Hitler intitulado "O que aconteceu realmente em 22 de junho de 1941?" O seu autor, Alexandre Oussovski, foi contemplado com uma apresentação solene do seu livro na Douma (Câmara-baixa do Parlamento), em junho. Sobre o balcão foi colocada em destaque a mais recente edição de "A Lista dos judeus mascarados", dentre os quais figuram, entre outros, a musa da "Revolução laranja" na Ucrânia, Ioulia Timochenko, o militante dos direitos humanos Dmitri Sakharov e... o general de Gaulle!

Os sites neonazistas pululam, desde o "fórum da igreja de Adolf Hitler" até o do movimento nacional-socialista da União Eslava. Os fóruns de discussão na Internet têm um tremendo sucesso. Neles são discutidos, com exaltação, tanto o futuro da "grande nação russa" quanto a cor exata da bandeira da divisão SS "Töten kopft".

Foi consultando esse tipo de sites que os três jovens autores do atentado racista do mercado de Tcherkizovo (a noroeste de Moscou), em 21 de agosto, encontraram a receita para fabricar a bomba que colocaram na seção asiática do mercado, causando a morte de 12 pessoas. Quem eram eles? Estudantes de 18 e 20 anos, não membros de organizações extremistas, mas que cultivavam um sólido apetite pela literatura neonazista. Durante o seu interrogatório, eles explicaram que eles quiseram retaliar contra "os imigrantes ilegais que pululam neste país".

Em 12 de setembro, o cérebro da banda, Nikita Senioukov, 18, aluno de uma academia de polícia em Moscou, foi interpelado. A sua ficha-corrida inclui o assassinato do jovem Viguen Abramiants, 17, esfaqueado a sangue-frio na estação de trens Pouchkinskaia, no centro da capital, durante a tarde de 22 de abril.

Enquanto os assassinatos racistas não chegam a comover muita gente, a empolgação pelos neonazistas é tratada num modo antes brincalhão. Segundo afirmam os jornais, hoje, na Rússia, "o fascismo está na moda". De fato, a idéia se enraizou de tal forma que a revista popular "A Caravana das Histórias" ilustrou recentemente sua matéria de capa com uma foto da cantora Irina Allegrova em uniforme nazista, segurando na coleira um cão policial, sem que ninguém se incomodasse com isso.

A edição russa da revista semanal "Newsweek", no seu número de 14-20 de agosto, revelou a existência de uma "cultura fascista subterrânea", encarnada, entre outros, por Tesak (o "Corta-couve"), um jovem realizador de videoclipes violentos. A star do show-business neonazista tem o vento em poupa no meio, segundo informa a "Newsweek", que o descreve como o "Leni Riefenstahl (a cineasta predileta de Hitler) das nazistas russos".

O site de Tesak exibe vários vídeos. Um deles mostra o enforcamento (fictício - "Que pena", diz o comentário) de um "tadjique traficante de drogas", executado por personagens encapuzados que recortam o cadáver e o queimam. Na rubrica "Faça algo concreto!", uma carta-modelo de denúncia à polícia está à disposição dos usuários. Todo cidadão que percebeu a presença de um estrangeiro nas dependências do seu prédio está convidado para assinalar o fato às forças da ordem.

Dmitri Diomouchkin é um dos ideólogos do "movimento nacional-socialista" russo. O seu próprio movimento, União Eslava - "SS" segundo o acrônimo russo - integra cerca de 5.000 pessoas apenas em Moscou. Com o seu terno e gravata e a sua cabeleira revolta, o homem, de cerca de 30 anos, nada tem de um "careca" e se apresenta como um "consultor da administração presidencial". Ele andou enfrentando alguns dissabores: o seu domicílio foi revistado em duas oportunidades, nos últimos dois meses, e, segundo ele alega, ele não mais consegue obter as autorizações necessárias para a organização de concertos para a juventude.

De resto, ele se mostra sereno. "Foram dadas instruções no mais alto nível para que ninguém toque em mim", gaba-se. Além disso, ele diz contar com "simpatizantes em todo lugar, no Kremlin, no Banco central, na companhia Rosoboronexport (que gera a venda das armas), no FSB (serviço secreto, antigo KGB), no tribunal, em meio à polícia", e até mesmo na hierarquia da Igreja ortodoxa, onde ele garante ter passe livre.

Para ele, não há espaço para nenhuma dúvida, "as idéias do nacional-socialismo acabarão triunfando na Rússia" porque "o terreno é fértil". Ele compara a situação do país com aquela da República de Weimar (1919-1933), que precedeu a Alemanha hitleriana. Aliás, conforme afirma ainda Dmitri Diomouchkin, "um número cada vez maior de jovens vem tendo uma boa opinião de Adolf Hitler". Eventos tais como aqueles de Kondopoga, "se reproduzirão, com certeza, uma vez que muitos grupos estão trabalhando nisso", acrescenta. "A partida de tudo isso foi dada por nós. A rua está conosco. O governo que está no poder precisa se conformar com as nossas idéias ou então ir embora".

Não lhe parece estranho que as idéias do nacional-socialismo seduzam uma audiência no país que entre todos pagou o mais pesado tributo - 27 milhões de mortos - na luta contra o nazismo? "Muitos deles não vêem essas idéias como nazistas, e, além disso, para muitos outros, Hitler não causou mal algum, a não ser por ter atacado a URSS", explica Alexandre Verkhovski, da ONG Sova, especializada na análise da xenofobia crescente.

Em relação à empolgação pela simbólica nazista, "ela não data de ontem", constata Verkhovski. No final dos anos 70, todos os russos acompanharam com paixão os episódios da novela "17 Momentos da Primavera". A série narrava as façanhas de um espião soviético, Chtirlitz, infiltrado durante a guerra nas estruturas nazistas. O uniforme da Waffen-SS ficava tão bem em Chtirlitz que uma empolgação nasceu. "No pátio da escola, todos os moleques brincavam de Chtirlitz e acenavam com a saudação nazista", recorda-se Alexandre Verkhovski.


Tradução: Jean-Yves de Neufville