O ex-sindicalista emprega a fundo seu carisma para se esquivar de escândalos e colocar-se como favorito na eleição
Jorge Marirrodriga
Em São Vicente
A uma semana do primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva tem 20 pontos de vantagem sobre seu principal adversário, Geraldo Alckmin. Os escândalos que irromperam em seu entorno, tanto no governo federal como no Partido dos Trabalhadores, parecem não afetar a boa imagem do presidente. Lula, incansável, caminha para uma grande vitória no próximo domingo. A única preocupação de seus assessores é que os últimos casos de corrupção reduzam essa vantagem, deixem sua porcentagem de votos abaixo de 50% e o obriguem a um segundo turno. É a esperança de Alckmin: forçar uma extensão da campanha eleitoral na qual tudo poderia ocorrer.
Vilma Moraes tem 35 anos e escapou por algumas horas do restaurante onde trabalha na cidade de São Vicente, litoral de São Paulo. Vestida com uma camiseta coberta de botões e uma bandeira vermelha, acompanha junto com milhares de pessoas as palavras pronunciadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em um palanque levantado na praia de Gonzaguinha.
"Amo Lula", diz quando se pergunta sua opinião sobre o discurso do presidente, candidato à reeleição presidencial nas eleições de domingo próximo, nas quais aparece como claro favorito. E o que acha dos escândalos de corrupção que voltaram a surgir no Partido dos Trabalhadores? "Amo Lula, o Brasil o ama", ela reitera, dando saltos.
Lula gosta de falar de amor em suas intervenções, e sua relação com o Brasil pode ser uma história dessas. A relação com a opinião pública do garoto pobre, o engraxate, o torneiro, o sindicalista que chegou ao topo da hierarquia do Estado em 27 de outubro de 2002 teve altos e baixos, tocando o fundo em 2005 quando eclodiu o escândalo do mensalão: um sistema organizado de compra de votos no Parlamento e financiamento ilegal do PT que provocou a queda da cúpula do partido e de vários ministros e quase acabou com o próprio presidente.
O começo da reconciliação tem uma data significativa: 14 de fevereiro de 2006. São Valentim deu ao primeiro mandatário do Brasil que não passou pela universidade ou a academia militar uma pesquisa que mostrou que voltara a ser o favorito dos brasileiros. Uma preferência que se mantém. A uma semana das eleições nas quais, segundo pesquisas divulgadas ontem, obtém a vitória no primeiro turno, mesmo depois do escândalo de compra de informação contra rivais políticos que abalou o PT.
"Foi o primeiro presidente desde Getúlio Vargas [que governou em vários períodos do século 20] que não se dirige às elites em seus discursos, mas diretamente ao povo", explica Ceferino Reato, autor de "Lula, a Esquerda no Divã", uma biografia não-autorizada do presidente brasileiro.
E em São Vicente, a primeira cidade que os portugueses levantaram no Brasil, em 1532, vizinha de São Bernardo, onde Lula passou parte de sua difícil infância, o presidente confirma essa estratégia. "Não tenham medo de Lula porque todos vocês são Lula e todos, a partir da minha vitória, podem ocupar o lugar que ocupo", salienta o presidente em mangas de camisa e entre os aplausos de seus seguidores, que o ovacionam cada vez que lembra que "o trabalhador brasileiro tomou consciência de que pode se sentar no palco principal da política".
Mas Lula nem sempre foi o favorito do povo. Na verdade, perdeu mais eleições do que ganhou, incluindo três presidenciais (1989, 1994 e 1998) e uma em 1982 para governador do estado de São Paulo. E quando se viu envolvido em escândalos a opinião pública sempre lhe deu as costas no primeiro momento.
Aconteceu em 1989, quando durante a disputa pela presidência com Fernando Collor de Mello surgiu uma enfermeira, Miriam Cordeiro, que tinha uma filha secreta com Lula, ao qual acusou de racista e de tê-la pressionado para que abortasse a menina, que nasceu em 1974. E voltou a acontecer em 2005, já presidente, quando se revelou a gigantesca trama de corrupção dentro de seu próprio partido.
"Ele sempre se recupera. Depois do episódio da mulher disseram que estava acabado e que jamais voltaria a se apresentar em eleições... e aí está como presidente", opina Carlos Augusto Manhanelli, diretor de uma empresa especializada em marketing político e assuntos eleitorais.
A equipe eleitoral de Lula - que formalmente se apresenta sob a sigla A Força do Povo, uma aliança entre o PT, o Partido Republicano Brasileiro e o Partido Comunista do Brasil -, prefere falar de dados concretos para explicar essa espécie de insubmersibilidade nas pesquisas. O nível de pobreza sofreu uma drástica redução nos três primeiros anos de seu mandato, ficando em 22% da população. Com o programa Fome Zero Lula unificou cerca de 30 programas de ajudas federais às famílias pobres.
Em 2006 serão investidos nele 4,7 bilhões de euros. Cerca de 11 milhões de famílias pobres - 40 milhões de pessoas - se beneficiam da Bolsa Família, um subsídio mensal de cerca de US$ 30 por unidade familiar. Muito pouco, sim, mas muito mais do que recebiam até a chegada de Lula.
"Seu grande segredo é que criou uma aliança entre pobres e ricos", salienta Reato, para quem às cifras e aos programas dedicados aos setores menos favorecidos da sociedade devem-se somar a estabilidade econômica que caracterizou seu mandato, depois da incerteza que provocou nos mercados sua chegada ao poder.
A oposição social-democrata o acusa de não ter aproveitado as oportunidades e de ter freado o crescimento do país, mas ao mesmo tempo os bancos e as indústrias exportadoras tiveram mais benefícios que nunca, e Lula foi o presidente brasileiro que cancelou a dívida com o Fundo Monetário Internacional, ficando em termos muito amistosos com a organização dirigida por Rodrigo Rato.
Provavelmente seja essa a receita do sucesso de Lula. Um pouco de tudo.
Católico devoto de São Francisco de Assis e próximo da teologia da libertação, mas com apoio entre os evangélicos. Cordial, espontâneo, lembrando sempre suas origens humildes, mas também sempre com ternos de Ricardo Almeida, um dos estilistas de roupas masculinas mais conhecidos do Brasil. Viúvo, casado em segundas núpcias com Marisa Letícia da Silva, pela Igreja e com um filho fora do casamento, Lula já experimentou que basta repetir "sou inocente" para ser perdoado.
E talvez o erro da oposição tenha sido que cada vez que houve um escândalo tentou forçar Lula a demonstrar essa inocência. Sem ir mais longe, na última quinta-feira tanto o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, como o ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso insistiram nessa linha.
De fato, Cardoso, que teoricamente está aposentado, entrou de cheio na campanha eleitoral com uma extensa carta a seus companheiros social-democratas na qual exige maior agressividade em sua oposição a Lula.
Para Cardoso, na política brasileira "ninguém se sente mais indignado por tanto horror". Claro que o ex-presidente tenta retificar um dos erros mais graves de estratégia política de seu partido, que ele mesmo forçou, quando em junho de 2005, em pleno escândalo dos subornos e com a popularidade de Lula no chão, declarou-se contrário a iniciar no Congresso o processo de destituição do presidente. "Vamos deixar Lula sangrando e vencer as eleições", ordenou então.
Lula sangrou, sim, mas cada vez menos.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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