Joseph Campbell: A religião como metáfora

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Res Cogitans
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Joseph Campbell: A religião como metáfora

Mensagem por Res Cogitans »

Joseph Campbell em O PODER DO MITO, eu farei comentários mais tarde....

CAMPBELL: Este não é, certamente, o deus de outras tradições. Nas outras mitologias, o indivíduo se coloca em acordo com o mundo, com sua mistura de bem e de mal. Mas no sistema religioso do Oriente Próximo, você se identifica com o bem e luta contra o mal. As tradições bíblicas do judaísmo, do cristianismo e do islamismo falam com menosprezo das assim chamadas religiões da natureza.

A mudança de uma religião da natureza para uma religião sociológica torna difícil para nós religar nos à natureza. Mas na verdade todos esses símbolos culturais são perfeitamente passíveis de serem interpretados em termos de sistemas psicológicos e cosmológicos, se você quiser encará-los dessa maneira.

Toda religião é verdadeira, de um modo ou de outro. Verdadeira quando compreendida metaforicamente. Mas se ela se aferrar às suas próprias metáforas, interpretando as como fatos, então haverá problemas.

MOYERS: O que é metáfora?

CAMPBELL: Metáfora é uma imagem que sugere alguma outra coisa. Por exemplo, se eu digo a alguém: “Você é uma víbora”, não estou sugerindo que a pessoa seja literalmente uma víbora. “Víbora” é uma metáfora. Nas tradições religiosas, a metáfora remete a algo transcendente, que não é literalmente coisa alguma. Aceitar a metáfora como auto-referente equivale a ir ao restaurante, pedir o cardápio e, deparando ali com a palavra “bife”, começar a comer o cardápio.

Por exemplo, Jesus ascendeu ao Paraíso. A denotação seria de que alguém subiu ao céu, é isso literalmente o que está sendo dito. Mas se fosse de fato esse o sentido da mensagem, então teríamos de jogá-la fora, porque não teria havido nenhum lugar como esse onde Jesus literalmente pudesse ir. Sabemos que Jesus não podia ter ascendido ao Paraíso pois não existe nenhum paraíso físico em qualquer parte do universo. Mesmo que ascendesse à velocidade da luz, Jesus ainda estaria na galáxia. A astronomia e a física simplesmente eliminaram isso como possibilidade física, literal. Mas se você ler “Jesus ascendeu ao Paraíso” em termos de sua conotação metafórica, entenderá que ele foi para dentro – não para o espaço exterior, mas para o espaço interior, para o lugar de que provêm todas as coisas, para a consciência que é a fonte de todas as coisas, para o reino do paraíso interior. As imagens estão aí fora, mas seu reflexo é interior. O fato é que nós poderíamos ascender com ele, caminhando para dentro. É a imagem do retorno à fonte, alfa e ômega, deixando para trás a fixação no corpo e caminhando na direção da fonte dinâmica do corpo.

MOYERS: Você não está minando uma das grandes doutrinas tradicionais da fé cristã clássica – a de que o sepultamento e a ressurreição de Jesus prefiguram o nosso próprio sepultamento e ressurreição?

CAMPBELL: Isso seria um erro de leitura do símbolo. Seria ler as palavras em termos de prosa e não em termos de poesia, ler a metáfora em termos de denotação e não de conotação.

MOYERS: E a poesia atinge a realidade invisível.
CAMPBELL: Aquilo que está além do próprio conceito de realidade, que transcende todo pensamento. O mito coloca você lá, o tempo todo, fornece um canal de comunicação com o mistério que você é.

Shakespeare disse que a arte é um espelho voltado para a natureza, e é isso mesmo. Natureza é a sua própria natureza, e todas essas maravilhosas imagens poéticas da mitologia se referem a algo dentro de você. Quando sua mente se deixa simplesmente aprisionar pela imagem ali fora, impedindo que se dê a referência a você mesmo, nesse caso você terá lido mal a imagem.

O mundo interior é o mundo das suas exigências, das suas energias, da sua estrutura, das suas possibilidades, que vão ao encontro do mundo exterior. E o mundo exterior é o campo da sua encarnação. É aí que você está. É preciso manter os dois, interior e exterior, em movimento. Como disse Novalis, “o pouso da alma é aquele lugar onde o mundo interior e
o exterior se encontram”.

MOYERS: Então, a história de Jesus ascendendo ao Paraíso é uma mensagem numa garrafa, de uma praia que alguém tinha visitado antes.

CAMPBELL: Exatamente – Jesus o fez. Ora, de acordo com a maneira corrente de se pensar sobre a religião cristã, não po demos identificar nos com Jesus, devemos imitá-lo. Dizer “Eu e o Pai somos um”, como Jesus disse, seria blasfêmia para nós. Entretanto, no Evangelho de São Tomás, desenterrado no Egito há cerca de quarenta anos, Jesus diz: “Aquele que beber da minha boca se tornará como eu, e eu serei ele”. Pois bem, isso vem a ser exatamente budismo. Todos nós somos manifestações da consciência do Buda, ou da consciência de Cristo, apenas não o sabemos. A palavra “Buda” significa “aquele que despertou”. E o que todos devemos fazer despertar para a consciência de Cristo ou do Buda dentro de nós. Isso é blasfêmia no pensamento cristão usual, mas é a verdadeira essência do gnosticismo cristão e do Evangelho de São Tomás.

MOYERS: A reencarnação também é uma metáfora?

CAMPBELL: Com certeza. Quando as pessoas perguntam: “Você acredita em reencarnação?”, eu tenho apenas que dizer: “Reencarnação, como o Paraíso, é uma metáfora”.

A metáfora que, na cristandade, corresponde à reencarnação é o purgatório. Se alguém morrer com uma fixação tal nas coisas deste mundo que seu espírito não esteja apto ainda a contemplar a visão beatífica, então deverá sofrer a purgação, deverá ser inteiramente purgado de suas limitações. Limitação é aquilo que se chama pecado. Pecado é simplesmente um fator limitador, que cerceia sua consciência, fixando a em uma condição inapropriada.

Na metáfora oriental, caso morra nessa condição, você voltará para viver mais experiências,
destinadas a clarificar, clarificar, clarificar, até que se liberte de todas essas fixações. A mônada reencarnante é o principal herói do mito oriental. A mônada assume várias personalidades, vida após vida. Pois bem, a idéia de reencarnação não é de que você e eu, com as personalidades que temos, iremos reencarnar. A personalidade é justamente aquilo de que a mônada se desfaz. Então a mônada assume outro corpo, masculino ou feminino, dependendo das experiências necessárias para ver se livre dos apegos que a prendem à esfera do tempo.
*Estou REALMENTE muito ocupado. Você pode ficar sem resposta em algum tópico. Se tiver sorte... talvez eu lhe dê uma resposta sarcástica.

*Deus deixou seu único filho morrer pendurado numa cruz, imagine o que ele fará com você.

Trancado