Página 1 de 1

De volta à senzala

Enviado: 12 Out 2006, 12:20
por Miguel Fernandes
“Fizeram o diabo para impedir que o Lula fosse presidente.(...) Finalmente, como se fosse uma concessão, deixaram Lula assumir. "Agora sai daí vagabundo!" É como se estivessem despachando um empregado a quem se permitiu o luxo de ocupar a Casa Grande. "Agora volta pra senzala"."


Chico Buarque de Holanda


Começou a circular, no último final de semana, em Curitiba, um adesivo com o desenho de uma mão com os dedos indicador e polegar formando um “L” e os dizeres “Sou contra o preconceito. Sou Lula”. O adesivo é resposta a um outro, apócrifo, que estampa o desenho de uma mão aberta, amputada do mindinho, dentro de um círculo e atravessada por uma tarja de proibido, em diagonal, com a palavra-de-ordem “Fora Lula”. Esse adesivo circula desde o final do primeiro turno, ao que se sabe em várias capitais do País.




A coordenação da campanha de Lula no Paraná requereu à Justiça Eleitoral a apreensão do adesivo e uma investigação de autoria. O juiz Roberto Bacellar, no entanto, indeferiu o pedido, alegando não ver conotação política na peça.




O adesivo, flagrantemente preconceituoso, soma-se às mensagens pela Internet, a certo noticiário da mídia e a um discurso com livre trânsito na classe média, tudo isso execrando nem tanto o governo, como a figura de Lula, seus gestos, sua indumentária, seu histórico, suas palavras, sua escolaridade, sua qualificação intelectual, etc., etc., etc. É miúdo – quase inexistente – o debate sobre a ação governamental propriamente dita. É superlativo o, digamos, nojo com que certos segmentos médios da sociedade tratam o Presidente da República e candidato à reeleição. Em outras palavras: não há argumentos, há preconceitos.




Vamos ao velho e sábio Houaiss:
Preconceito – 1) qualquer opinião ou sentimento, quer favorável quer desfavorável, concebido sem exame crítico; 2) atitude, sentimento ou parecer insensato, especialmente de natureza hostil, assumido em conseqüência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio; intolerância.




Então é isso: nada de reflexão, de debate, de racionalidade; tudo de ojeriza à figura do Presidente. Ou seja: não conheço, mas não gosto. O preconceito é assim.




No caso de Lula, a aversão de que é vítima nos extratos superiores e médios da sociedade, contém um sentido nitidamente de classe. Não tenho registro de tanto preconceito de classe num confronto político-institucional como o que cerca a atual sucessão.



Os confrontos anteriores, por mais virulentos, costumavam envolver membros das classes dominantes portadores de orientações políticas conflitantes. Getúlio e Jango, dois personagens emblemáticos do confronto político brasileiro no século 20, eram estancieiros que, a partir de determinadas circunstâncias, ergueram bandeiras favoráveis aos trabalhadores e à soberania nacional. A direita golpista os massacrou como que diante de ovelhas negras de uma mesma família que se atreveram a defender alguns interesses distintos de sua classe.




Agora, diante de Lula, egresso dos retirantes nordestinos, das metalúrgicas do ABC e dos embates sindicais, a reação difere em extensão e ferocidade. Lula, afinal, não é a ovelha negra que, eventualmente, se desgarrou. Não. É o líder de outra classe, que reúne em torno de si classes e sub-classes estruturalmente opostas às oligarquias e à grande burguesia avassalada ao capital internacional.




Há pouco, o sempre lúcido Chico Buarque declarou: "O preconceito de classe contra Lula continua existindo - e em graus até mais elevados. A maneira como ele é insultado eu nunca vi igual. Acaba inclusive sendo contraproducente para quem agride, porque o sujeito mais humilde ouve e pensa: "Que história é essa de burro? De ignorante? De imbecil?" Não me lembro de ninguém falar coisas assim antes, nem de Collor.



"Vagabundo! Ladrão! Assassino!" - até assassino já ouvi.




Não se pense que este óleo do preconceito provém apenas do rasteiro dessa tal classe média. Há uma certa intelectualidade que procura conferir suporte teórico ao senso comum.




A esse propósito, recebi e desejo repercutir entre os milhares de brasileiros que acessam diariamente o Vermelho, o artigo “A crise da intelectualidade e o resultado eleitoral”, da professora Andréa Caldas, do setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). É reflexão breve, mas bastante oportuna, relevante para quem procura compreender os imbróglios da atualidade política brasileira.




Escreve Andréa Caldas:




“Desde D. Pedro I, inspirado por idéias liberais num país semi-feudal até a "Ordem e Progresso" emprestada do positivismo, que vaticina a prevalência da teoria sobre a prática, grande parte dos intelectuais brasileiros parecem vocacionados ao distanciamento do povo”.




E prossegue:





“A votação em Lula, em 2002, por parcela desta intelectualidade, pode ser interpretada pela combinação da decepção com o presidente sociólogo, que vendeu boa parte do patrimônio nacional, comprou a emenda da reeleição e se aliou aos coronéis (incultos) do nordeste, com um certo romantismo pequeno-burguês que viu em Lula, a figura de Carlitos, imortalizado nas telas de cinema: autêntico e ingênuo. Parte desta autenticidade consistiria no fato de saber seu lugar, ou seja, jamais desafiar as teses dos "cultos".





Segundo a professora da UFPR, “as denúncias de corrupção entre integrantes do governo, investigadas ineditamente pela Policia Federal e consubstanciadas pelo Procurador Geral da República (indicado por Lula), destravaram a ira de parte desta "intelectualidade" e abriram espaço livre para o preconceito ...”.





“A pequena-burguesia”, acrescenta Caldas, em seu texto, “reeditou o discurso udenista, nas suas vertentes esquerdista e conservadora, e fez da bandeira da ética a prima-irmã do preconceito de classe. No começo tímidos e depois escancarados, avolumaram-se os discursos contra a falta de diploma de Lula. Nos jornais, nas revistas e na Internet (veículo preferencial de organização da classe média desenraizada), charges, piadas e comentários maldosos, alavancaram a reedição do discurso tecnocrata da ditadura militar, escudado indelevelmente pela regra da competência...”.



Caldas afirma, com Chico Buarque, que, para os setores conservadores, “era chegada a hora de mandar o empregado de volta para a senzala, depois da concessão generosa de ter desfrutado da sala de visita, por um certo tempo". Para tanto, a grande imprensa se auto-investiu da missão sagrada de esclarecer a população sobre o maior escândalo de corrupção do país (sic) ... já divulgado e investigado...”.



Como a população dava mostras de não estar captando o recado da mídia – erigida em porta-voz do súbito moralismo papagaiado pela direita – e, por extensão, andava distante das “análises” emitidas pela “intelectualidade”, “os discursos começaram a ficar mais exaltados e deu-se livre curso, enfim, ao preconceito ...”.





Caldas faz uma sumária, porém acerba crítica à perplexidade da classe média, “que um dia ouviu o canto da sereia do capitalismo e acreditou que se conquistasse um diploma poderia ascender e se aproximar dos donos do capital, e agora não pode se conformar que um sem diploma governe o país, seja recebido em todos os países com respeito, enquanto os seus filhos diplomados não consigam a tão prometida ascensão social. Ao invés, de entender que o capitalismo, cada vez mais concentrador e oligopolista, há muito tempo não abre espaço para a ascensão, prefere culpar o povo”.





A autora conclui seu artigo citando Gramsci: "O erro do intelectual consiste em acreditar que se possa saber sem compreender e, principalmente, sem sentir e estar apaixonado (...) isto é, em acreditar que o intelectual possa ser um intelectual ( e não um mero pedante), sem sentir as paixões elementares do povo, compreendendo-as e, assim, explicando-as e justificando-as em determinada situação histórica, bem como relacionando-as dialeticamente a uma concepção do mundo superior.”



Nada a acrescentar. Tudo a refletir.

http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=8659

Re: De volta à senzala

Enviado: 12 Out 2006, 19:00
por videomaker
A falta de um dos dedos da mão , não é a marca registrada do Lula ? qual o problema disso em um adesivo !
Iclusive os 4 dedos em uma mão e os 5 em outra fica claro o numero 45 !!!!! :emoticon13:

Fora Mula !