Os números sobre as privatizações
Enviado: 13 Out 2006, 13:41

O SETOR DE TELEFONIA
Em julho de 1998, o governo vendeu o Sistema Telebrás a grupos brasileiros e estrangeiros por R$ 22,057 bilhões (valores da época), com ágio de 63,74%. Na época, consumidores compravam suas linhas telefônicas e esperavam até seis anos para recebê-las. Por isso, havia um enorme mercado paralelo de telefonia, em que uma linha fixa chegava a custar US$ 10 mil, já que as companhias oficiais não conseguiam suprir a demanda crescente.
Hoje, há sobra de linhas, mas ainda há muitas reclamações de consumidores sobre os serviços tanto de telefonia fixa quanto de celular. Das três concessionárias de telefonia fixa, a Telesp (hoje Telefônica) foi a que teve mais ágio, de 64,29%. Foi vendida por R$ 5,783 bilhões.
A Tele Centro Sul (hoje Brasil Telecom) foi arrematada por R$ 2,07 bilhões, um ágio de 6,15%. A Tele Norte Leste (hoje Telemar) teve ágio de apenas 1%, saindo por R$ 3,434 bilhões. A Embratel, que monopolizava a longa distância, foi vendida por R$ 2,65 bilhões, com ágio de 47,22%.
--------------------------------------------------
A frase e o fato
Miriam Leitão "O Globo" 13/10/06
O presidente diz que dinheiro público é para os pobres e a frase é irretocável. Deveria ser sempre esse o destino preferencial dos impostos pagos pelos brasileiros. Não tem sido. O dinheiro público é consumido no custeio da máquina pública que está sendo ampliada durante seu governo. As estatais custaram caro aos cofres públicos: em desvio de recursos, em má administração, em transferências indevidas para os fundos de pensão.
O presidente nem se dá conta de que a sua concepção de estado revoga sua melhor frase.
As siderúrgicas e as elétricas consumiram bilhões em processos de saneamento.
O Banco do Brasil ainda se dá ao desfrute de inventar um evento cultural para dar dinheiro para o partido do governo, e ainda permite que um diretor de gestão de risco se ocupe de fabricação de dossiês conspiratórios.
As estatais sempre fizeram bilionárias transferências para seus fundos de pensão para garantir aos seus funcionários vantagens que os pobres jamais sonhariam em ter, e que nem mesmo a classe média do setor privado teria. As remanescentes ainda fazem essas transferências grandes de recursos aos seus fundos de pensão como a Petrobras está fazendo agora. Nem sempre o remédio é privatizar, mas, quando a empresa se mantém estatal, tem que estar submetida ao controle de regulares independentes que exijam transparência e prestação de contas, que evitem que ela seja apropriada pelo corporativismo ou pelo governo de ocasião.
A telefonia estatal jamais chegou à casa do pobre.
Negava-se até à casa de parte da classe média, que tinha que comprar telefone no mercado clandestino, aceitar negociar com atravessadores escusos, para ter o serviço em casa. Inúmeros lugarejos do interior do Brasil viviam isolados.
Quem pagava o preço disso eram os pobres, que não tinham opção. O percentual de domicílios com telefone era de absurdos 19% em 1992, depois de 30 anos de telefonia estatal. O telefone celular saiu de quatro milhões de acessos para 91 milhões. Os lugarejos remotos foram interligados por força da regulação que mandou as empresas privatizadas universalizar a telefonia fixa.
As siderúrgicas quebraram de tanto aço subsidiado que venderam para grandes empresas, inclusive multinacionais. As distribuidoras de energia passaram por sucessivos planos de saneamento, porque eram descapitalizadas pelo subsídio às grandes empresas e pelo uso político feito dos seus caixas pelos governadores.
Os bancos estaduais sofreram o mesmo abuso dos governadores. O BNDES sempre deu, e ainda dá, empréstimo subsidiado às grandes empresas. Isso significou muitos bilhões transferidos aos empresários.
O Banco do Brasil sempre subsidiou a agricultura, e houve época em que nem cobrava os empréstimos concedidos. As estatais, os bancos públicos e a máquina inchada foram veículos para mandar dinheiro para os mais ricos, para os não-pobres do Brasil.
Com tudo isso, o PSDB, que fez a privatização, envergonhase dela. Não a defende, comporta-se como se ela fosse algum erro inconfessável.
Quando perguntado sobre isso, o candidato do PSDB sempre sai pela tangente: “Vamos discutir o futuro e não o passado”. O presidente Lula acha que está defendendo os pobres quando sonha em ampliar a estatização.
O chefe do governo que manteve as metas de inflação, o Copom, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o câmbio flutuante, cumpriu até o fim o acordo com o FMI, pagou antecipadamente a dívida externa, garante que tem com o governo anterior uma briga ideológica.
Lula não gosta do contraditório.
Tende a ver a pergunta mais dura do jornalista como preconceito ou uma posição “ideológica” por parte de quem a formulou. Na disputa de 1989, tinha idéias que hoje rejeita. Até admitiu que, por sorte, não ganhou naquela época. Em 1994 e 1998, fez um estilo raivoso de campanha e negou os avanços da estabilização da moeda.
Perdeu. Em 2002, fez o personagem criado por Duda Mendonça e divulgou uma carta mudando sua proposta econômica. Ganhou. Em todas as quatro eleições até 2002, foi protegido e adulado por uma parte dos jornalistas.
Acostumou-se a isso.
No poder, escolheu não dar entrevistas. Hábito que alterou a contragosto apenas nessa época de campanha.
Depois de quatro anos no poder, e muitos escândalos de corrupção, tem convicção de que os jornalistas estão contra ele.
O presidente escolhe a ambigüidade. Precisa dela.
Ele não pode ser explícito sobre suas novas convicções desde que chegou ao poder, e aprendeu na prática certas verdades e limites.
Se o fizer, poderá perder o militante tradicional, que permaneceu fiel apesar das denúncias de corrupção e da mudança de programa.
Mas não pode também deixar de fazer um sinal de que mudou, para manter seus novos apoios.
Equilibra-se entre dois discursos.
Por isso, precisa dizer, nesse segundo turno, que há um combate ideológico no país. E a luta entre ele e a elite; entre ele e os conservadores. Mas tudo o que consegue apresentar como diferença ideológica é o saudosismo em relação às telefônicas e à Vale estatais e a defesa de um anacrônico estatismo.