A fragilidade dos ataques à política externa
Enviado: 16 Out 2006, 14:09
Contradições mostram fragilidade de ataques à política externa
Coberta do indisfarçável interesse eleitoral, gritaria de tucanos e afins entra em choque com cenários, desafios e oportunidades concretas colocadas para o Brasil no xadrez geopolítico e econômico das relações internacionais.
Maurício Hashizume - Carta Maior
BRASÍLIA – O volume estridente dos ataques do candidato Geraldo Alckmin e de seus correligionários do PSDB e do PFL à política externa do governo Lula, do PT, esconde contradições fundamentais. Especialistas consultados pela reportagem da Carta Maior identificam, além do indisfarçável interesse eleitoral, uma relação conflituosa entre a gritaria dos oposicionistas e os cenários, desafios e oportunidades concretas colocadas para o Brasil no xadrez geopolítico e econômico das relações internacionais.
No primeiro debate entre os presidenciáveis que disputam o segundo turno, Alckmin classificou a política externa atual de Lula de “fracasso”. “A tentativa de permanência no Conselho de Segurança da ONU [Organização das Nações Unidas] não conseguiu, diretoria do OMC [Organização Mundial do Comércio] perdeu, diretoria do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] perdeu. Com a Bolívia, o Brasil foi humilhado. Na Bolívia, foram expropriados os ativos da Petrobras, R$ 1,5 bilhão e o governo foi fraco, foi submisso. Com a Argentina, bateu o pé argentino e o Brasil recuou. A Zona Franca de Manaus está sendo prejudicada. Produtos do Brasil estão sendo taxados de forma aumentada e a China, que está invadindo o Brasil de produto chinês, ele reconheceu como uma economia de mercado. Por que não defender o interesse do Brasil?”, insinuou o tucano em intervenção nos estúdios da TV Bandeirantes, em São Paulo.
Especialista das mais respeitadas no meio diplomático, Maria Regina Soares de Lima, coordenadora do Observatório Político Sul-Americano (Opsa) do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), até concorda que o governo não obteve êxito total em suas investidas e que “derrotas são sempre ruins”, mas faz questão de enfatizar que o Itamaraty ganhou ao ter adotado um posicionamento mais ofensivo e influente na definição das regras em âmbito multilateral. A orientação da política externa de Fernando Henrique Cardoso (FHC), compara a professora, se voltava mais para o acesso aos organismos multilaterais, em ação combinada com a assinatura de acordos para galvanizar determinadas convenções ainda dentro do contexto pós-ditadura militar (1964-1985).
A atuação da diplomacia brasileira no caso da nacionalização dos hidrocarbonetos (gás natural, petróleo, etc.) na Bolívia consta de dez de cada dez discursos que se opõem às diretrizes aplicadas nos últimos quatro anos. Na visão de Maria Regina, a forma como o candidato Alckmin intervém na questão revela uma típica manifestação “para degustação do público interno”. O que se viu, segundo ela, foi uma opção clara e acertada do Brasil pelo caminho da negociação diante de um a situação extremamente delicada em que o agravamento implica em perdas para os dois lados, já que ambos os países têm dificuldades para abandonar a relação comercial de extração e refino de gás natural boliviano pela Petrobras. “Havia muito pouco a ser feito que gerasse resultados práticos”, analisa, sublinhando o nível de pressão enfrentado pelo presidente boliviano Evo Morales neste processo de “refundação” [leia matérias sobre a Bolívia], tanto por setores de direita como de esquerda. A professora salienta ainda que o confisco das refinarias da Petrobras foi congelado e que o ministro que vinha agravando tensões com o Brasil já foi afastado.
“A oposição gostaria que a diplomacia brasileira fizesse como um elefante numa loja de cristais”, sintetiza a coordenadora do Opsa/Iuperj. “Os bolivianos não invadiram a embaixada do Brasil”, completa. A postura dos críticos à política externa recorre à simbologia do patriotismo - em que qualquer ameaça de países menores se converte em questão de altivez e soberania nacional e qualquer negociação é interpretada como concessão do Brasil - e impede, no entendimento da especialista, uma apreensão mais realista do caso da Bolívia. “Isso [exigência de postura mais impositiva] pode causar problemas de reações xenófobas que não nos interessam. A nossa vizinhança é permanente. Não podemos mudar de lugar no mundo”, pondera.
A “submissão” do Brasil que está sempre na ponta da língua dos críticos da política externa dista do consenso. Em qualquer relação desigual, contestam estudiosos, quem precisa ceder para não conturbar ainda mais o ambiente nas crises é o lado mais forte. “Criar cizânia é muito fácil. A paz leva séculos”, crava o professor José Flávio Sombra Saraiva, da Universidade de Brasília (UnB). A formação de alianças sólidas, independemente de afinidades político-ideológicas, é um componente fundamental para a sobrevivência nas relações internacionais.
Argentina e Venezuela
“Quem critica o posicionamento do Brasil em relação à Argentina nas negociações do Mercosul tem, na realidade, uma concepção pequena do papel do Brasil na região”, consubstancia Maria Regina. Segundo a pesquisadora, o governo Lula pegou o Mercosul “com uma TEC [Tarifa Externa Comum] toda perfurada, sob o risco de involuir para uma área de livre comércio”. Neste jogo, a política de compensação levada a cabo pelos negociadores brasileiros tem um papel importante, já que é preciso que o País com a maior presença econômica da região dê alguma coisa em troca para ampliar o potencial e as pretensões do bloco sul-americano. “Guardada as devidas proporções, os Estados Unidos fizeram a mesma coisa com os países da Europa com o Plano Marshall [depois da II Guerra Mundial]”.
Políticos oposicionistas também condenam a entrada da Venezuela no Mercosul e acusam o Itamaraty de submissão às vontades do presidente Hugo Chávez, da Venezuela. A pesquisadora do Opsa/Iuperj confirma a existência de uma competição natural e saudável do Brasil com a Venezuela de Chávez exatamente no processo de concessões para o fortalecimento da integração. Nesse quesito, Chávez usa e abusa do cacife econômico dos royalties do petróleo, enquanto o Brasil ainda busca formas - em especial nas áreas de crédito e investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de contribuir com os países do mesmo subcontinente. A concorrência teria inclusive contribuído para mudar a posição do Brasil no que se refere à redução das assimetrias no relacionamento com o Uruguai e o Paraguai.
A vitória de candidatos de esquerda na América Latina tem, de acordo com a professora, uma característica comum: são muito diferentes entre si e fazem parte do processo democrático. Nesse contexto diversificado de forças políticas emergentes, a dimensão política ganhou muito mais importância, complementa a professora. “Uma postura dura e intransigente não condiz neste mundo mais complexo. Quanto mais flexível e disposto a negociar, melhor”.
Comércio e política industrial
O cerne dos ataques à escolha pela diversificação de relações para além dos parceiros comerciais tradicionais, notadamente os EUA e a União Européia (UE), questiona os resultados econômicos da política externa do governo Lula. No entanto, além do crescimento geral das exportações e dos resultados significativos da balança comercial nos últimos anos, a opção brasileira vem colhendo frutos qualitativos, com destaque especial no que diz respeito ao intercâmbio comercial com os países da América Latina e do Caribe.
De acordo com notícia publicada pelo Valor Econômico na semana passada, exportadores brasileiros estão ganhando cada vez mais espaço na relação com países geograficamente e culturalmente mais próximos do Brasil. “A região da América Latina e Caribe, que já compra mais de um quarto das exportações do Brasil, absorveu, sozinha, pouco mais de 40% das vendas brasileiras de manufaturados, como automóveis, celulares e máquinas brasileiras, entre janeiro e setembro deste ano. Nesse período, o crescimento das vendas de manufaturados para a América Latina foi de 22,7%, o dobro do aumento verificado para as outras regiões do mundo, na comparação com os mesmos meses de 2005”, noticiou o jornal.
Na onda desse dinamismo exportador, analistas mais próximos do pensamento tucano tem inclusive defendido atenção maior aos EUA, juntamente com os países latino-americanos. Os números são eloqüentes: em 1996, o comércio do Brasil com o continente americano acumulava um déficit de US$ 4,2 bilhões; em 2005, o superávit aingiu mais de US$ 25 bilhões. “Todas as categorias de produtos crescem, mas chama a atenção o ótimo desempenho dos produtos diferenciados, que responderam por 87% do saldo positivo em 2005, com destaque para automóveis, máquinas, celulares e aeronaves”, salientou Marcos Sawaya Jank, em artigo reproduzido no jornal O Estado de S. Paulo no último mês de julho. O bom desempenho, curiosamente, é utilizado por Jank para sugerir a retomada das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Os defensores da Alca, cujas negociações são defendidas expressamente no programa de governo de Alckmin, têm que entender, segundo Maria Regina, que o acordo de comércio regulado poderá privar o País de executar qualquer política industrial. Alguns países menores sem potencial produtivo que dependem significativamente dos EUA firmaram Tratados de Livre Comércio (TLCs) para tentar ganhar mais espaço no mercado norte-americano. “Para o Brasil, isso teria um custo muito alto”, afirma a professora, destacando os interesses econômicos variados do Brasil: de commodities (produtos primários agrícolas) à tecnologia.
As censuras à dimensão Sul-Sul da política externa atual – simbolizada pela referência de Alckmin à invasão dos produtos chineses que vem afetando o mercado interno – também tem a ver com política industral. Desqualificações nessa linha enxergam os países do Hemisfério Sul, como a China, como concorrentes diretos no mercado mundial e não como parceiros. A qualificação da pauta de exportações e a competitividade internacional, complementa a especialista do Iuperj, não depende do mercado, mas do investimento em política industrial. “Falar em política industrial durante o governo Fernando Henrique Cardoso era um verdadeiro xingamento”, recorda Maria Regina.
Nesse ponto, a destinação do superávit comercial brasileiro emerge como um fator decisivo para a consolidação dos interesses do País. Paulo Vizentini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), recorda a operação comandada por Getúlio Vargas durante o drama da Grande Depressão dos EUA, nos anos 30. Na ocasião, Vargas adotou medidas para ampliar a exportação de grãos de café, principal produto da pauta nacional. O ex-presidente aproveitou os recursos provenientes da administração de preços do café, que poderia ser encarada apenas como uma prova de rendição ao modelo agrário-exportador, para promover uma grande importação de bens de capital e projetar a industrialização brasileira.
Vizentini salienta que a política externa brasileira “descobriu espaços vazios no mapa e firmou parcerias significativas que aparecem muito pouco em regiões consideradas “problemáticas” pelos críticos (como a África, o Oriente Médio e parte da Ásia). Para ele, a disputa dos mercados europeu e norte-americano necessita de investimentos vultosos que dificultam a entrada dos produtos brasileiros. “Os mercados do Norte são mais protegidos”, complementa Maria Regina, do Opsa/Iuperj. “Ao impulsionar o comércio com países da América Latina, do Hemisfério Sul e de parceiros novos na África e no oriente Médio, o Brasil não deixou de lado o comércio com os EUA e com os países da Europa. Não se trata de uma operação de soma zero”.
Fonte: Agência Carta Maior
Coberta do indisfarçável interesse eleitoral, gritaria de tucanos e afins entra em choque com cenários, desafios e oportunidades concretas colocadas para o Brasil no xadrez geopolítico e econômico das relações internacionais.
Maurício Hashizume - Carta Maior
BRASÍLIA – O volume estridente dos ataques do candidato Geraldo Alckmin e de seus correligionários do PSDB e do PFL à política externa do governo Lula, do PT, esconde contradições fundamentais. Especialistas consultados pela reportagem da Carta Maior identificam, além do indisfarçável interesse eleitoral, uma relação conflituosa entre a gritaria dos oposicionistas e os cenários, desafios e oportunidades concretas colocadas para o Brasil no xadrez geopolítico e econômico das relações internacionais.
No primeiro debate entre os presidenciáveis que disputam o segundo turno, Alckmin classificou a política externa atual de Lula de “fracasso”. “A tentativa de permanência no Conselho de Segurança da ONU [Organização das Nações Unidas] não conseguiu, diretoria do OMC [Organização Mundial do Comércio] perdeu, diretoria do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] perdeu. Com a Bolívia, o Brasil foi humilhado. Na Bolívia, foram expropriados os ativos da Petrobras, R$ 1,5 bilhão e o governo foi fraco, foi submisso. Com a Argentina, bateu o pé argentino e o Brasil recuou. A Zona Franca de Manaus está sendo prejudicada. Produtos do Brasil estão sendo taxados de forma aumentada e a China, que está invadindo o Brasil de produto chinês, ele reconheceu como uma economia de mercado. Por que não defender o interesse do Brasil?”, insinuou o tucano em intervenção nos estúdios da TV Bandeirantes, em São Paulo.
Especialista das mais respeitadas no meio diplomático, Maria Regina Soares de Lima, coordenadora do Observatório Político Sul-Americano (Opsa) do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), até concorda que o governo não obteve êxito total em suas investidas e que “derrotas são sempre ruins”, mas faz questão de enfatizar que o Itamaraty ganhou ao ter adotado um posicionamento mais ofensivo e influente na definição das regras em âmbito multilateral. A orientação da política externa de Fernando Henrique Cardoso (FHC), compara a professora, se voltava mais para o acesso aos organismos multilaterais, em ação combinada com a assinatura de acordos para galvanizar determinadas convenções ainda dentro do contexto pós-ditadura militar (1964-1985).
A atuação da diplomacia brasileira no caso da nacionalização dos hidrocarbonetos (gás natural, petróleo, etc.) na Bolívia consta de dez de cada dez discursos que se opõem às diretrizes aplicadas nos últimos quatro anos. Na visão de Maria Regina, a forma como o candidato Alckmin intervém na questão revela uma típica manifestação “para degustação do público interno”. O que se viu, segundo ela, foi uma opção clara e acertada do Brasil pelo caminho da negociação diante de um a situação extremamente delicada em que o agravamento implica em perdas para os dois lados, já que ambos os países têm dificuldades para abandonar a relação comercial de extração e refino de gás natural boliviano pela Petrobras. “Havia muito pouco a ser feito que gerasse resultados práticos”, analisa, sublinhando o nível de pressão enfrentado pelo presidente boliviano Evo Morales neste processo de “refundação” [leia matérias sobre a Bolívia], tanto por setores de direita como de esquerda. A professora salienta ainda que o confisco das refinarias da Petrobras foi congelado e que o ministro que vinha agravando tensões com o Brasil já foi afastado.
“A oposição gostaria que a diplomacia brasileira fizesse como um elefante numa loja de cristais”, sintetiza a coordenadora do Opsa/Iuperj. “Os bolivianos não invadiram a embaixada do Brasil”, completa. A postura dos críticos à política externa recorre à simbologia do patriotismo - em que qualquer ameaça de países menores se converte em questão de altivez e soberania nacional e qualquer negociação é interpretada como concessão do Brasil - e impede, no entendimento da especialista, uma apreensão mais realista do caso da Bolívia. “Isso [exigência de postura mais impositiva] pode causar problemas de reações xenófobas que não nos interessam. A nossa vizinhança é permanente. Não podemos mudar de lugar no mundo”, pondera.
A “submissão” do Brasil que está sempre na ponta da língua dos críticos da política externa dista do consenso. Em qualquer relação desigual, contestam estudiosos, quem precisa ceder para não conturbar ainda mais o ambiente nas crises é o lado mais forte. “Criar cizânia é muito fácil. A paz leva séculos”, crava o professor José Flávio Sombra Saraiva, da Universidade de Brasília (UnB). A formação de alianças sólidas, independemente de afinidades político-ideológicas, é um componente fundamental para a sobrevivência nas relações internacionais.
Argentina e Venezuela
“Quem critica o posicionamento do Brasil em relação à Argentina nas negociações do Mercosul tem, na realidade, uma concepção pequena do papel do Brasil na região”, consubstancia Maria Regina. Segundo a pesquisadora, o governo Lula pegou o Mercosul “com uma TEC [Tarifa Externa Comum] toda perfurada, sob o risco de involuir para uma área de livre comércio”. Neste jogo, a política de compensação levada a cabo pelos negociadores brasileiros tem um papel importante, já que é preciso que o País com a maior presença econômica da região dê alguma coisa em troca para ampliar o potencial e as pretensões do bloco sul-americano. “Guardada as devidas proporções, os Estados Unidos fizeram a mesma coisa com os países da Europa com o Plano Marshall [depois da II Guerra Mundial]”.
Políticos oposicionistas também condenam a entrada da Venezuela no Mercosul e acusam o Itamaraty de submissão às vontades do presidente Hugo Chávez, da Venezuela. A pesquisadora do Opsa/Iuperj confirma a existência de uma competição natural e saudável do Brasil com a Venezuela de Chávez exatamente no processo de concessões para o fortalecimento da integração. Nesse quesito, Chávez usa e abusa do cacife econômico dos royalties do petróleo, enquanto o Brasil ainda busca formas - em especial nas áreas de crédito e investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de contribuir com os países do mesmo subcontinente. A concorrência teria inclusive contribuído para mudar a posição do Brasil no que se refere à redução das assimetrias no relacionamento com o Uruguai e o Paraguai.
A vitória de candidatos de esquerda na América Latina tem, de acordo com a professora, uma característica comum: são muito diferentes entre si e fazem parte do processo democrático. Nesse contexto diversificado de forças políticas emergentes, a dimensão política ganhou muito mais importância, complementa a professora. “Uma postura dura e intransigente não condiz neste mundo mais complexo. Quanto mais flexível e disposto a negociar, melhor”.
Comércio e política industrial
O cerne dos ataques à escolha pela diversificação de relações para além dos parceiros comerciais tradicionais, notadamente os EUA e a União Européia (UE), questiona os resultados econômicos da política externa do governo Lula. No entanto, além do crescimento geral das exportações e dos resultados significativos da balança comercial nos últimos anos, a opção brasileira vem colhendo frutos qualitativos, com destaque especial no que diz respeito ao intercâmbio comercial com os países da América Latina e do Caribe.
De acordo com notícia publicada pelo Valor Econômico na semana passada, exportadores brasileiros estão ganhando cada vez mais espaço na relação com países geograficamente e culturalmente mais próximos do Brasil. “A região da América Latina e Caribe, que já compra mais de um quarto das exportações do Brasil, absorveu, sozinha, pouco mais de 40% das vendas brasileiras de manufaturados, como automóveis, celulares e máquinas brasileiras, entre janeiro e setembro deste ano. Nesse período, o crescimento das vendas de manufaturados para a América Latina foi de 22,7%, o dobro do aumento verificado para as outras regiões do mundo, na comparação com os mesmos meses de 2005”, noticiou o jornal.
Na onda desse dinamismo exportador, analistas mais próximos do pensamento tucano tem inclusive defendido atenção maior aos EUA, juntamente com os países latino-americanos. Os números são eloqüentes: em 1996, o comércio do Brasil com o continente americano acumulava um déficit de US$ 4,2 bilhões; em 2005, o superávit aingiu mais de US$ 25 bilhões. “Todas as categorias de produtos crescem, mas chama a atenção o ótimo desempenho dos produtos diferenciados, que responderam por 87% do saldo positivo em 2005, com destaque para automóveis, máquinas, celulares e aeronaves”, salientou Marcos Sawaya Jank, em artigo reproduzido no jornal O Estado de S. Paulo no último mês de julho. O bom desempenho, curiosamente, é utilizado por Jank para sugerir a retomada das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Os defensores da Alca, cujas negociações são defendidas expressamente no programa de governo de Alckmin, têm que entender, segundo Maria Regina, que o acordo de comércio regulado poderá privar o País de executar qualquer política industrial. Alguns países menores sem potencial produtivo que dependem significativamente dos EUA firmaram Tratados de Livre Comércio (TLCs) para tentar ganhar mais espaço no mercado norte-americano. “Para o Brasil, isso teria um custo muito alto”, afirma a professora, destacando os interesses econômicos variados do Brasil: de commodities (produtos primários agrícolas) à tecnologia.
As censuras à dimensão Sul-Sul da política externa atual – simbolizada pela referência de Alckmin à invasão dos produtos chineses que vem afetando o mercado interno – também tem a ver com política industral. Desqualificações nessa linha enxergam os países do Hemisfério Sul, como a China, como concorrentes diretos no mercado mundial e não como parceiros. A qualificação da pauta de exportações e a competitividade internacional, complementa a especialista do Iuperj, não depende do mercado, mas do investimento em política industrial. “Falar em política industrial durante o governo Fernando Henrique Cardoso era um verdadeiro xingamento”, recorda Maria Regina.
Nesse ponto, a destinação do superávit comercial brasileiro emerge como um fator decisivo para a consolidação dos interesses do País. Paulo Vizentini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), recorda a operação comandada por Getúlio Vargas durante o drama da Grande Depressão dos EUA, nos anos 30. Na ocasião, Vargas adotou medidas para ampliar a exportação de grãos de café, principal produto da pauta nacional. O ex-presidente aproveitou os recursos provenientes da administração de preços do café, que poderia ser encarada apenas como uma prova de rendição ao modelo agrário-exportador, para promover uma grande importação de bens de capital e projetar a industrialização brasileira.
Vizentini salienta que a política externa brasileira “descobriu espaços vazios no mapa e firmou parcerias significativas que aparecem muito pouco em regiões consideradas “problemáticas” pelos críticos (como a África, o Oriente Médio e parte da Ásia). Para ele, a disputa dos mercados europeu e norte-americano necessita de investimentos vultosos que dificultam a entrada dos produtos brasileiros. “Os mercados do Norte são mais protegidos”, complementa Maria Regina, do Opsa/Iuperj. “Ao impulsionar o comércio com países da América Latina, do Hemisfério Sul e de parceiros novos na África e no oriente Médio, o Brasil não deixou de lado o comércio com os EUA e com os países da Europa. Não se trata de uma operação de soma zero”.
Fonte: Agência Carta Maior