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Pressuposto Dominante
Enviado: 01 Dez 2005, 11:50
por Luis Dantas
Pressuposto dominantePor
James RachelsHá alguns anos, os membros de um grupo de investigadores liderados pelo Dr. David Rosenham, professor de psicologia e direito na Universidade de Stanford, conseguiram introduzir-se em vários hospitais psiquiátricos fazendo-se passar por doentes. Os funcionários dos hospitais ignoravam que eles eram especiais; pensavam que os investigadores eram doentes como os outros.
Os investigadores eram perfeitamente normais, seja qual for o significado do termo, mas a sua simples presença nos hospitais criou o pressuposto de que estavam mentalmente perturbados. Apesar de se comportarem com normalidade — nada fizeram para se fingir doentes — descobriram rapidamente que tudo quanto faziam era interpretado pelos médicos como sinal de seja qual for o problema mental que tinham inscrito nos formulários de admissão. Quando um deles era apanhado a tomar notas, eram inscritas notas do seguinte género nos seus relatórios: "o paciente envolve-se num comportamento de escrita". Durante uma entrevista, um "paciente" confessou que apesar de ter maior proximidade com a mãe quando era criança se ligou mais ao pai à medida que cresceu — uma mudança perfeitamente normal. Mas isto foi interpretado como prova de "relações instáveis na infância". Mesmo os seus protestos e declarações de normalidade foram voltados contra eles. Um dos verdadeiros pacientes alertou-os: "nunca digam a um médico que estão bem. Ele não vai acreditar. Isso chama-se "fuga para a saúde". Digam-lhe que continuam doentes, mas sentem-se muito melhor. Isso chama-se perspicácia".
Do pessoal dos hospitais, ninguém deu pelo logro. Os verdadeiros pacientes, no entanto, perceberam tudo. Um deles disse a um investigador, "Você não é louco. Está a investigar o hospital". E de facto estava.
Por que razão os médicos não perceberam? A experiência revelou algo sobre o poder de um pressuposto dominante: uma vez aceite uma hipótese, tudo pode ser interpretado para a apoiar. Quando a ideia de que os pacientes falsos tinham perturbações mentais foi admitida como pressuposto dominante, o seu comportamento não importava. Fizessem o que fizessem isso seria interpretado de modo a adaptar-se ao pressuposto. Mas o "sucesso" desta técnica não provou que a hipótese estivesse correcta. Era sinal, isso sim, de que algo correu mal.
A hipótese de que os pacientes falsos sofriam de perturbações mentais era defeituosa porque era insusceptível de ser testada. Se uma hipótese pretende dizer algo de factual sobre o mundo, então tem de haver condições imagináveis que possam verificá-la e outras que possam refutá-la. Caso contrário, não tem qualquer sentido. Se a hipótese for que todos os cisnes são brancos, por exemplo, podemos olhar para cisnes para ver se os há verdes, azuis ou de qualquer outra cor. Mesmo que não encontremos cisnes verdes ou azuis, sabemos como seria encontrar algum. A nossa conclusão deve basear-se nos resultados destas observações. (De facto, há cisnes pretos, pelo que a hipótese é falsa.) Suponha-se ainda que alguém afirma: "O Shaquille O'Neal não consegue entrar no meu Volkswagen". Sabemos o que isto significa, pois podemos imaginar as circunstâncias que tornariam a afirmação verdadeira e as que a tornariam falsa. Para testar a afirmação levamos o carro até ao Sr. O'Neal, convidamo-lo a entrar, e vemos o que acontece. Se for de uma maneira, a afirmação é verdadeira; se for de outra, é falsa.
Deveria ter sido possível aos médicos examinar os pacientes falsos, olhar os resultados, e afirmar: "Esperem lá, nada há de errado com estas pessoas". (Recorde-se que os pacientes falsos agiram com normalidade; nada fizeram para fingir qualquer tipo de sintomas psiquiátricos.) Mas os médicos não estavam a agir desta forma. Para eles, nada podia ser admitido contra a hipótese de que os "pacientes" estavam doentes.
Tradução de F. J. Azevedo Gonçalves
Retirado de Elementos de Filosofia Moral, de James Rachels (Lisboa: Gradiva, 2004)
Fonte: Crítica Na Rede
Re.: Pressuposto Dominante
Enviado: 01 Dez 2005, 12:57
por Najma
Ou... em outras palavras: é muito fácil dizer que alguém é louco ou mentalmente perturbado. Basta tratá-lo como um.
E, antes que eu me esqueça: não há ironia na frase acima... mesmo que insistam em ver.
Enviado: 01 Dez 2005, 13:12
por Luis Dantas
Funciona no outro sentido também. Competências, habilidades, qualidades e virtudes também podem ser projetadas a partir de expectativas.
Enviado: 01 Dez 2005, 13:25
por Najma
Luis Dantas escreveu:Funciona no outro sentido também. Competências, habilidades, qualidades e virtudes também podem ser projetadas a partir de expectativas.
Sim. Tudo depende da forma que se deseja enxergar alguém e da imagem que a pessoa vende aos demais. Complicado é alcançar a essência... e, uma vez tendo-se alcançado não mudar de opinião.
Eu gosto da idéia do "jisso" da Seicho-no-Iê. O aspecto real e verdadeiro que só é visível quando se tem controle das paixões. Segundo esse princípio, pessoas são essencialmente boas. O que atrapalha é a nossa forma de vê-las e a mania de colocá-las dentro de nosso próprio contexto.
Como nesse caso que você colocou aqui. Gostei da experiência. Dentro de um ambiente em que todos supostamente são loucos, alguém de fora dificilmente consegue perceber que os atos mais simples, principalmente os de aversão, não fazem parte de um quadro de demência.
Enviado: 02 Dez 2005, 03:31
por Ben Carson
Nossa! Nunca vivi neste fórum uma situação tão contrastante como hoje!
Acabei de ler o tópico Peçonha Virtual, onde aquela Helena não-sei-do-quê derrama a sua bílis. Em seguida li esse texto. Que diferença! O texto do outro tópico é um lixo quase sem valor nenhum, mas este aqui é fantástico. Vou copiá-lo e salvar no Word, depois formatar e imprimir algumas cópias. Esse é um texto para se guardar nos seus arquivos pessoais.
Enviado: 02 Dez 2005, 08:46
por Claudio Loredo
Na vida as vezes temos algumas opiniões bases e essas opiniões nos levam a decidir tudo de acordo com essas bases.
No inicio deste ano, eu me reunia com uns amigos para jogar xadrez. Percebia que fazia sempre o mesmo tipo de abertura, o que facilitava a partida para mim, mas quando tentava inovar, começando o jogo de outra forma, ou eu perdia a partida ou passava por maus bocados. Dai, sempre acabava começando o jogo do mesmo jeito.
O complicado da vida é que você tem sempre que aprender a ver as coisas como se lá atrás, na ideia básica, você estivesse errado. Isto é muito dificil na prática.
A gente vê isso aqui neste fórum quando tenta mudar as opiniões da pessoas. Realmente é difícil, pois opiniões simples estão ligadas a toda uma sequência que se inicia com pressupostos básicos.
Enviado: 02 Dez 2005, 09:08
por aknatom
Ben Carson escreveu:Nossa! Nunca vivi neste fórum uma situação tão contrastante como hoje!
Acabei de ler o tópico Peçonha Virtual, onde aquela Helena não-sei-do-quê derrama a sua bílis. Em seguida li esse texto. Que diferença! O texto do outro tópico é um lixo quase sem valor nenhum, mas este aqui é fantástico. Vou copiá-lo e salvar no Word, depois formatar e imprimir algumas cópias. Esse é um texto para se guardar nos seus arquivos pessoais.
Agora vc pode alegar que quando taxamos os crentes de loucos irracionais aqui no RéV, é o pressuposto dominante.. na verdade, vcs são tão racionais quanto qqr um dos ateus...

Enviado: 02 Dez 2005, 10:49
por salgueiro
aknatom escreveu:Ben Carson escreveu:Nossa! Nunca vivi neste fórum uma situação tão contrastante como hoje!
Acabei de ler o tópico Peçonha Virtual, onde aquela Helena não-sei-do-quê derrama a sua bílis. Em seguida li esse texto. Que diferença! O texto do outro tópico é um lixo quase sem valor nenhum, mas este aqui é fantástico. Vou copiá-lo e salvar no Word, depois formatar e imprimir algumas cópias. Esse é um texto para se guardar nos seus arquivos pessoais.
Agora vc pode alegar que quando taxamos os crentes de loucos irracionais aqui no RéV, é o pressuposto dominante.. na verdade, vcs são tão racionais quanto qqr um dos ateus...

Alguma dúvida, Aknaton ?
Bjs
Re.: Pressuposto Dominante
Enviado: 02 Dez 2005, 12:59
por Dante, the Wicked
Depois, quando eu digo que psicologia é pseudo-ciência, falam que estou exagerando ou que estou errado. Psicologia é uma pseudo-ciência que deveria ser banida do meio acadêmico e o exercício da profissão proibido por charlatanismo.
Re: Re.: Pressuposto Dominante
Enviado: 02 Dez 2005, 13:22
por Gilghamesh
Dante, the Wicked escreveu:Depois, quando eu digo que psicologia é pseudo-ciência, falam que estou exagerando ou que estou errado. Psicologia é uma pseudo-ciência que deveria ser banida do meio acadêmico e o exercício da profissão proibido por charlatanismo.
Apoiado!
Eu sempre digo em relação à esse tema, o seguinte:
"Como é que uma pessoa que não consegue resolver seus próprios problemas, querer se meter a analisar e tentar resolver problemas de outros?"
Já ví aqui em Sampa, psicólogos cometendo ou praticando atos, que "teoricamente", seriam problemas facilmente solucionáveis pela psicologia.
Eu Sou Gilghamesh!
Versão 4.6
Re: Re.: Pressuposto Dominante
Enviado: 02 Dez 2005, 13:22
por o pensador
Dante, the Wicked escreveu:Depois, quando eu digo que psicologia é pseudo-ciência, falam que estou exagerando ou que estou errado. Psicologia é uma pseudo-ciência que deveria ser banida do meio acadêmico e o exercício da profissão proibido por charlatanismo.
Piaget explica

Re: Re.: Pressuposto Dominante
Enviado: 02 Dez 2005, 14:08
por o anátema
Dante, the Wicked escreveu:Depois, quando eu digo que psicologia é pseudo-ciência, falam que estou exagerando ou que estou errado. Psicologia é uma pseudo-ciência que deveria ser banida do meio acadêmico e o exercício da profissão proibido por charlatanismo.
Não existiriam então problemas psicológicos, ou os meios de detectá-los e tratá-los pela psicologia atual e'que seriam falhos?
Seriam invariavelmente falhos, ou seja, toda a psicologia generalizadamente é um lixo, ou em algo pode haver algo que preste?
Re: Re.: Pressuposto Dominante
Enviado: 02 Dez 2005, 14:10
por Samael
o pensador escreveu:Dante, the Wicked escreveu:Depois, quando eu digo que psicologia é pseudo-ciência, falam que estou exagerando ou que estou errado. Psicologia é uma pseudo-ciência que deveria ser banida do meio acadêmico e o exercício da profissão proibido por charlatanismo.
Piaget explica

Eu tenho trauma de Piaget...
Re: Re.: Pressuposto Dominante
Enviado: 03 Dez 2005, 19:25
por Dante, the Wicked
o anátema escreveu:Dante, the Wicked escreveu:Depois, quando eu digo que psicologia é pseudo-ciência, falam que estou exagerando ou que estou errado. Psicologia é uma pseudo-ciência que deveria ser banida do meio acadêmico e o exercício da profissão proibido por charlatanismo.
Não existiriam então problemas psicológicos, ou os meios de detectá-los e tratá-los pela psicologia atual e'que seriam falhos?
Seriam invariavelmente falhos, ou seja, toda a psicologia generalizadamente é um lixo, ou em algo pode haver algo que preste?
Não existe nenhum problema mental que não seja tratavel com medicamentos.
Enviado: 06 Dez 2005, 03:09
por Ben Carson
Dante, você possui algum problema mental? Já teve? Tem alguma experiência prática com problemas mentais tratáveis com medicamentos que lhe autoriza a afirmar que qualquer problema mental é tratável (apenas) com medicamentos?
Talvez você não tenha essa experiência, mas outras pessoas, até mesmo próximas, certamente têm. Essas sim, poderão afirmar se isso é ou não verdade.
Sei que você não afirmou que os problemas mentais são tratáveis apenas com medicamentos. Coloquei palavras na sua boca. Mas o contexto de sua afirmação dá a entender isso. Gostaria de saber se você mantém essa afirmação.
Por outro lado, pode ser que você propositalmente evitou usar a palavra "apenas", por não ter querido dar esse sentido. Porém, se você admite que os problemas mentais não são tratados unicamente com medicamentos, ou seja, que usar apenas medicamentos não basta para solucionar esses problemas, então você estará admitindo que outras terapias possuem utilidade. E as terapias que costumam acompanhar o tratamento medicamentoso são justamente o acompanhamento psicológico. Pergunte a qualquer psiquiatra medianamente sério e competente se ele defende o uso exclusivo de medicamentos, ou se acha que a terapia psicológica é essencial para o sucesso do tratamento. Pergunte! Pergunte a apenas um, se tiver preguiça. Ou pergunte a uma dezena, se estiver interessado em estabelecer uma amostra mais representativa.
Já deve ter ficado claro que minha opinião é de que você disse uma besteira.
Enviado: 06 Dez 2005, 03:21
por Ben Carson
Chamar a Psicologia de pseudociência é muito provavelmente excessivo. Mais justo seria dizer que é uma ciência incipiente, num estágio meio pré-científico ainda. Tal qual a Medicina de não muito tempo atrás. Seria mais aceitável.
Se tivermos que classificar a Psicologia como pseudociência, então teremos que condenar também a História, a Sociologia, e até a Economia. As ciências humanas como um todo ficariam abaladas com esse critério.
Reconheço que grande parte das formulações teóricas da Psicologia, em especial da Psicanálise, foram feitas em cima de pressupostos errôneos. Esse é um mal de que padece toda a ciência atéia. Ignoram o real funcionamento do ser humano, e desconhecem inteiramente partes importantíssimas da vida cotidiana, tais como as batalhas espirituais em que cada ser humano está envolvido, e suas conseqüências para a vida de cada um. Então eu concordo que boa parte dos conceitos, explicações e teorias da Psicologia estão errados; mas reconheço igualmente que seus praticantes seguem o método científico, e portanto seus esforços merecem ser considerados como parte do esforço de construção da Ciência. Até porque há muita coisa correta também.
Enviado: 06 Dez 2005, 07:58
por Aranha
Ben Carson escreveu:Chamar a Psicologia de pseudociência é muito provavelmente excessivo. Mais justo seria dizer que é uma ciência incipiente, num estágio meio pré-científico ainda. Tal qual a Medicina de não muito tempo atrás. Seria mais aceitável.
Se tivermos que classificar a Psicologia como pseudociência, então teremos que condenar também a História, a Sociologia, e até a Economia. As ciências humanas como um todo ficariam abaladas com esse critério.
- Até aqui vc foi bem...
Ben Carson escreveu:
Reconheço que grande parte das formulações teóricas da Psicologia, em especial da Psicanálise, foram feitas em cima de pressupostos errôneos. Esse é um mal de que padece toda a ciência atéia. Ignoram o real funcionamento do ser humano, e desconhecem inteiramente partes importantíssimas da vida cotidiana, tais como as batalhas espirituais em que cada ser humano está envolvido, e suas conseqüências para a vida de cada um. Então eu concordo que boa parte dos conceitos, explicações e teorias da Psicologia estão errados; mas reconheço igualmente que seus praticantes seguem o método científico, e portanto seus esforços merecem ser considerados como parte do esforço de construção da Ciência. Até porque há muita coisa correta também.
- Aqui só tem porcaria....
- Diagnóstico:
DUPLA PERSONALIDADE
Enviado: 06 Dez 2005, 08:31
por aknatom
Ben Carson escreveu:Reconheço que grande parte das formulações teóricas da Psicologia, em especial da Psicanálise, foram feitas em cima de pressupostos errôneos. Esse é um mal de que padece toda a ciência atéia.
E só pra enfatizar, este trecho em especial, um gigantesco lixo.
O que vc chama de base da psicologia é Freud, pra dizer que é uma ciência atéia? Poucas ciências são tão cristãs quanto a psicologia, que foi única e exclusivamente exercida por padres por quase 2000 anos. Mesmo Freud, com toda aquela viagem de ver pinto em tudo, e que pinto é mau, é um reflexo da sociedade cristã.
Felizmente, atualmente, psicologos sérios não vinculam a psicologia a religião e enchergam o ser-humano como um todo complexo, composto por um corpo que precisa de remédio e uma consciência que precisa ver o mundo de forma diferente, e não o ser dicotomizado que o cristianismo, ou deveria chamar cartesianismo, prega que existe.
Re: Pressuposto Dominante
Enviado: 06 Dez 2005, 10:34
por emmmcri
Luis Dantas escreveu:Pressuposto dominantePor
James RachelsHá alguns anos, os membros de um grupo de investigadores liderados pelo Dr. David Rosenham, professor de psicologia e direito na Universidade de Stanford, conseguiram introduzir-se em vários hospitais psiquiátricos fazendo-se passar por doentes. Os funcionários dos hospitais ignoravam que eles eram especiais; pensavam que os investigadores eram doentes como os outros.
Os investigadores eram perfeitamente normais, seja qual for o significado do termo, mas a sua simples presença nos hospitais criou o pressuposto de que estavam mentalmente perturbados. Apesar de se comportarem com normalidade — nada fizeram para se fingir doentes — descobriram rapidamente que tudo quanto faziam era interpretado pelos médicos como sinal de seja qual for o problema mental que tinham inscrito nos formulários de admissão. Quando um deles era apanhado a tomar notas, eram inscritas notas do seguinte género nos seus relatórios: "o paciente envolve-se num comportamento de escrita". Durante uma entrevista, um "paciente" confessou que apesar de ter maior proximidade com a mãe quando era criança se ligou mais ao pai à medida que cresceu — uma mudança perfeitamente normal. Mas isto foi interpretado como prova de "relações instáveis na infância". Mesmo os seus protestos e declarações de normalidade foram voltados contra eles. Um dos verdadeiros pacientes alertou-os: "nunca digam a um médico que estão bem. Ele não vai acreditar. Isso chama-se "fuga para a saúde". Digam-lhe que continuam doentes, mas sentem-se muito melhor. Isso chama-se perspicácia".
Do pessoal dos hospitais, ninguém deu pelo logro. Os verdadeiros pacientes, no entanto, perceberam tudo. Um deles disse a um investigador, "Você não é louco. Está a investigar o hospital". E de facto estava.
Por que razão os médicos não perceberam? A experiência revelou algo sobre o poder de um pressuposto dominante: uma vez aceite uma hipótese, tudo pode ser interpretado para a apoiar. Quando a ideia de que os pacientes falsos tinham perturbações mentais foi admitida como pressuposto dominante, o seu comportamento não importava. Fizessem o que fizessem isso seria interpretado de modo a adaptar-se ao pressuposto. Mas o "sucesso" desta técnica não provou que a hipótese estivesse correcta. Era sinal, isso sim, de que algo correu mal.
A hipótese de que os pacientes falsos sofriam de perturbações mentais era defeituosa porque era insusceptível de ser testada. Se uma hipótese pretende dizer algo de factual sobre o mundo, então tem de haver condições imagináveis que possam verificá-la e outras que possam refutá-la. Caso contrário, não tem qualquer sentido. Se a hipótese for que todos os cisnes são brancos, por exemplo, podemos olhar para cisnes para ver se os há verdes, azuis ou de qualquer outra cor. Mesmo que não encontremos cisnes verdes ou azuis, sabemos como seria encontrar algum. A nossa conclusão deve basear-se nos resultados destas observações. (De facto, há cisnes pretos, pelo que a hipótese é falsa.) Suponha-se ainda que alguém afirma: "O Shaquille O'Neal não consegue entrar no meu Volkswagen". Sabemos o que isto significa, pois podemos imaginar as circunstâncias que tornariam a afirmação verdadeira e as que a tornariam falsa. Para testar a afirmação levamos o carro até ao Sr. O'Neal, convidamo-lo a entrar, e vemos o que acontece. Se for de uma maneira, a afirmação é verdadeira; se for de outra, é falsa.
Deveria ter sido possível aos médicos examinar os pacientes falsos, olhar os resultados, e afirmar: "Esperem lá, nada há de errado com estas pessoas". (Recorde-se que os pacientes falsos agiram com normalidade; nada fizeram para fingir qualquer tipo de sintomas psiquiátricos.) Mas os médicos não estavam a agir desta forma. Para eles, nada podia ser admitido contra a hipótese de que os "pacientes" estavam doentes.
Tradução de F. J. Azevedo Gonçalves
Retirado de Elementos de Filosofia Moral, de James Rachels (Lisboa: Gradiva, 2004)Fonte: Crítica Na Rede
É exatamente assim que a ciência se comporta ao declarar/considerar a evolução como factual.
Re: Pressuposto Dominante
Enviado: 06 Dez 2005, 11:43
por Huxley
Luis Dantas escreveu:Pressuposto dominantePor
James RachelsHá alguns anos, os membros de um grupo de investigadores liderados pelo Dr. David Rosenham, professor de psicologia e direito na Universidade de Stanford, conseguiram introduzir-se em vários hospitais psiquiátricos fazendo-se passar por doentes. Os funcionários dos hospitais ignoravam que eles eram especiais; pensavam que os investigadores eram doentes como os outros.
Os investigadores eram perfeitamente normais, seja qual for o significado do termo, mas a sua simples presença nos hospitais criou o pressuposto de que estavam mentalmente perturbados. Apesar de se comportarem com normalidade — nada fizeram para se fingir doentes — descobriram rapidamente que tudo quanto faziam era interpretado pelos médicos como sinal de seja qual for o problema mental que tinham inscrito nos formulários de admissão. Quando um deles era apanhado a tomar notas, eram inscritas notas do seguinte género nos seus relatórios: "o paciente envolve-se num comportamento de escrita". Durante uma entrevista, um "paciente" confessou que apesar de ter maior proximidade com a mãe quando era criança se ligou mais ao pai à medida que cresceu — uma mudança perfeitamente normal. Mas isto foi interpretado como prova de "relações instáveis na infância". Mesmo os seus protestos e declarações de normalidade foram voltados contra eles. Um dos verdadeiros pacientes alertou-os: "nunca digam a um médico que estão bem. Ele não vai acreditar. Isso chama-se "fuga para a saúde". Digam-lhe que continuam doentes, mas sentem-se muito melhor. Isso chama-se perspicácia".
Do pessoal dos hospitais, ninguém deu pelo logro. Os verdadeiros pacientes, no entanto, perceberam tudo. Um deles disse a um investigador, "Você não é louco. Está a investigar o hospital". E de facto estava.
Por que razão os médicos não perceberam? A experiência revelou algo sobre o poder de um pressuposto dominante: uma vez aceite uma hipótese, tudo pode ser interpretado para a apoiar. Quando a ideia de que os pacientes falsos tinham perturbações mentais foi admitida como pressuposto dominante, o seu comportamento não importava. Fizessem o que fizessem isso seria interpretado de modo a adaptar-se ao pressuposto. Mas o "sucesso" desta técnica não provou que a hipótese estivesse correcta. Era sinal, isso sim, de que algo correu mal.
A hipótese de que os pacientes falsos sofriam de perturbações mentais era defeituosa porque era insusceptível de ser testada. Se uma hipótese pretende dizer algo de factual sobre o mundo, então tem de haver condições imagináveis que possam verificá-la e outras que possam refutá-la. Caso contrário, não tem qualquer sentido. Se a hipótese for que todos os cisnes são brancos, por exemplo, podemos olhar para cisnes para ver se os há verdes, azuis ou de qualquer outra cor. Mesmo que não encontremos cisnes verdes ou azuis, sabemos como seria encontrar algum. A nossa conclusão deve basear-se nos resultados destas observações. (De facto, há cisnes pretos, pelo que a hipótese é falsa.) Suponha-se ainda que alguém afirma: "O Shaquille O'Neal não consegue entrar no meu Volkswagen". Sabemos o que isto significa, pois podemos imaginar as circunstâncias que tornariam a afirmação verdadeira e as que a tornariam falsa. Para testar a afirmação levamos o carro até ao Sr. O'Neal, convidamo-lo a entrar, e vemos o que acontece. Se for de uma maneira, a afirmação é verdadeira; se for de outra, é falsa.
Deveria ter sido possível aos médicos examinar os pacientes falsos, olhar os resultados, e afirmar: "Esperem lá, nada há de errado com estas pessoas". (Recorde-se que os pacientes falsos agiram com normalidade; nada fizeram para fingir qualquer tipo de sintomas psiquiátricos.) Mas os médicos não estavam a agir desta forma. Para eles, nada podia ser admitido contra a hipótese de que os "pacientes" estavam doentes.
Tradução de F. J. Azevedo Gonçalves
Retirado de Elementos de Filosofia Moral, de James Rachels (Lisboa: Gradiva, 2004)Fonte: Crítica Na Rede
É exatamente assim que alguns religiosos se comportam ao acreditarem que a Terra tem 6000 anos e que uma virgem da Antiguidade pode dá luz a um bebê.
Re.: Pressuposto Dominante
Enviado: 06 Dez 2005, 14:15
por o anátema
É exatamente assim que alguns religiosos se comportam ao acreditarem que a Terra tem 6000 anos e que uma virgem da Antiguidade pode dá luz a um bebê.
Não liga, ou ele, como eu venho dizendo, é ateu evolucionista criando um espantalho criacionista, ou acha que um belo dia alguém teve a idéia "mmm... e se todos os seres descendem de um ancestral comum?" e a partir daí, e só com isso todos cientistas concordaram no mesmo instante, e ficaram apenas interpretando toda e qualquer coisa como produto da evolução, sem nunca realmente formular uma teoria e testar.
É compreensível se supusermos que ele realmente pensa que o criacionismo é ciência, já que o criacionismo é assim, diferindo apenas no óbvio.
Re: Re.: Pressuposto Dominante
Enviado: 06 Dez 2005, 15:27
por Huxley
o anátema escreveu:É exatamente assim que alguns religiosos se comportam ao acreditarem que a Terra tem 6000 anos e que uma virgem da Antiguidade pode dá luz a um bebê.
Não liga, ou ele, como eu venho dizendo, é ateu evolucionista criando um espantalho criacionista, ou acha que um belo dia alguém teve a idéia "mmm... e se todos os seres descendem de um ancestral comum?" e a partir daí, e só com isso todos cientistas concordaram no mesmo instante, e ficaram apenas interpretando toda e qualquer coisa como produto da evolução, sem nunca realmente formular uma teoria e testar.
É compreensível se supusermos que ele realmente pensa que o criacionismo é ciência, já que o criacionismo é assim, diferindo apenas no óbvio.
Não estava me referindo ao caso dele em particular.Na realidade eu me lembrei de outro forista que toda reportagem científica que aparece...ele diz "Viram?Já tava lá na Bíblia há muito tempo".Se lembra do bóson Higgs,a partícula de Deus? Pois bem, já estava escrito lá há milhares de anos no livro dos profetas....
Re.: Pressuposto Dominante
Enviado: 06 Dez 2005, 16:59
por Schultz
Seria o Sodré?
Re.: Pressuposto Dominante
Enviado: 06 Dez 2005, 17:57
por FredLC
Bem curiosas as proposições do texto... o que leva a alguns questionamentos relevantes:
Por que é que, se nós vemos alguém na rua vestido de Don Quixote e atacando moinhos, nós sempre pensamos que ele é normal, e não louco? Porque nosso pressuposto dominante é que pessoas na rua são normais.
Por que é que quando pessoas hipocondríacas vão a hospitais, os médicos realmente as tratam, e nunca dão diagnóstico de "sem males"? Porque o pressuposto dominante é de que quem procura hospitais está doente.
Por que é que os times de futebol que fazem grandes investimentos sempre fazem participações maravilhosas nos campeonatos? Ora, porque o pressuposto dominante é que time cheio de craque joga bem.
Ah, não concordam com meus exemplos? Pois, claro, nem eu.
O texto vende seu próprio peixe com alguns expedientes bem óbvios, do tipo, afirmar que "os internados não fizeram nada para indicar que eram doentes"... ora, bolas, que tal
se internarem em um manicômio para começo de conversa? Isso me parece fazer uma coisa BEM clara para convencer os outros que é doente.. criando, assim, o tal "pressuposto", que é, óbvio, não apenas o pressuposto, mas o exemplo que ele afirma não ter existido - e negando isso, o autor tenta esconder uma falha metodológica das mais antigas - a de que a interferência na amostragem altera o resultado.
Depois, escolheu uma área tão vaga e subjetiva - a psicologia - para provar um ponto, e depois o anuncia como se fosse universal, uma "tendência humana". Diabos, se o exemplo fosse mais palpável, a tese cairia por terra. Ninguém por exemplo iria dizer que uma ferrari é rápida porque pressupõe-se que ferraris sejam rápidas, se ela estiver a 30 por hora. Está BEM claro que o exemplo foi escolhido
cuidadosamente para confirmar a tese...
Sinceramente, se o texto tivesse se limitado a dizer que algumas pessoas em alguns casos agem assim, ele estaria correto... ao preço de não estar afirmando nada nem de novo, nem de surpreendente, é claro, mas estaria correto.
Ao tentar tornar essa conclusão uma profunda análise das mazelas da psiqüê humana, o autor meteu os pés pelas mãos com força...
T+

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