Voltaire não era ateu

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Fernando Silva
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Voltaire não era ateu

Mensagem por Fernando Silva »

"O Globo" 28.10.2006

Em defesa da liberdade de expressão

Livro de Voltaire é uma crítica ao fanatismo e uma exaltação à racionalidade

O túmulo do fanatismo, de Voltaire.
Tradução Claudia Berliner.
Editora Martins Fontes, 186 páginas. R$ 34,20

Bolívar Torres Correa


O fanatismo foi o assunto preferido de François Marie Arouet (1694-1778),
o famoso escritor francês, mais conhecido como Voltaire. Sua obra é uma
batalha épica contra essa doença epidêmica, que afasta as pessoas da civilidade
e do bom senso, convencendo-as "de que o espírito santo que as penetra
está acima das leis, e de que seu entusiasmo é a única lei que devem
ouvir". Para atacá-la, Voltaire propagou o que considerava seu melhor
remédio: a razão. O manifesto "O túmulo do fanatismo", relançado no
Brasil, é um exemplo clássico desse seu esforço de trazer aos homens uma
palavra sensata. Com ele, o autor causou escândalo ao propor uma leitura
racional dos textos sagrados, que separava o dogmático do histórico.

Prontamente condenado pela Corte de Roma em 1771, este "Exame
importante" (como também é conhecido) surgiu num momento difícil. No
século XVIII, a França ainda era vítima de perseguições religiosas
brutais, patrocinadas por uma igreja parasitária e uma nobreza ociosa. O
Estado continuava refém desses dois poderes improdutivos, que sugavam as
riquezas do país, deixando de lado uma burguesia emergente. Antes de
completar seus 33 anos, porém, Voltaire não se importava muito com essas
distorções: era apenas um libertino do grand monde, com talento para os
versos, mas mimado por duquesas e rainhas.

Foi só depois de uma desavença com o príncipe Rohan e o exílio para a
Inglaterra que ele começou a abrir os olhos. Do outro lado do Canal da
Mancha havia um clima de liberdade política e filosófica: a realeza
despótica fora dobrada pelo Parlamento e a burguesia era enobrecida pela
coroa. Graças à paz religiosa, o comércio renascia. Voltaire se espantou
com o contraste entre os dois países. O exílio lhe rendeu contato com
Locke, Pope, Swift, a fina-flor do "iluminismo inglês", orientando sua
obra para uma filosofia reformista, cujo ideal de progresso colocava o
conhecimento acima do dogmatismo e da tradição.

Foi assim que, ao retornar à França, iniciou sua campanha filosófica
contra a Igreja.

Historiador lúcido, fascinado pelo estudo do poder, Voltaire tinha
consciência de como a fé, nas mãos de almas inescrupulosas, poderia
virar instrumento de dominação. Suas narrativas estão repletas de padres
aproveitadores, que usam suas superstições para subjugar os povos.

Para o autor, o fiel que recebe sua religião sem exame é como um animal
passivo, não difere "de um boi que atrelam".

Texto é agressivo e, ao mesmo tempo, irônico

Contudo, atacar o mau uso da fé não significa, necessariamente, atacar a
religiosidade em si.
A bandeira de Voltaire era o pensamento livre, o direito de todo homem de
expressar a opinião que lhe parece justa - inclusive a expressão
religiosa. Como comprova sua luta pela absolvição de Jean Calas, um
pobre homem perseguido por ser protestante e que acabou torturado e
executado por fanáticos. "Se Voltaire estivesse presente na
crucificação, ele teria defendido Jesus Cristo como defendeu Calas",
escreveu Victor Hugo em "Os miseráveis".

Os manifestos de Voltaire costumam ter um tom urgente.

Na linha dos provocadores natos, não poupa palavras combativas - e não
raro ofensivas. "O túmulo do fanatismo" traz a agressividade de seus
textos panfletários, com uma ironia muito divertida. Voltaire era um bel
esprit, que resultava de um cruzamento fascinante entre disciplina e
irresponsabilidade, fineza e gaiatice. Como escritor, sabia ser arisco,
espirituoso, sarcástico... De qualquer maneira, sua função como
intelectual foi a de incomodar - o que faz até hoje.

Voltaire não era anti-religioso.
Em seus últimos contos filosóficos, como "A história de Jenni", ele
atacou o ateísmo de D'Holbach tão violentamente quanto atacou os dogmas
católicos.

Na verdade, Voltaire era um deísta libertário, que se indignava ao ver
tanta gente usando o nome de Deus para matar, mentir e roubar.
Indignação, aliás, que durou até o fim da vida. No seu leito de morte,
ele expulsou todos os padres que tentaram confessá-lo e mandou registrar
estas últimas palavras: "Morro amando Deus, amando meus amigos, não
odiando meus inimigos e detestando a superstição".

BOLÍVAR TORRES CORREA é jornalista

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Pug
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Mensagem por Pug »

para cima.
"Nunca te justifiques. Os amigos não precisam e os inimigos não acreditam" - Desconhecido

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Flavio Costa
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Re.: Voltaire não era ateu

Mensagem por Flavio Costa »

Esse texto reafirmama visão que está cada vez mais clara neste fórum, de que a crença em Deus em si não é maléfica. O que não quer dizer que a religião seja algo "bonito" ou "louvável", mas é um meio natural de organização e expressão humana, assim como a política.
The world's mine oyster, which I with sword will open.
- William Shakespeare
Grande parte das pessoas pensam que elas estão pensando quando estão meramente reorganizando seus preconceitos.
- William James
Agora já aprendemos, estamos mais calejados...
os companheiros petistas certamente não vão fazer as burrices que fizeram neste primeiro mandato.
- Luis Inácio, 20/10/2006

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Pug
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Re: Re.: Voltaire não era ateu

Mensagem por Pug »

Flavio Costa escreveu:Esse texto reafirmama visão que está cada vez mais clara neste fórum, de que a crença em Deus em si não é maléfica. O que não quer dizer que a religião seja algo "bonito" ou "louvável", mas é um meio natural de organização e expressão humana, assim como a política.



É...
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Temporal
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Registrado em: 18 Ago 2006, 13:35

Mensagem por Temporal »

A única obra de Voltaire que li até hoje foi Cândido.

Trancado