Como a Wal-Mart baniu o sósia de um terrorista
Enviado: 02 Nov 2006, 14:43
Der Spiegel
02/11/2006
Como a Wal-Mart baniu o sósia de um terrorista
Karen Naundorf
A Wal-Mart está tornando difícil a vida de Oscar Brufani, 52, que ganha a vida entregando chips de batata em Buenos Aires. Uma gerente da loja acha que ele se parece com Osama Bin Laden - e não deixa que Oscar se aproxime do estabelecimento.
Oscar Brufani só fez a barba três vezes na vida - a primeira quando tinha 18 anos de idade, e precisou tirar a fotografia para o seu passaporte. Na ocasião, ele teve a sensação de estar nu.
A segunda vez foi quando passou por um exame médico. Ele sentiu-se humilhado. E até hoje ele lamenta a terceira vez: Oscar tinha 24 anos e queria agradar a sua mulher. Ela ficou agradecida, mas as suas três filhas pequenas correram, assustadas com o homem de queixo liso. Foi então que Brufani jurou para si próprio que jamais faria a barba de novo.
E, assim, ele deixou a barba crescer. E agora a sua face se tornou uma questão de ordem legal. Ela está mantendo os seus advogados ocupados, assim como o Instituto Nacional Contra a Discriminação, a Xenofobia e o Racismo, da Argentina. Oscar Brufani, um homem normal que usa barba, se viu lutando contra uma corporação multinacional. Os seus compatriotas o estão apoiando - achando que os norte-americanos devem ter o miolo mole -, e ele aparece freqüentemente nos telejornais noturnos. Brufani nunca achou que a sua barba fosse capaz de provocar tanta confusão.
É verdade que, no final da década de 1970, durante a ditadura militar argentina, soldados retiraram-no certa vez de um caminhão, agarrando-o pela barba. À época, os barbudos eram considerados subversivos. Mas Brufani nunca foi um desses indivíduos que usam a face como instrumento político. Ele apenas queria ter aquela aparência. Dessa forma, ele passou a evitar os postos militares de revista. Brufani não queria problemas.
Segundo Brufani, que atualmente tem 52 anos, a sua barba pode ser longa, mas é higiênica. Ele a lava com xampu todas as manhãs para garantir que ela fique cheirosa. A barba tem 34,5 centímetros de comprimento, e está ficando grisalha - algumas partes dela já estão completamente brancas. Quando está no trabalho, ele a coloca cuidadosamente dentro da camisa, assim como outras pessoas colocam a gravata dentro dos suéteres.
Brufani é um pequeno empresário que fornece chips de batata aos principais estabelecimentos comerciais do sul de Buenos Aires. A pontualidade é o fator mais importante do seu trabalho. As coisas sempre correram de forma satisfatória para Oscar Brufani - até outubro de 2004.
Ele estava de pé ao lado do seu caminhão, na área de entrega de uma Wal-Mart, em La Plata. Brufani acabara de descarregar as caixas e desejava voltar para casa. Tudo do que precisava era o recibo de entrega. Mas a gerente da loja o manteve esperando. Ela havia conversado com dois supervisores norte-americanos da Wal-Mart .
Aqueles ianques malucos
Brufani já havia notado a presença dos dois homens de terno quando estava descarregando as caixas. Eles o encaravam fixamente. Os dois o fitavam, sussurravam entre si, e voltavam a encará-lo. A seguir, os homens entraram no escritório da gerente da loja.
"Você não pode mais trabalhar aqui. Ordens lá de cima", avisou a gerente da loja, quando finalmente chegou no estacionamento. Brufani perguntou se havia feito algo de errado, e ela lhe disse que não - o problema era a sua barba. "Os supervisores acham que você se parece com Osama Bin Laden. Se você aparecer em qualquer das imagens gravadas pelas câmeras de segurança, eu perderei o meu emprego".
Esses norte-americanos são malucos, pensou Brufani. Será que eles realmente acham que Bin Laden passaria o tempo entregando chips para uma loja Wal-Mart em La Plata?
No dia seguinte, a equipe de segurança se recusou a deixá-lo entrar na área de entrega. Até hoje Brufani não sabe por que. Ele é argentino, filho de imigrantes italianos. Na parede da sua sala de estar há um crucifixo. Tudo o que Brufani sabe sobre Bin Laden é que ele é um terrorista que vive escondido - em cavernas cujas paredes não são ornamentadas com crucifixos.
Brufani continua entregando chips para os seus fregueses usuais - exceto a loja Wal-Mart em La Plata, que se recusa a abrir as portas para ele. Para Brufani, isso é um desastre.
"Preciso fazer entregas para a Wal-Mart. Caso contrário irei à falência", queixa-se ele. Assim, Brufani passou a contratar um motorista. Ele se escondia sob o painel do caminhão a fim de explicar ao motorista onde e como fazer a entrega.
Enfrentando a Wal-Mart
Brufani continuou alimentando esperanças de que o pessoal da Wal-Mart caísse em si, e tentou repetidamente ingressar abertamente na área de entregas - mas sem resultado. Em agosto, ele decidiu que a situação fora longe demais, e contratou um advogado. O advogado trabalha para uma firma pequena, mas tem experiência com esse tipo de caso. Ele representou certa vez uma vítima de difamação - um judeu que foi impedido de entrar em um supermercado. A questão foi decidida sem que se precisasse recorrer a um tribunal.
Brufani espera que o seu problema seja resolvido da mesma forma - fora dos tribunais, de maneira discreta e rápida. Ele acha que talvez receba até algum tipo de indenização.
Mas, até o momento, não se sabe sequer se a Wal-Mart está violando qualquer lei. Será que é realmente um crime uma pessoa alegar que Brufani se parece com um famoso terrorista, e afirmar que não deseja que os seus chips sejam entregues por um indivíduo com tal aparência? Essa é uma situação incomum - que talvez não seja coberta pela legislação anti-discriminação da Argentina, já que Brufani não está sofrendo uma discriminação de caráter religioso ou racial. O seu advogado gostaria de conversar com a Wal-Mart, mas os norte-americanos não atendem as suas ligações telefônicas.
Um comunicado à imprensa divulgado pela corporação afirma que a acusação feita por Brufani é infundada. O curto comunicado também faz referência ao código de vestuário da Wal-Mart, mas não explica como, exatamente, Brufani teria violado tal código.
Brufani nunca tentou fazer compras na Wal-Mart. Ele diz que prefere redes de lojas rivais, nas quais ele é bem-vindo e tratado como todos os outros fregueses. No ano passado, a gerente de uma dessas lojas chegou até a cumprimentá-lo pessoalmente, quando ele se preparava para pagar as compras.
"Nós o vimos nas nossas câmeras de vigilância", disse a mulher, que a seguir lhe ofereceu um emprego: "Você gostaria de trabalhar para nós como Papai Noel?".
Tradução: Danilo Fonseca
02/11/2006
Como a Wal-Mart baniu o sósia de um terrorista
Karen Naundorf
A Wal-Mart está tornando difícil a vida de Oscar Brufani, 52, que ganha a vida entregando chips de batata em Buenos Aires. Uma gerente da loja acha que ele se parece com Osama Bin Laden - e não deixa que Oscar se aproxime do estabelecimento.
Oscar Brufani só fez a barba três vezes na vida - a primeira quando tinha 18 anos de idade, e precisou tirar a fotografia para o seu passaporte. Na ocasião, ele teve a sensação de estar nu.
A segunda vez foi quando passou por um exame médico. Ele sentiu-se humilhado. E até hoje ele lamenta a terceira vez: Oscar tinha 24 anos e queria agradar a sua mulher. Ela ficou agradecida, mas as suas três filhas pequenas correram, assustadas com o homem de queixo liso. Foi então que Brufani jurou para si próprio que jamais faria a barba de novo.
E, assim, ele deixou a barba crescer. E agora a sua face se tornou uma questão de ordem legal. Ela está mantendo os seus advogados ocupados, assim como o Instituto Nacional Contra a Discriminação, a Xenofobia e o Racismo, da Argentina. Oscar Brufani, um homem normal que usa barba, se viu lutando contra uma corporação multinacional. Os seus compatriotas o estão apoiando - achando que os norte-americanos devem ter o miolo mole -, e ele aparece freqüentemente nos telejornais noturnos. Brufani nunca achou que a sua barba fosse capaz de provocar tanta confusão.
É verdade que, no final da década de 1970, durante a ditadura militar argentina, soldados retiraram-no certa vez de um caminhão, agarrando-o pela barba. À época, os barbudos eram considerados subversivos. Mas Brufani nunca foi um desses indivíduos que usam a face como instrumento político. Ele apenas queria ter aquela aparência. Dessa forma, ele passou a evitar os postos militares de revista. Brufani não queria problemas.
Segundo Brufani, que atualmente tem 52 anos, a sua barba pode ser longa, mas é higiênica. Ele a lava com xampu todas as manhãs para garantir que ela fique cheirosa. A barba tem 34,5 centímetros de comprimento, e está ficando grisalha - algumas partes dela já estão completamente brancas. Quando está no trabalho, ele a coloca cuidadosamente dentro da camisa, assim como outras pessoas colocam a gravata dentro dos suéteres.
Brufani é um pequeno empresário que fornece chips de batata aos principais estabelecimentos comerciais do sul de Buenos Aires. A pontualidade é o fator mais importante do seu trabalho. As coisas sempre correram de forma satisfatória para Oscar Brufani - até outubro de 2004.
Ele estava de pé ao lado do seu caminhão, na área de entrega de uma Wal-Mart, em La Plata. Brufani acabara de descarregar as caixas e desejava voltar para casa. Tudo do que precisava era o recibo de entrega. Mas a gerente da loja o manteve esperando. Ela havia conversado com dois supervisores norte-americanos da Wal-Mart .
Aqueles ianques malucos
Brufani já havia notado a presença dos dois homens de terno quando estava descarregando as caixas. Eles o encaravam fixamente. Os dois o fitavam, sussurravam entre si, e voltavam a encará-lo. A seguir, os homens entraram no escritório da gerente da loja.
"Você não pode mais trabalhar aqui. Ordens lá de cima", avisou a gerente da loja, quando finalmente chegou no estacionamento. Brufani perguntou se havia feito algo de errado, e ela lhe disse que não - o problema era a sua barba. "Os supervisores acham que você se parece com Osama Bin Laden. Se você aparecer em qualquer das imagens gravadas pelas câmeras de segurança, eu perderei o meu emprego".
Esses norte-americanos são malucos, pensou Brufani. Será que eles realmente acham que Bin Laden passaria o tempo entregando chips para uma loja Wal-Mart em La Plata?
No dia seguinte, a equipe de segurança se recusou a deixá-lo entrar na área de entrega. Até hoje Brufani não sabe por que. Ele é argentino, filho de imigrantes italianos. Na parede da sua sala de estar há um crucifixo. Tudo o que Brufani sabe sobre Bin Laden é que ele é um terrorista que vive escondido - em cavernas cujas paredes não são ornamentadas com crucifixos.
Brufani continua entregando chips para os seus fregueses usuais - exceto a loja Wal-Mart em La Plata, que se recusa a abrir as portas para ele. Para Brufani, isso é um desastre.
"Preciso fazer entregas para a Wal-Mart. Caso contrário irei à falência", queixa-se ele. Assim, Brufani passou a contratar um motorista. Ele se escondia sob o painel do caminhão a fim de explicar ao motorista onde e como fazer a entrega.
Enfrentando a Wal-Mart
Brufani continuou alimentando esperanças de que o pessoal da Wal-Mart caísse em si, e tentou repetidamente ingressar abertamente na área de entregas - mas sem resultado. Em agosto, ele decidiu que a situação fora longe demais, e contratou um advogado. O advogado trabalha para uma firma pequena, mas tem experiência com esse tipo de caso. Ele representou certa vez uma vítima de difamação - um judeu que foi impedido de entrar em um supermercado. A questão foi decidida sem que se precisasse recorrer a um tribunal.
Brufani espera que o seu problema seja resolvido da mesma forma - fora dos tribunais, de maneira discreta e rápida. Ele acha que talvez receba até algum tipo de indenização.
Mas, até o momento, não se sabe sequer se a Wal-Mart está violando qualquer lei. Será que é realmente um crime uma pessoa alegar que Brufani se parece com um famoso terrorista, e afirmar que não deseja que os seus chips sejam entregues por um indivíduo com tal aparência? Essa é uma situação incomum - que talvez não seja coberta pela legislação anti-discriminação da Argentina, já que Brufani não está sofrendo uma discriminação de caráter religioso ou racial. O seu advogado gostaria de conversar com a Wal-Mart, mas os norte-americanos não atendem as suas ligações telefônicas.
Um comunicado à imprensa divulgado pela corporação afirma que a acusação feita por Brufani é infundada. O curto comunicado também faz referência ao código de vestuário da Wal-Mart, mas não explica como, exatamente, Brufani teria violado tal código.
Brufani nunca tentou fazer compras na Wal-Mart. Ele diz que prefere redes de lojas rivais, nas quais ele é bem-vindo e tratado como todos os outros fregueses. No ano passado, a gerente de uma dessas lojas chegou até a cumprimentá-lo pessoalmente, quando ele se preparava para pagar as compras.
"Nós o vimos nas nossas câmeras de vigilância", disse a mulher, que a seguir lhe ofereceu um emprego: "Você gostaria de trabalhar para nós como Papai Noel?".
Tradução: Danilo Fonseca