Primeiramente, quero deixar claro que estou fazendo o papel de advogado do Diabo. Não me estenderei demasiadamente nas questões, apenas o suficiente para se pensar sobre o assunto.
Vale lembrar que estamos fazendo um exercício mental sobre um problema teológico dos mais antigos. Não quero entrar nos méritos da sua veracidade, portanto sugiro que nenhum apressadinho venha, no meio da discussão, dizer-me: prova que deus existe, seu *&%$$##!
É bom lembrar também que, sendo a discussão maior do que o tanto que estou disposto a discorrer, não esperem um tratado teológico sobre o assunto. Apenas algumas assertivas para clarear o pensamento.
Alguns pontos importantes:
a Igreja Católica crê que, no Ser humano, duas forças se movem, arrastando-o em direções contrárias.
Uma é a concupiscência, o desejo de pecar. Por exemplo, na visão católica comer é bom, pois alimenta e traz satisfação para o corpo. No entanto, na medida em que a pessoa transforma este bom ato em uma tendência desordenada, ele peca. Idem para tantos outros pontos.
A outra "força" é a Lei natural, que opera no "coração" humano, tornando-lhe discernível o certo do errado. Assim, mesmo as civilizações que não tiveram contato com a Revelação, compreender que roubar é errado, por exemplo.
Entenda essas duas "forças" sem muitas pretensões dialéticas.
Segundo o entendimento da Igreja, que vem da Revelação, em consonância com a Lei natural e iluminado pela filosofia grega, cada ato desordenado ou cada omissão diante da possibilidade de praticar o bem, cria uma lacuna que precisa ser reparada.
Assim, se cometo um furto, não basta o arrependimento. É preciso, se possível, restituir o que foi furtado, para que se tenha a compensação do crime. Cada pecado, então, produz uma culpa proporcional ao erro.
Aplicando, ainda, esta lógica se eu der um soco na cara de alguém com quem estou discutindo, eu cometo um ato errado. Se esse alguém, no entanto, é o meu pai a minha culpa cresce.
As ofensas produziriam culpas proporcionais à pessoa ofendida.
Agora imagine um crime cometido contra alguém de dimensões infinitas. A culpa torna-se, igualmente, infinita.
Por isso, na doutrina católica, todo pecador não redimido seria condenado ao suplício eterno e infinito. Esse seria, na verdade, o destino de toda a humanidade já que "todos pecaram e destituídos estão da Glória de Deus" Rm III, 23. Deus, no entanto, querendo a salvação da humanidade e sendo a única pessoa capaz de suplantas culpas infinitas, por seu mérito infinito, resolve encarnar-se na história humana para trazer a salvação a todos os povos.
Isto nos remete que a salvação se dá pela Graça, já que nenhum humano teria condições de salvar a si próprio de um culpa infinita, ainda que fizesse o máximo de bem que lhe fosse possível ou que experimentasse a reencarnação/renascimento inúmeras vezes.
Mas de que forma opera essa Graça? Ora! Pela Doutrina católica, recebemos a graça mediante a fé e correspondemos a ela com as nossas boas obras...
A Fé é um Dom: a adesão racional às verdades reveladas. Para os cristãos, o sinal visível de que se aderiu à fé é o batismo. No entanto, a semente que é lançada através da Fé precisa produzir frutos: as boas obras. Segundo São Tiago, a fé sem obras é morta. Ainda, pela Bíblia, segundo São João, aquele que diz que ama a Deus, o qual não se pode ver, mas não ama o seu irmão que pode ver é um mentiroso. Essa tríade, inquebrantável, resume a doutrina da salvação.
Agora imagine uma criança que morre antes da idade da razão...
Não cometeu pecados próprios, embora herde o pecado orginal, o germén do pecado, herdado por toda a humanidade através do Monogenismo. A criança não teve, também méritos, nem praticou boas obras. A Igreja crê que se opera a Graça de Deus nesta circunstância. A Graça salvífica... Ela é dada mediante a fé dos pais, que batizaram a criança, colocando-a diante do Trono da Graça.
Mas, e se não foi batizada?
Vejamos agora:
Flavio Costa escreveu:Se forem para o céu, o valor do batismo é abalado e o Evangelho se enfraquece.
Não necessariamente.
Imagine o Bom ladrão, lá na Cruz. Ele foi para o céu (Jesus assim lhe prometeu) e não houve tempo de receber o batismo. Houve a ação pura e simples da Graça, por duas razões.
1. Havia a intenção implícita do Batismo, a partir do momento em que ele aceitou Jesus, no alto da Cruz.
2. Houve o batismo de sangue. Tendo se negado a ofender Jesus - coisa que o outro bandido fez, pensando provavelmente em alcançar a misericórdia dos guardas e ser retirado da Cruz - o bandido deu razão à sua morte, transformando-a num martírio, o martírio daquele que se nega a rejeitar o seu Mestre, mesmo diante da morte. E quem é batizado no sangue (martirizado), coloca os pés na soleira do céu.
Vimos aí que existem pelo menos duas "brechas" para a Salvação sem batismo. Há ainda uma terceira, da qual prefiro não falar agora.
Então imagine agora, que os pais acabaram de receber seu lindo bebê, recem-nascido, e estão com a data do seu batismo marcada. Eles querem batizar o seu filho bem cedo e educá-lo na fé. Nesse meio tempo a criança adoece e morre, sem que haja tempo de antecipar o batismo (embora, nesta situação, eles pudessem ter batizado a criança com água e Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, mas eles não o fizeram). Houve um batismo de desejo. Os pais tinham a reta intenção de batizar o filho, mas seu desejo não pôde chegar a termo, por conta de situações contigenciais. A Igreja não põe óbice À conclusão de que essa criança foi para o céu. Mas e quando não havia intenção de batizar? Ou quando a criança foi abortada? Aí é que entra a idéia do Limbo, o lugar para onde iriam essas crianças. Seria como o céu, mas sem a visão de Deus, pois esta é precedida pela Fé.
Os teólogos que se opõem ao Limbo, têm uma teoria interessante. Ora! A Igreja é mãe, e como Mãe deseja o batismo e a salvação a toda a humanidade. Como a criança morreu sem pecar, haveria o batismo de desejo - por parte da Igreja - que seria suficiente para "apagar" o pecado original e "abrir os céus"...
Se tiverem outro destino (que não seja a reencarnação), uma irremediável injustiça toma conta da cosmovisão católica.
Não necessariamente.
Mas caso não se conclua que elas podem ir ao céu, por "entraves teológicos", não haveria qualquer irremediável injustiça em crer que a criança foi ao Limbo - o seio de Abraão, como diz a Bíblia.
Ela não pode ir ao inferno, isto é absolutamente lógico. Mas a reencarnação seria totalmente desnecessária, como demonstrei lá em cima, com a doutrina da proporcionalidade das penas e a compensação da Graça.
Espero ter ajudado.
In Corde I... Ops!