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Aquiles e Jesus - Parte II

Enviado: 12 Nov 2006, 14:21
por Acauan
Aquiles e Jesus - Parte I

Aquiles e Jesus - Parte II

Por Acauan


Enquanto na narrativa mítica de Aquiles o mais poderoso dos homens está inevitavelmente destinado a ser vencido pela morte, na de Jesus de Nazaré a morte é vencida por um Deus que, em forma humana, renunciou a todo poder.

Aquiles encontra uma morte indesejada que lhe priva do triunfo final de sua maior luta, Tróia.
Jesus de Nazaré se submete voluntariamente aos seus inimigos para sofrer a morte em meio à tortura e humilhação.

A intersecção da queda do herói, da glória para o vazio, com a ascensão do homem-Deus, da imolação para a redenção, se dá no momento da morte, quando ambos se igualam em sua humanidade, o que lhes resta diante daquilo que os desprovê de tudo o mais.

Na iminência da morte, tanto o guerreiro indestrutível quanto o Cordeiro de Deus se sentem abandonados.
O primeiro por sua invulnerabilidade e o segundo pela presença divina.

É neste momento de semelhança entre as duas mortes míticas que se definem suas diferenças complementares.

Quando Jesus de Nazaré morre, rasga-se o véu do Templo, expressão usada em Mateus para simbolizar que o mistério inacessível foi revelado.

Tal mistério era a causa da frustração de Aquiles que, como mortal, não podia entender o Hades, que tentava interpretar a partir de sua própria realidade, uma realidade que já não lhe existia mais.

Só os deuses, de sua condição transcendente, eram capazes de compreender a mortalidade, mas como deuses eram incapazes de revelar um mistério que para eles não existia.

O véu do Templo se rasga quando a morte é penetrada por um ser que condensa em si a finitude humana e a transcendência divina.
Este feito não poderia ser realizado por um herói como Aquiles e nem mesmo por um semi-deus como Heracles.
O véu do templo só poderia ser rasgado por quem fosse ao mesmo tempo totalmente humano e totalmente divino, uma concepção inexistente no mito grego que é fundamental no mito cristão.

Só que o mito cristão não se encerra quando o véu do Templo é rasgado.
Ele se projeta para o futuro profético do segundo advento, quando Jesus retornará em glória e majestade.

Como um herói triunfante.

Como Aquiles.


Enviado: 13 Nov 2006, 09:08
por Aranha
- Muito bom texto caro silvícola, vou fazer alguns comentários, apenas para chover no molhado...

- A única coisa que prendia Aquiles a este mundo era sua sede de glória, as glórias conquistadas em vida em nada adiantaram em vista da inevitabilidade da morte e nem ao menos a tornaram mais ou menos grandiosa.

- A morte sem glória é comum aos dois casos, só que a morte inglória de Jesus é interpretada numa visão judaica que é essencialmente diferente da grega, Jesus era um cordeiro enquanto Aquiles era um guerreiro poderoso, então comecei a meditar sobre heróis Judeus e percebi que eles não morrem em batalha como Aquiles, morrem sempre de velhice, só Saul, de quem Jeová não gostava, morreu em batalha, me parece que a morte em batalha não valia tanto na cultura Judia quanto valia na Grega.

- Ulisses tinha uma família lhe esperando e isso lhe foi mais precioso que a imortalidade, ao que parece o autor deixa claro aí, que de nada adianta a glória (conquistada por Aquiles) se ela não servir de exemplo para sua família, o pai suplanta o guerreiro, ter sua obra continuada nos seus filhos vale mais que lutar bravamente várias batalhas, embora isso também seja importante.

- Jesus ignora qualquer um desses valores, nem teve filhos, conclamava a que cada um salvasse seu próprio rabo e glórias em batalha eram lixo para ele, além disso, ele se coloca como único modelo válido, ou seja, matou todos os futuros heróis, não haverá outro Aquiles, muito menos outro Jesus.

- Mas estamos aí todo dia criando nossos filhos, dando exemplos e lutando nossas batalhas diárias, acho que no cotidiano Aquiles e Ulisses estão mais próximos de nós que Jesus.

Abraços,

Enviado: 13 Nov 2006, 11:44
por Fernando Silva
Abmael escreveu:- Mas estamos aí todo dia criando nossos filhos, dando exemplos e lutando nossas batalhas diárias, acho que no cotidiano Aquiles e Ulisses estão mais próximos de nós que Jesus.

A mensagem de Jesus é antinatural: "não se preocupe com nada que seja material, não busque progredir, não busque a felicidade, não busque a sabedoria deste mundo. Só o que vale é a recompensa no outro mundo. Se for preciso, dê sua vida pela sua fé".
Nenhuma sociedade pode progredir baseada nesta filosofia. É por isto que surgem alternativas como o calvinismo e a Teologia da Prosperidade.

Enviado: 13 Nov 2006, 19:59
por Acauan
Abmael escreveu:- Muito bom texto caro silvícola, vou fazer alguns comentários, apenas para chover no molhado...


ANAUÊ Guerreiro!

Abmael escreveu:- A morte sem glória é comum aos dois casos, só que a morte inglória de Jesus é interpretada numa visão judaica que é essencialmente diferente da grega, Jesus era um cordeiro enquanto Aquiles era um guerreiro poderoso, então comecei a meditar sobre heróis Judeus e percebi que eles não morrem em batalha como Aquiles, morrem sempre de velhice, só Saul, de quem Jeová não gostava, morreu em batalha, me parece que a morte em batalha não valia tanto na cultura Judia quanto valia na Grega.


O personagem mais próximo que a mitologia judaica produziu do herói grego foi Sansão, uma espécie de Aquiles kosher.
Sansão como guerreiro era invencível, sendo derrotado não pelas armas do inimigo, mas por um lapso moral incitado pelos ardis de uma mulher.

Davi também tem seu lado de herói trágico, mas está mais próximo de um rei Artur (ou o rei Artur está mais próximo dele, já que Davi veio primeiro) do que de Aquiles.
Tal qual Sansão, Davi triunfa no campo de batalha e sofre a derrota moral por conta de encantos femininos.

Este conceito é tipicamente judaico, o herói que vence enquanto serve a um propósito moral, cai quando o renega e se reergue pela contrição.

Enviado: 13 Nov 2006, 20:06
por Acauan
Fernando Silva escreveu:A mensagem de Jesus é antinatural: "não se preocupe com nada que seja material, não busque progredir, não busque a felicidade, não busque a sabedoria deste mundo. Só o que vale é a recompensa no outro mundo. Se for preciso, dê sua vida pela sua fé".
Nenhuma sociedade pode progredir baseada nesta filosofia. É por isto que surgem alternativas como o calvinismo e a Teologia da Prosperidade.


Acho que esta mensagem tem mais a cara de Paulo do que de Jesus de Nazaré.
Uma passagem ilustrativa é a que declara que "O Sabá foi feito para o homem e não o homem para o Sabá", uma clara alusão de que deveria haver um equilíbrio entre o terreno e o divino e não apenas a submissão daquele a este.
Mesmo o insuspeitíssimo Nietzsche se recusa a condenar a mensagem original do Evangelho, comparando-a antes a uma proposta de felicidade na Terra, um caminho da realização do homem perante si mesmo, que teria sido estragada por Paulo e seus exageros.

Enviado: 14 Nov 2006, 12:51
por Ayyavazhi

Sendo um fã declarado de nosso dileto índio, sou suspeito para tecer qualquer elogio. Salva-me do julgamento apressado a leitura desse texto, como tantos outros do mesmo autor, e que justificam tamanha tietagem.

É sempre uma leitura agradável, envolta em informação, elegância e poesia. E essa avaliação sempre sobreviverá às diferenças ideológicas.

Parabéns, mais uma vez, Guerreiro.


Re: Aquiles e Jesus - Parte II

Enviado: 14 Nov 2006, 14:14
por Vitor Moura
Acauan escreveu:Aquiles e Jesus - Parte I

Aquiles e Jesus - Parte II

Por Acauan


Enquanto na narrativa mítica de Aquiles o mais poderoso dos homens está inevitavelmente destinado a ser vencido pela morte, na de Jesus de Nazaré a morte é vencida por um Deus que, em forma humana, renunciou a todo poder.

Aquiles encontra uma morte indesejada durante o triunfo final de sua maior luta, em meio às chamas que consomem o inimigo subjugado, Tróia.


Aquiles morreu antes de Tróia ser subjugada. É o filho dele que invade Tróia.

Acauan escreveu:Jesus de Nazaré se submete voluntariamente aos seus inimigos para sofrer a morte em meio à tortura e humilhação.

A intersecção da queda do herói, da glória para o vazio, com a ascensão do homem-Deus, da imolação para a redenção, se dá no momento da morte, quando ambos se igualam em sua humanidade, o que lhes resta diante daquilo que os desprovê de tudo o mais.

Na iminência da morte, tanto o guerreiro indestrutível quanto o Cordeiro de Deus se sentem abandonados.


Discutível. A frase "Meu Deus, por que me abandonaste", é o início do Salmo 22. Os judeus recitam esse salmo quanto estão para morrer, o que não quer dizer que estejam se sentido abandonados. Jesus, naquele terrível momento da crucificação, pode simplesmente ter-se refugiado na oração.

Um abraço,
Vitor

Re: Aquiles e Jesus - Parte II

Enviado: 14 Nov 2006, 15:32
por Acauan
Vitor Moura escreveu:
Acauan escreveu:Aquiles e Jesus - Parte I

Aquiles e Jesus - Parte II

Por Acauan


Enquanto na narrativa mítica de Aquiles o mais poderoso dos homens está inevitavelmente destinado a ser vencido pela morte, na de Jesus de Nazaré a morte é vencida por um Deus que, em forma humana, renunciou a todo poder.

Aquiles encontra uma morte indesejada durante o triunfo final de sua maior luta, em meio às chamas que consomem o inimigo subjugado, Tróia.


Aquiles morreu antes de Tróia ser subjugada. É o filho dele que invade Tróia.


OOOoooopppppsssss.....!!!!

Grato pela correção.
Vou corrigir o texto.
De fato Aquiles morreu muito antes de o Cavalo de Tróia ser construído.
Índio Velho admite que escreveu o trecho com a cena do filme do Brad Pitt na cabeça, sem checar fontes adequadas.

Re.: Aquiles e Jesus - Parte II

Enviado: 14 Nov 2006, 15:44
por carlo
Se o mote do cristianismo é aquilo que o fernando silva escreveu e que o acauan disse que era mais coisa do cara que escreveu com o nome de paulo ou os caras que escreveram com este nome, os cristãos deveriam se chamar paulinos ou paulanos ou... sei lá!

Enviado: 14 Nov 2006, 20:37
por Acauan
Avatar escreveu:
Parabéns, mais uma vez, Guerreiro.


ANAUÊ, Abaré!

Re.: Aquiles e Jesus - Parte II

Enviado: 14 Nov 2006, 21:00
por Alter-ego
É, de fato, um ótimo texto.

Uma leitura essencial para aqueles que se aventuram a criticar o cristianismo sem conhecer um mínimo da lógica que o funda.
O guerreiro Acauan possui o diferencial de ser um conhecedor das religiões...
E, sim, se não nos atentarmos a gente emite opiniões com as imagens do filme Tróia na cabeça... :emoticon16:

Re: Re.: Aquiles e Jesus - Parte II

Enviado: 15 Nov 2006, 09:19
por Fernando Silva
carlo escreveu:Se o mote do cristianismo é aquilo que o fernando silva escreveu e que o acauan disse que era mais coisa do cara que escreveu com o nome de paulo ou os caras que escreveram com este nome, os cristãos deveriam se chamar paulinos ou paulanos ou... sei lá!

Se houve algum Jesus que teve discípulos e deixou ensinamentos, sua religião não seria o paulinismo, que acabou virando cristianismo.
Seria algo mais próximo do ebionismo e de outras seitas possivelmente seguidas por Tiago e outros discípulos até que surgiu Paulo e detonou tudo, levando à extinção dessas seitas.

Os evangelhos parecem ser uma mistura das duas vertentes, enquanto que as epístolas de Paulo praticamente ignoram o Jesus terreno, preferindo a mensagem do Jesus espiritual (ou seja, a mensagem que surgiu na cabeça de "Paulo" e que ele atribuiu à inspiração de um Jesus espiritual).

Re.: Aquiles e Jesus - Parte II

Enviado: 15 Nov 2006, 12:09
por carlo
Não ´tô te falando que bíblia é da prateleira do fernando silva! :emoticon12:

Re: Re.: Aquiles e Jesus - Parte II

Enviado: 15 Nov 2006, 20:41
por Deise Garcia
Fernando Silva escreveu:
carlo escreveu:Se o mote do cristianismo é aquilo que o fernando silva escreveu e que o acauan disse que era mais coisa do cara que escreveu com o nome de paulo ou os caras que escreveram com este nome, os cristãos deveriam se chamar paulinos ou paulanos ou... sei lá!

Se houve algum Jesus que teve discípulos e deixou ensinamentos, sua religião não seria o paulinismo, que acabou virando cristianismo.
Seria algo mais próximo do ebionismo e de outras seitas possivelmente seguidas por Tiago e outros discípulos até que surgiu Paulo e detonou tudo, levando à extinção dessas seitas.

Tiago que, tudo leva a crer ser irmão de Jesus, foi mais influente do que Pedro na igreja justamente por causa do grau de parentesco. Apesar da sua influência, justamente com ele começa o desentendimento dentro da comunidade cristã. Pedro defendia a difusão da mensagem cristã para uma comunidade de judeus e gentios. Tiago não, porque temia que pudesse provocar uma renovação dentro do judaismo ou criar uma religião afastada de suas raízes.




Os evangelhos parecem ser uma mistura das duas vertentes, enquanto que as epístolas de Paulo praticamente ignoram o Jesus terreno, preferindo a mensagem do Jesus espiritual (ou seja, a mensagem que surgiu na cabeça de "Paulo" e que ele atribuiu à inspiração de um Jesus espiritual).


As epístolas de Paulo divulgam sua interpretação de uma nova religião porque ele somente conheceu Cristo a caminho de Damasco, ou seja, não conviveu com ele. Até então Tiago era o lider da igreja de Jerusalém, mas eles não concordavam sobre o nascimento de Jesus, sua mensagem e se ele era divino ou não.
Para Paulo, a mensagem do Cristo se destinava a Israel e aos gentios e por ter pregado por todo o mediterrâneo, considerando que era cidadão romano, foram pontos cruciais para o sucesso da sua versão do cristianismo.


Re.: Aquiles e Jesus - Parte II

Enviado: 16 Nov 2006, 19:33
por Alter-ego
Deise, Tiago não deixou de liderar a igreja de Jerusalém após Paulo.
A influência de Paulo se tornou maior a posteriori. Pedro era o grande líder entre os gentios e Tiago entre os vindos do Judaísmo.

Re: Re.: Aquiles e Jesus - Parte II

Enviado: 18 Nov 2006, 15:38
por Deise Garcia
Alter-ego escreveu:Deise, Tiago não deixou de liderar a igreja de Jerusalém após Paulo.
A influência de Paulo se tornou maior a posteriori. Pedro era o grande líder entre os gentios e Tiago entre os vindos do Judaísmo.


Eu não disse isso, Alter. Veja! Após a morte de Jesus, os apóstolos passaram a se reunir em seu nome e divulgar os ensinamentos que haviam ouvido de Jesus. No início, a nova seita judaica se enraizou apenas nas comunidades judias. Pouco depois começaram a ser pregadas também para as comunidades não judaicas. Essa decisão foi tomada por um conselho de cristãos de Jerusalém onde participaram Tiago e Pedro.
Pedro era um grande lider também, mas alguns historiadores afirmam que Tiago teria sido mais influente que Pedro por ter sido irmão de Jesus.
Veja você que não estou me prendendo ao que a igreja afirma. No Atos dos Apóstolos existem referências a Tiago, assim como na Carta de São Paulo aos Gálatas que confirmam que ele, assim como Pedro, eram as principais figuras da igreja. O fato é que Paulo chega a citar seu nome em primeiro lugar, dizendo "Tiago, Pedro e João, considerados colunas da igreja".


Re: Re.: Aquiles e Jesus - Parte II

Enviado: 18 Nov 2006, 15:45
por emmmcri
Alter-ego escreveu:Deise, Tiago não deixou de liderar a igreja de Jerusalém após Paulo.
A influência de Paulo se tornou maior a posteriori. Pedro era o grande líder entre os gentios e Tiago entre os vindos do Judaísmo.


Ei quem está aí é o Catholico ressucitado?
:emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: