Morales revela lado pragmático
Enviado: 17 Nov 2006, 09:48
Financial Times
À medida que economia boliviana cresce, Morales revela lado pragmático
O aumento das arrecadações do governo ajudaram o presidente a moderar a sua reforma
Richard Lapper e Hal Weitzman
em La Paz
Os pacientes começam a fazer fila no Hospital Chacaltaya às 3h30. Quando os médicos chegam, às 8h, a fila já faz uma volta em torno da Praça German Busch. Esta praça suja fica em Alto Lima, a área mais pobre de El Alto, uma cidade de 850 mil habitantes situada acima de La Paz, na Bolívia.
Chacaltaya é o primeiro centro médico no país mais pobre da América do Sul a tratar pacientes gratuitamente e a sua equipe é parte de um contingente de 1,200 médicos de Cuba que, até o momento, atenderam mais de 2,2 milhões de bolivianos neste ano, o que representa 25% da população do país.
O hospital, que se acredita ter sido financiado pela Venezuela, evidencia o relacionamento que Evo Morales, o presidente da Bolívia, construiu com os seus aliados em Caracas e Havana. Mas nos últimos meses La Paz deu a impressão de buscar uma maior independência em relação à Venezuela e a esse eixo latino-americano radical.
Morales, repleto de recursos advindos das reservas de gás do país, e consciente da importância da sua posição na região, deu sinais de estar se aproximando de regimes vizinhos mais moderados, como os da Brasil e da Argentina, e parece estar buscando dialogar com antigos inimigos, incluindo Chile e Estados Unidos.
Em nenhum outro setor essa guinada é mais evidente do que na fundamental indústria energética boliviana. No início de maio, Morales anunciou a nacionalização da indústria de gás. Isso foi pouco após ele ter assinado um pacto comercial com Hugo Chávez, o presidente da Venezuela, e com Fidel Castro, de Cuba. Mas após meses de negociações, a Bolívia optou por um acordo mais pragmático com dez companhias estrangeiras, incluindo a Petrobras, do Brasil, a BG, do Reino Unido, a Total, da França e a espanhola Repsol.
Oficialmente, a companhia estatal boliviana YPFB assumiu o controle sobre os campos de gás e também fiscalizará o processamento e as remessas do produto. As companhias estrangeiras permanecerão em território boliviano mas, segundo novos contratos assinados na semana passada, transferirão até 82% das suas receitas ao governo da Bolívia na forma de royalties e impostos.
Porém, na prática, o acordo possibilita que os parceiros estrangeiros adotem medidas como a compensação pela depreciação de capital. Devido aos aumentos dos preços e da produção de gás, as companhias estão em uma situação melhor do que antes. "A natureza do negócio mudou drasticamente nos últimos quatro anos", diz Jorge Quiroga, ex-presidente e líder do partido de oposição Podemos. "As companhias terão mais vantagens com os novos contratos porque o bolo aumentou de tamanho".
"A retórica é a nacionalização, mas na realidade eles só modificaram as taxas de juros", explica Carlos Toranzo, analista político da Fundação Friedrich Ebert, em La Paz.
Alguns bolivianos esperavam reformas mais profundas, que fariam com que a YPFB desempenhasse um papel proeminente e a companhia estatal venezuelana PDVSA assumisse os bens das companhias estrangeiras em campos secundários.
No entanto, esse plano fracassou dois meses atrás quando Morales demitiu o seu ministro dos Hidrocarbonetos, Andrés Soliz Rada, um indivíduo de linha dura e pró-Venezuela, depois que ele se mobilizou para nacionalizar duas refinarias de petróleo controladas pela Petrobras.
Segundo analistas em La Paz, as pressões da companhia e do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, contribuíram para pavimentar o caminho rumo a um acordo com as empresas estrangeiras.
Existem também indicações de que a influência venezuelana está diminuindo em outras áreas. Morales manteve a filiação da Bolívia à Comunidade Andina, um pacto regional de comércio abandonado pela Venezuela no início deste ano.
As expectativas de que a Venezuela viesse a adquirir os direitos de exploração das reservas de minério de ferro em El Mutún, no sudeste da Bolívia, terminaram em junho, quando foi firmado um acordo com a aciaria indiana Jindal.
E no início desta semana um acordo militar entre Bolívia e Venezuela, que envolvia a construção de postos militares ao longo das fronteiras bolivianas, foi adiado.
Ao mesmo tempo, Morales estreitou relações com a Argentina, tendo assinado recentemente um tratado de longo prazo para fornecimento de gás ao vizinho ao sul da Bolívia. E Morales está até mesmo mantendo conversações com o Chile, um inimigo histórico, a respeito de vendas potenciais de energia elétrica.
A Bolívia chegou até a procurar agradar os Estados Unidos ao oferecer cooperação para a erradicação da coca, a matéria prima para a fabricação da cocaína. Em resposta, o governo Bush incluiu a Bolívia no seu pedido ao Congresso para a renovação do regime de baixas tarifas ATPDEA para as importações de produtos dos países andinos.
Um dos motivos dessa mudança é o fato de a força da economia boliviana conferir a Morales muito mais espaço de manobra do que aquele que o seu predecessor tinha.
Recursos advindos dos preços mais altos do gás e dos aumentos dos impostos sobre este produto em 2005 significam que o governo não se encontra mais desesperado para obter dinheiro. Os pagamentos da dívida foram reduzidos como resultado de um perdão concedido pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
O déficit fiscal, que chegou a 8,8% do produto interno bruto em 2002, caiu para 1,6% do PIB no ano passado, e neste ano a tendência é que haja um superávit fiscal pela primeira vez em três décadas.
Os pacientes do Hospital Chacaltayha podem ter motivos para agradecer a Morales pelo seu radicalismo, mas ele está se revelando mais pragmático do que pareceria provável seis meses atrás.
À medida que economia boliviana cresce, Morales revela lado pragmático
O aumento das arrecadações do governo ajudaram o presidente a moderar a sua reforma
Richard Lapper e Hal Weitzman
em La Paz
Os pacientes começam a fazer fila no Hospital Chacaltaya às 3h30. Quando os médicos chegam, às 8h, a fila já faz uma volta em torno da Praça German Busch. Esta praça suja fica em Alto Lima, a área mais pobre de El Alto, uma cidade de 850 mil habitantes situada acima de La Paz, na Bolívia.
Chacaltaya é o primeiro centro médico no país mais pobre da América do Sul a tratar pacientes gratuitamente e a sua equipe é parte de um contingente de 1,200 médicos de Cuba que, até o momento, atenderam mais de 2,2 milhões de bolivianos neste ano, o que representa 25% da população do país.
O hospital, que se acredita ter sido financiado pela Venezuela, evidencia o relacionamento que Evo Morales, o presidente da Bolívia, construiu com os seus aliados em Caracas e Havana. Mas nos últimos meses La Paz deu a impressão de buscar uma maior independência em relação à Venezuela e a esse eixo latino-americano radical.
Morales, repleto de recursos advindos das reservas de gás do país, e consciente da importância da sua posição na região, deu sinais de estar se aproximando de regimes vizinhos mais moderados, como os da Brasil e da Argentina, e parece estar buscando dialogar com antigos inimigos, incluindo Chile e Estados Unidos.
Em nenhum outro setor essa guinada é mais evidente do que na fundamental indústria energética boliviana. No início de maio, Morales anunciou a nacionalização da indústria de gás. Isso foi pouco após ele ter assinado um pacto comercial com Hugo Chávez, o presidente da Venezuela, e com Fidel Castro, de Cuba. Mas após meses de negociações, a Bolívia optou por um acordo mais pragmático com dez companhias estrangeiras, incluindo a Petrobras, do Brasil, a BG, do Reino Unido, a Total, da França e a espanhola Repsol.
Oficialmente, a companhia estatal boliviana YPFB assumiu o controle sobre os campos de gás e também fiscalizará o processamento e as remessas do produto. As companhias estrangeiras permanecerão em território boliviano mas, segundo novos contratos assinados na semana passada, transferirão até 82% das suas receitas ao governo da Bolívia na forma de royalties e impostos.
Porém, na prática, o acordo possibilita que os parceiros estrangeiros adotem medidas como a compensação pela depreciação de capital. Devido aos aumentos dos preços e da produção de gás, as companhias estão em uma situação melhor do que antes. "A natureza do negócio mudou drasticamente nos últimos quatro anos", diz Jorge Quiroga, ex-presidente e líder do partido de oposição Podemos. "As companhias terão mais vantagens com os novos contratos porque o bolo aumentou de tamanho".
"A retórica é a nacionalização, mas na realidade eles só modificaram as taxas de juros", explica Carlos Toranzo, analista político da Fundação Friedrich Ebert, em La Paz.
Alguns bolivianos esperavam reformas mais profundas, que fariam com que a YPFB desempenhasse um papel proeminente e a companhia estatal venezuelana PDVSA assumisse os bens das companhias estrangeiras em campos secundários.
No entanto, esse plano fracassou dois meses atrás quando Morales demitiu o seu ministro dos Hidrocarbonetos, Andrés Soliz Rada, um indivíduo de linha dura e pró-Venezuela, depois que ele se mobilizou para nacionalizar duas refinarias de petróleo controladas pela Petrobras.
Segundo analistas em La Paz, as pressões da companhia e do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, contribuíram para pavimentar o caminho rumo a um acordo com as empresas estrangeiras.
Existem também indicações de que a influência venezuelana está diminuindo em outras áreas. Morales manteve a filiação da Bolívia à Comunidade Andina, um pacto regional de comércio abandonado pela Venezuela no início deste ano.
As expectativas de que a Venezuela viesse a adquirir os direitos de exploração das reservas de minério de ferro em El Mutún, no sudeste da Bolívia, terminaram em junho, quando foi firmado um acordo com a aciaria indiana Jindal.
E no início desta semana um acordo militar entre Bolívia e Venezuela, que envolvia a construção de postos militares ao longo das fronteiras bolivianas, foi adiado.
Ao mesmo tempo, Morales estreitou relações com a Argentina, tendo assinado recentemente um tratado de longo prazo para fornecimento de gás ao vizinho ao sul da Bolívia. E Morales está até mesmo mantendo conversações com o Chile, um inimigo histórico, a respeito de vendas potenciais de energia elétrica.
A Bolívia chegou até a procurar agradar os Estados Unidos ao oferecer cooperação para a erradicação da coca, a matéria prima para a fabricação da cocaína. Em resposta, o governo Bush incluiu a Bolívia no seu pedido ao Congresso para a renovação do regime de baixas tarifas ATPDEA para as importações de produtos dos países andinos.
Um dos motivos dessa mudança é o fato de a força da economia boliviana conferir a Morales muito mais espaço de manobra do que aquele que o seu predecessor tinha.
Recursos advindos dos preços mais altos do gás e dos aumentos dos impostos sobre este produto em 2005 significam que o governo não se encontra mais desesperado para obter dinheiro. Os pagamentos da dívida foram reduzidos como resultado de um perdão concedido pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
O déficit fiscal, que chegou a 8,8% do produto interno bruto em 2002, caiu para 1,6% do PIB no ano passado, e neste ano a tendência é que haja um superávit fiscal pela primeira vez em três décadas.
Os pacientes do Hospital Chacaltayha podem ter motivos para agradecer a Morales pelo seu radicalismo, mas ele está se revelando mais pragmático do que pareceria provável seis meses atrás.