Primeiro casal homossexual formaliza união na cidade
quinta-feira, 23 de novembro de 2006
Ocorreu em Assis o primeiro registro de união estável de um casal homossexual feminino no interior do Estado. Na tarde de terça-feira a estudante Sheila Cândida da Costa, de 25 anos e a analista de sistemas Matilde Maria Cirino Nonato, de 40, registraram seu Documento Declaratório de Convivência Homoafetiva, que permite recebimento de pensão vitalícia em caso de morte da companheira junto ao INSS e também oficializa outros direitos previdenciá-rios ou patrimoniais.
O ato foi formalizado no 1º Tabelião de Notas e Protestos de Assis e baseado na circular 293/2005, expedida pelo Colégio Notarial, que permite o registro de documentos estabelecendo a união estável entre pessoas do mesmo sexo no Estado de São Paulo. Os direitos são assegurados pelo Ministério Público Federal, por meio de ação protocolada pelo procurador da república em São Paulo, Sérgio Gardenghi Suiama.
O registro foi acompanhado por diretores do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Sexualidades (Neps), que atuaram como testemunhas do contrato. Pelo documento, o casal se compromete a seguir deveres e direitos comuns a qualquer casamento. Inclusive, Sheila e Matilde incluíram uma cláu-sula na qual asseguram que, caso adotem uma criança e a mãe adotiva venha a falecer, sua companheira será a responsável pela guarda do filho.
Com direito a alianças de compromisso e a uma cópia do Documento Declaratório de Convivência Homoafetiva, as noivas comemoraram a oficialização de sua união depois de tantas dificuldades superadas, como os 18 meses de peregrinações por cartórios de diversas cidades, tentando conseguir a formalização de sua relação. “A sensação é de alívio, felicidade, de ter meu direito respeitado. Todo mundo pode ser diferente, mas todo mundo tem o direito de ser igual”, desabafou Sheila, a noiva que demonstrava mais an-siedade durante o registro. “Afinal, não é todo dia que a gente se casa”, repetia.
DESINFORMAÇÃO - Apesar da existência da circular expedida pelo Colégio Notarial, o casal somente conseguiu oficializar sua união após percorrer os cartórios do Estado durante um ano e meio e receber negativas. “Teve vezes em que eu ligava no cartório para falar sobre o registro e a atendente ria de mim”, indignou-se Sheila.
As noivas tiveram ajuda de um amigo residente em São Paulo, que trabalha em cartório e já havia formalizado semelhante contrato. “Ele tinha mais informações sobre o assunto e entrou em contato com o cartório daqui para explicar como eles deveriam proceder. Até o modelo do registro foi ele quem mandou”, explica Matilde.
Segundo o casal, até então registros semelhantes só eram feitos em São Paulo e em Porto Alegre. “Nas outras cidades os cartórios desconheciam a existência da circular. Há uma desinformação muito grande”, apontam.
Por outro lado, ambas comemoram o fato de que a oficialização de sua relação poderá incentivar outros casais homossexuais a adotar iniciativa semelhante. “Conhecemos muitos casais que não têm nenhum papel para comprovar sua união. Isso pode parecer uma coisa pequena, mas é um ganho, por exemplo, na hora de pagarmos um convênio familiar e não mais o individual. O ganho se dá não só pelo valor financeiro, mas também pelo reconhecimento da união em si”, defendem.
Neps comemora garantias legais para casal gay
Convidado a testemunhar o registro do Documento Declaratório de Convivência Homoafetiva, o integrante do Neps Vinícius Miranda comemorou a iniciativa de Sheila e Matilde, que agora, conforme ele define, poderão existir legalmente como casal. “Quando não havia este tipo de oficialidade, os casais não tinham direitos garantidos e viviam na obscuridade”, recorda.
Miranda espera que com a atitude do casal, outros homossexuais tenham a mesma coragem e consigam registrar sua conjugalidade. “Elas estão abrindo precedentes em Assis”, comemorou.
Iniciativa pioneira
Segundo o tabelião do cartório local, Lourival Gama da Silva, Sheila e Matilde foram o primeiro casal homossexual a procurar o serviço para fazer o registro de união estável. “Ninguém tinha nos procurado antes”, atesta.
O tabelião admitiu um certo receio em fazer o registro porque a Corregedoria não havia informado os cartórios sobre a existência da circular e a legislação previa união estável entre homem e mulher, mas não mencionava entre casais do mesmo sexo. “Tínhamos um ‘pé atrás’. Mas quando apareceu o primeiro casal, verificamos a veracidade da lei e procuramos as informações necessárias”, explicou.
Para registrar sua união, o casal interessado deve comparecer a um tabelionato ou cartório e solicitar a condução do processo.
Romance começou em sala de bate-papo Sheila e Matilde se conheceram há quase três anos em uma sala de bate-papo sobre a religião wicca (bruxaria moderna) e ali iniciaram o romance à distância – a estudante morava em Assis e a analista de sistemas residia em Belo Horizonte.
Conforme descreve Matilde, “bateu aquela energia em comum”e após seis meses de conversas online e e-mails trocados, a estudante foi a BH para conhecer Matilde. “Aí o namoro se tornou oficial”, brincou Sheila.
Em dezembro de 2004 elas passaram a morar juntas naquela cidade, mas vieram para Assis há um ano e meio, já que a analista de sistema sofre de Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e está afastada do trabalho. O casal ainda não sabe se continuará na cidade porcausa do tratamento que deve ser feito por Matilde.
Mas, em contrapartida, já tem uma certeza: vai tentar adotar uma criança em alguns anos.
Fonte: Diário de Assis