
Por Peter Graff
LONDRES (Reuters) - Um ex-espião da KGB acusou na sexta-feira Vladimir Putin por seu assassinato, em nota lida publicamente um dia depois de sua morte, que segundo médicos britânicos foi causada por uma rara substância radiativa encontrada em seu corpo.
O presidente russo qualificou a acusação de "provocação política" envolvendo a morte de Alexander Litvinenko, mas Londres disse ter abordado o assunto com Moscou e solicitado que a polícia britânica receba informações.
O núcleo de emergências civis do gabinete britânico se reuniu três vezes para discutir a morte de Litvinenko, num sinal da crescente gravidade com que o caso é tratado.
As autoridades encontraram um raro isótopo radiativo, o polônio-210, no corpo do ex-espião, um crítico do Kremlin, que morreu aos 43 anos, na noite de quinta-feira, em um hospital de Londres.
"O senhor pode conseguir silenciar um homem. Mas um uivo de protesto de todo o mundo irá reverberar, senhor Putin, nos seus ouvidos pelo resto da sua vida", escreveu Litvinenko em nota lida por seus amigos diante do hospital onde ele morreu.
"Que Deus lhe perdoe pelo que fez, não só comigo, mas com a amada Rússia e com seu povo."
A polícia tenta entender como o isótopo entrou no corpo de Litvinenko, que definhou durante três semanas, perdendo todos os pêlos. Agentes encontraram traços de polônio-210 no sushi-bar onde Litvinenko se encontrou com um acadêmico italiano, num hotel onde ele esteve com outro ex-espião russo, ambos no dia em que adoeceu, e na sua casa, na zona norte de Londres.
"Sabemos que ele recebeu uma dose importante", disse o chefe da Agência de Proteção Sanitária, Pat Troop.
Walter Litvinenko disse, aos prantos, que seu filho morreu vítima "de uma minúscula bomba nuclear".
SUBSTÂNCIA RARÍSSIMA
Andrea Sella, palestrante de Química no University College, de Londres, disse à Reuters que o Polônio-210 é uma das substâncias mais raras do planeta e que poucos poderiam obtê-la.
"Não é um assassinato aleatório. Não é uma ferramenta escolhida por um grupo de amadores. Essa gente tinha alguns recursos sérios por trás de si", afirmou.
Esse seria o primeiro assassinato encomendado pelo Kremlin no Ocidente desde a Guerra Fria. O caso assombrou Putin durante sua participação numa cúpula da União Européia em Helsinque. Ele insistiu que não há provas contra o seu governo.
"É uma pena que mesmo algo tão trágico quanto a morte de um homem seja usado para provocação política. "Espero que as autoridades britânicas não contribuam com instigar escândalos políticos. Isso não tem nada a ver com a realidade."
Litvinenko, que se tornou cidadão britânico no mês passado, era parte de um grupo de adversários de Putin que se radicou em Londres, do qual fazem parte também o bilionário Boris Berezovsky e separatistas chechenos.
A chancelaria britânica disse que o embaixador russo foi convocado "para solicitar às autoridades de Moscou que dêem qualquer informação que possa ajudar a polícia em seu inquérito".
Um ex-espião russo se apresentou em Moscou como sendo o homem que encontrou Litvinenko num hotel londrino, junto com um empresário russo, no dia em que ele adoeceu.
Esse ex-espião, Andrei Lugovyov, disse em nota que ambos discutiram um projeto empresarial, a pedido de Litvinenko, e que ele não tem nada a ver com a morte do ex-espião.
A polícia britânica disse que pode enviar agentes à Rússia para interrogá-lo.
A Europa depende fortemente do gás natural da Rússia, setor em que há grandes investimentos europeus. Nos últimos meses, porém, as relações vêm se degradando devido a suspeitas de autoritarismo por parte de Putin.
Litvinenko vinha investigando o assassinato da jornalista Anna Politkovskaya, também crítica contumaz de Putin, ocorrido no mês passado em Moscou.
(Reportagem adicional de Adrian Croft, Deborah Haynes, Michael Holden, Jeremy Lovell, Patricia Reaney e Sophie Walker em Londres, Christian Lowe em Helsinque e Richard Balmforth em Moscou)
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