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Ateísmo (menos) radical
Enviado: 03 Dez 2006, 07:26
por Christiano
+ Marcelo Gleiser
Ateísmo (menos) radical
Sou um desses ateus liberais; o sobrenatural não faz sentido
Aos leitores que porventura estranharem o título desta coluna, explico: semana passada escrevi sobre o ateísmo radical de, entre outros, Richard Dawkins, o biólogo e divulgador de ciência inglês que publicou livros importantíssimos como "O Gene Egoísta" e "O Relojoeiro Cego". Raramente abordo o mesmo tema duas vezes seguidas. Porém, recebi tantas mensagens de leitores a favor e contra que optei por fazê-lo.
Antes, um breve resumo do que disse. Critiquei a postura de Dawkins, a quem admiro muito, por achá-la intolerante e radical. Dawkins essencialmente nega a religião, considerando-a uma crendice absurda, que escraviza as pessoas. Ele não é o primeiro a afirmar isso. Lucrécio, poeta romano que viveu um pouco antes de Jesus Cristo, escreveu: "As pessoas vivem aterrorizadas porque não compreendem as causas das coisas que acontecem na terra e no céu, atribuindo-as cegamente aos caprichos de algum deus".
A razão, leia-se ciência, é a luz que ilumina o obscurantismo da fé.
A maioria das mensagens que recebi defendem a postura de Dawkins. Guerra é guerra, e a religião está em guerra contra a ciência. Intolerância tem de ser enfrentada com intolerância. Em uma delas, Sam Harris, outro autor que defende uma postura anti-religiosa radical, é citado: "a religião bate sem dó e quer ser tratada com luvas de pelica".
Eu sou um desses ateus liberais que Dawkins critica. Para mim, não há absolutamente nenhuma dúvida de que o sobrenatural é completamente incompatível com uma visão científica do mundo, visão que costumo defender arduamente.
Conforme escrevi em várias ocasiões, o sobrenatural não faz qualquer sentido: se algo ocorre, seja lá o que for, desde uma erupção vulcânica a um suposto "milagre", esse algo passa a ser um fenômeno natural e, como tal, regido pelas leis da natureza. Quando as causas ainda não são conhecidas, o dito fenômeno ganha um ar de mistério, criando espaço para o obscurantismo. Mas o fato de elas não serem conhecidas não implica que devam ser atribuídas a causas sobrenaturais: o que a ciência (ainda) não explica não deve ser atribuído a seres divinos cujas ações estão além da razão.
A natureza é sutil; a elucidação dos seus mecanismos leva tempo e requer muita criatividade. O terror a que Lucrécio se refere vem da insegurança causada pela submissão ao desconhecido: tememos o que não conhecemos. Numa era científica, esse terror não deveria existir.
Se sou ateu; se fico transtornado quando vejo a infiltração de grupos religiosos extremistas nas escolas, querendo mudar o currículo, tratando a ciência em pé de igualdade com a Bíblia; se concordo que o extremismo religioso é um dos grandes males do mundo; se batalho contra a disseminação de crenças anticientíficas absurdas como o design inteligente e o criacionismo na mídia; por que, então, critico o ateísmo radical de Dawkins?
Porque não acredito em extremismos e intolerância. Porque não vejo o radicalismo criar amigos ou novos aderentes, apenas mais inimigos e ódio. Porque o extremismo é o pior dos diplomatas. Sei bem do preconceito contra os ateus, preconceito que vem da crença absurda (popular em alguns países, como os EUA) de que só as pessoas religiosas podem ser morais. É essa crença ignorante que deve ser combatida; ninguém precisa acreditar na Bíblia para saber que matar é errado, se bem que esses ensinamentos são esquecidos na brutalidade selvagem das guerras religiosas que pontuam a história. É a hipocrisia usada sob a bandeira da fé que deve ser combatida, não a fé em si.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
Fonte: Folha de S. Paulo, Mais!, domingo, 03 de dezembro de 2006
Enviado: 03 Dez 2006, 09:33
por salgueiro
Porque não acredito em extremismos e intolerância. Porque não vejo o radicalismo criar amigos ou novos aderentes, apenas mais inimigos e ódio. Porque o extremismo é o pior dos diplomatas.
É a hipocrisia usada sob a bandeira da fé que deve ser combatida, não a fé em si.
Perfeito
Bjs
Enviado: 03 Dez 2006, 11:57
por zencem
Perfeito o Marcelo Gleiser.
Como ele, têm os que acham que o ateísmo não é um fim, mas uma mera consequência do uso da razão.
É preciso que o ser humano não adote este sentimento tolo de acabar com a religião, como um fim, porque religião não é apenas instituição, mas é principalmente, uma necessidade inerente ao indivíduo, cuja açao não obedece apenas ao instinto, mas ao que advém, também, dos vôos livres que a sua racionalidade promove, e que as instituições julgaram-se capazes de exercer controle, proclamando-se como especialistas, sem nunca, entretanto, terem se capacitado para isso: a promoção do crescimento interior, e o caminhar para a sabedoria.
É preciso que a sociedade se preocupe com o indivíduo, naquilo que ela pode e deve fazer como contribuição para a sua liberdade e preservação, de modo que o mesmo se torne capaz de interagir com todas as potencialidades que essa liberdade e preservação são capazes de desenvolver no seu carater moral.
O indivíduo precisa sentir-se como participante de um meio gregário, e estimulado a não permitir que este meio atrofie sua inteligência.
Infelizmente, as ideologias tem se assenhoreado da sua formação como se tivessem o direito de atrofia-lo e castra-lo em sua capacidade de pensar, daí originando um homem sem rumo e caótico, incapaz até de se utilizar da democracia, como um meio de solucionar seus problemas e de seus semelhantes.
Acho que Dawkins e seus seguidores fariam muito melhor propondo caminhos para abrigar esse homem não institucionalizado, dando oportunidade para que limpemos a cara das religiões que ostentam bandeiras que são incapazes de por em prática, pra compensar a ruina que seu obscurantismo causa na consciência de seus filiados.
O ateismo, como função ideológica, tem tanto valor como qualquer pentecostalismo idiota.
Estamos cheios de ideologia!
O que precisamos é de oportunidade para o surgimento de um homem inteligente e livre.
Enviado: 03 Dez 2006, 19:10
por Dick
Concordo que o ateísmo não deve ser uma bandeira a ser erguida, como fonte inicial de objetivos pessoais. É, antes de tudo, uma posição concernente a um indivíduo não submisso à idéias dogmáticas e simpatizante da procura humilde e sincera das razões de sua existência: seja de cunho físico (natureza) ou pessoal. Mas não sou adepto da idéia de que a religião, como movimento cultural, seja algo inerente ao indivíduo, a não ser o indivíduo que não possue as características do verdadeiro ateu citadas acima. Ou seja, a religião é o conjunto de tradições esotéricas passadas de pai para filho por séculos a fio, e que inexoravelmente torna-se um empecilho para a procura sincera das verdades que supostamente nos governam. Não, não quero que o ateísmo seja a opção para estas pessoas. Quero que o humanismo o seja. E, para um humanismo verdairo, não subjulgado por ideologias arbitrárias, seja vindas de um padre ou de um ateu, grupos da sociedade devem oferecer um conjunto de valores cuja importância seja explícita em si, por permitir um crescimento pessoal sem a onipresente subserviência dos que seguem um doutrina religiosa. O ateu não é mais virtuoso, em questões humanísticas, que o religioso. Pelo menos não por ser ateu. Mas por ser menos sujeito ao sobrenatural. Esta independência, esta não obediência à tradição religiosa, é um bom começo para um humanismo voltado ao ser humano, e menos voltado para os motivos esotéricos.
Re: Ateísmo (menos) radical
Enviado: 03 Dez 2006, 19:59
por videomaker
" No fim, a morte e terra na cara!" Viva o ateismo forte!!! :emoticon16:
Enviado: 03 Dez 2006, 20:40
por zencem
Let me think for a while escreveu:Concordo que o ateísmo não deve ser uma bandeira a ser erguida, como fonte inicial de objetivos pessoais. É, antes de tudo, uma posição concernente a um indivíduo não submisso à idéias dogmáticas e simpatizante da procura humilde e sincera das razões de sua existência: seja de cunho físico (natureza) ou pessoal. Mas não sou adepto da idéia de que a religião, como movimento cultural, seja algo inerente ao indivíduo, a não ser o indivíduo que não possue as características do verdadeiro ateu citadas acima. Ou seja, a religião é o conjunto de tradições esotéricas passadas de pai para filho por séculos a fio, e que inexoravelmente torna-se um empecilho para a procura sincera das verdades que supostamente nos governam. Não, não quero que o ateísmo seja a opção para estas pessoas. Quero que o humanismo o seja. E, para um humanismo verdairo, não subjulgado por ideologias arbitrárias, seja vindas de um padre ou de um ateu, grupos da sociedade devem oferecer um conjunto de valores cuja importância seja explícita em si, por permitir um crescimento pessoal sem a onipresente subserviência dos que seguem um doutrina religiosa. O ateu não é mais virtuoso, em questões humanísticas, que o religioso. Pelo menos não por ser ateu. Mas por ser menos sujeito ao sobrenatural. Esta independência, esta não obediência à tradição religiosa, é um bom começo para um humanismo voltado ao ser humano, e menos voltado para os motivos esotéricos.
Acho que temos idéias semelhantes, Let, faltando apenas clarear o que é que quero dizer com a inerência que me refiro, do indivíduo, em relação ao sentido de religião.
Há algum tempo atrás eu já falei sobre isso, decantando da palavra religião, o significado que se refere a ela como instituição, isolando-o daquilo que me refiro, como consciência de ação, um estado que fornece a substância destinada à formação de um ser livre e capaz de construir seu próprio carater moral.
Esta ação correta é o ponto sensível, nodal, que constitui os compromissos que devem existir entre uma sociedade e seus indivíduos, conscientes de que eles também tem obrigações como resposta às vantagens que buscam com a escolha do modo gregario de viver.
Esta relação é o que chamo de consciência religiosa como algo fundamental na ligação entre o indivíduo livre e, ao mesmo tempo, compromissado com o meio em que vive.
A sociedade precisa de indivíduos sábios para abrilhantar e harmonizar o seu ambiente, e o indivíduo precisa de uma sociedade saudável para administrar a liberdade que garanta o funcionamento pleno de sua inteligência.
As instituições religiosas, edificadas sobre o alicerce das falácias e das superstições, chamaram para sí esta responsabilidade e se impuseram arbitrariamente com tais funções, mas nunca foram capazes de fazer algum estudo sério que buscasse saidas para a educação humana.
Pior ainda, tornaram-se modelos de fundamental influência junto ao estado incubido de nos governar.
Resultado: Nenhum ser humano tem siquer consciência de que a sua mente é a única ferramenta apropriada para fornecer adequadamente as soluções aos problemas inerentes a sua ação.
Encheram-no de leis para substituir o cérebro que elas sempre se empenharam em destruir, e nunca descobriram que o cenário comportamental será sempre derivado desta mente destruida e não dos livros que projetaram para controlá-la.
Re: Ateísmo (menos) radical
Enviado: 03 Dez 2006, 22:30
por user f.k.a. Cabeção
videomaker escreveu:
" No fim, a morte e terra na cara!" Viva o ateismo forte!!! :emoticon16:
O destino dos medíocres, talvez.
Mas para se atingir a imortalidade, basta fazer apenas uma coisa notável.
Keep walking...
Enviado: 03 Dez 2006, 22:32
por Dick
A palavra "religião", deves saber disso, zencem, deriva justamente de "religiare", ou religar, que denota uma união entre as comunidades. Assim, realmente haveria um cunho humanístico em suas bases, não fosse a pesada carga de dogmas e esoterismos opressores que, na prática, faz das religiões, como as conhecemos, algo mais nocivo que benéfico. Entendo sua visão, assim como entendo quando Einstein se referia ao "sentimento cósmico religioso" para demonstrar sua admiração pelos mistérios (científicos) que nos cercam. Mas isto pode causar problemas, pelo uso inadequado de termos que, embora historicamente corretos, como "religião", não possuem mais esta denotação na sociedade. Einstein teve tantos problemas com o termo citado acima, que teve que se justificar:
"Foi, é claro, uma mentira o que você leu sobre minhas convicções religiosas, uma mentira que está sendo sistematicamente repetida. Eu não acredito em um Deus pessoal e eu nunca neguei isso. Se existe algo em mim que pode ser chamado de religioso, esse algo é a admiração ilimitada pela estrutura do mundo tão longínqua quanto a nossa ciência pode revelar."
Albert Einstein
É por isso que evito a palavra "religião" quando quero me referir a uma sociedade mais altruísta. Não pelo seu real significado, mas pelo significado que passou a ter. E, semanticamente falando, é a conotação que acaba virando o que era para ser denotação.