Do natural e do sobrenatural
Enviado: 29 Out 2005, 11:28
[center]PRIMEIRA PARTE
Nota preliminar[/center]
Definição I
Por ciência entendo todo conhecimento intersubjetivo, discutível e justificável.
Explicação:
Neste sentido preciso do termo não podemos chamar de científico apenas o conhecimento das ciências experimentais. Embora exemplos como a Física e a Biologia constituam um saber científico legítimo, não se pode limitar a eles o título de tal saber. As exigências para que se possa chamar um conhecimento assim são: a) que se possa compartilhar com outros, e que qualquer um possa ter acesso a ele; b) que se possa colocá-lo em dúvida (na medida em que a dúvida se mostre como pertinente), mesmo que por natureza possua uma evidência que resista a qualquer dívida; c) que se possa justificar por meio de argumentos, uma vez que foi posto em questão por uma dúvida pertinente.
[center]SEGUNDA PARTE
Do modo comum de pensar[/center]
Muito comumente vemos pessoas opondo o natural ao sobrenatural. Elas o fazem com base em uma distinção clássica no cristianismo entre o conhecimento humano e o conhecimento divino. Quanto ao último se diz que é infinito, na medida em que se compreende que Deus sabe todas as coisas, ou seja, é oniciente. Quanto ao primeiro se diz que é finito, pois conhece apenas uma parcela das coisas. Com base nesta distinção, geralmente associam à idéia de natural aquilo que pode ser compreendido pelo conhecimento humano, e à de sobrenatural aquilo que não pode ser compreendido pelo conhecimento humano. Estas pessoas dizem haver uma distinção de natureza entre estes dois conhecimentos, o que significa admitir que nós não podemos conhecer as coisas da mesma forma que Deus conhece.
Definição II
Por natural entendo o conhecimento de coisa ou de evento que pode ser explicado de forma racional.
Definição comum de sobrenatural:
Tipo de conhecimento de coisa ou evento que não pode ser explicado de forma racional sem cair em contradição.
Das definições acima dadas, segue-se, necessariamente, que o conhecimento científico é natural e que não pode ser sobrenatural.
É natural pois assim pode cumprir todas as exigências da definição de ciência.
Não é sobrenatural pois não poderia ser a) compartilhado ou comunicável, pois na medida em que não se pode falar dele sem contradição; b) posto em dúvida de forma pertinente, pois na medida em que o outro não possui na mente uma idéia idêntica à do outro, não poderia nem entender do que o outro fala, assim sendo não poderia levantar sobre este conhecimento uma dúvida pertinente, pois nada o que falasse se remeteria a este; c) justificável, pois se não pode ser comunicável, não pode ser racional, se não pode ser racional, não pode ser justificado.
Disso segue-se o juízo verdadeiro:
O conhecimento científico é natural.
Constatado isso, estes cristãos passam rapidamente à idéia de que a sua religiosidade é por oposição ao conhecimento científico. Pensam eles:
p1: O sobrenatural é definido por oposição ao natural
p2: O conhecimento científico é natural.
Conclusão: A religiosidade é oposta ao conhecimento científico.
Segundo esta linha de pensamento poderíamos dizer: A proposição 1 é verdadeira a partir das definições de natural e sobrenatural. A proposição 2 é verdadeira a partir da dedução extraída da Definição II. Como conclusão teríamos que se uma é por oposição à outra, e se a ciência é um conhecimento natural, então a religiosidade só pode ser sobrenatural.
A consequência imediata disso é que o cientista não pode compreender a religiosidade, pois tenta fazê-lo de forma científica. Assim sendo, Deus só pode ser alcançado pela religião e a razão só poderia atrapalhar no processo do conhecimento com Deus.
[center]TERCEIRA PARTE
A consequência imediata deste modo comum de pensar[/center]
A primeira grande dificuldade que se pode objetar a esta visão é a de que, se assim fosse, a idéia verdadeira seria diferente da coisa de que ela é idéia, na medida em que o conhecimento finito se difere por natureza do infinito. Assim nunca poderíamos conhecer a realidade enquanto intelecto finito, na medida que conhecemos coisas diferentes das reais. O que nos obrigaria a dizer que TODO nosso conhecimento é uma representação da realidade e não possui vínculo com ela em nenhum aspecto. Esta negação da idéia de verdade como correspondência nos levaria a a um grande problema, a saber, à necessidade de identificar o verdadeiro como falso.
Exemplifiquemos:
Parece haver um consenso entre todas as vertentes do cristianismo no que diz respeito a dizer que Deus é bom. Então tomemos como verdadeiro, ao menos em hipótese, o fato de que Deus é bom. Sempre que pronunciássemos a sentença "Deus é bom", seja no meio de um discurso metafísico, seja por meio de qualquer gênero possível de sermão ou de conselho pastoral, estaríamos necessariamente mentindo. Pois a idéia que temos de um Deus bom é diferente do Deus bom real e concreto. Se não há correspondência então a idéia é falsa.
Assim se confirma a idéia de que é impossível fazer ciência de Deus. Mas se tivermos bom senso logo perceberemos que isso vale inclusive para o discurso religioso. Pois por mais que se tenha vivido uma experiência sobrenatural, esta deixa de ser logo no momento seguinte ao acontecimento, e tudo o que nos resta dela é uma idéia da memória. Assim ela só pode ser relatada de forma racional. Esta idéia, sendo verdadeira, é falsa, pois não se remete à própria experiência religiosa, mas a uma representação que falsifica a verdadeira experiência.
Aqui um idealista poderia achar que escapa deste problema por não postular um paralelismo entre idéia e realidade. Mas eu responderia que o problema continua presente, e só parece oculto pois ele não compreendeu bem o que significa a idéia de correspondência, e que é impossível que uma idéia não seja correspondente e ainda assim seja verdadeira.
A idéia de correspondência é, em verdade, uma metáfora. Mais precisamente a metáfora da balança. Quando usamos uma balança por mais que coloquemos coisas diversas nos dois lados, temos que admitir que existe ao menos uma coisa que é idêntica nas duas duas, a saber, o peso. A idéia adequada não é aquela que possui aderência com o objeto, mas aquela que possui identidade com o mesmo, ao menos sobre um aspecto.
Ora, eu me pergunto se não é esta a identidade que propõem os idealistas. Se um idealista responder que não, eu diria que é exatamente a mesma coisa que acontece quando o pensamento subjetivo de um homem em específico alcança a intersubjetividade, encontrando as limitações de pensamento comuns a todos os sujeitos. Existe uma adequação da idéia puramente subjetiva com a intersubjetiva.
Como vimos, então, a consequência imediata distinção de natureza entre o conhecimento finito e o infinito, nos conduz a um relativismo exagerado onde tudo é falso, inclusive qualquer discurso ou lembrança da experiência religiosa.
Neste relativismo onde tudo vale não seria possível religiosidade alguma. Pois na medida em que ela se assumisse como verdadeira, teria que se assumir necessariamente como falsa.
[center]QUARTA PARTE
Repensando os termos[/center]
Aqui ateus e agnósticos poderiam dar o assunto por acabado. Pois fica claro que a própria tese cristã é contraditória em si. Não apenas isso, mas que nenhuma religiosidade é possível enquanto pretende a verdade. Ateus poderiam ver nisso a inexistência de Deus, e os agnósticos a impossibilidade de se falar do mesmo.
Contudo eu me pergunto se esta seria a única interpretação válida? Seria necessário pensar os termos natural e sobrenatural desta forma? Eu acho que não. Voltemos ao início da SEGUNDA PARTE.
Admito existir uma diferença entre o intelecto finito e o infinito. Mas será que esta diferença é uma diferença de natureza? Não poderia ser ela uma diferença de grau?
Note-se que quando dizemos que o conhecimento infinito conhece todas as coisas e o finito não, não se diz na verdade que o primeiro conhece um número de coisas muito maior do que o segundo? Eu não vejo como se possa dizer de fato que existe uma diferença de natureza. Vejo apenas uma diferença de grau.
A idéia verdadeira não pode ser diferente do seu ideado. Pra que ela seja verdadeira deve existir pelo menos um aspecto em que são essencialmente idênticos. Isso não pode ser verdadeiro pra Deus e falso para nós. Isso deve ser verdadeiro pra Deus e para nós.
Desta forma se deve assumir necessariamente que de fato podemos conhecer Deus tal como ele é através do uso da razão. A teologia natural realmente nos conduz ao Deus cristão. Só é possível que seja assim. Pois a teologia natural tem como objetivo alcançar a verdade. E a religiosidade também. Se ambas fossem verdadeiras, não poderiam ser contraditórias. O que não significa que não podem ser diferentes. Mas neste caso, ainda que o fossem, seria possível que ambas se complementassem.
Como estudante do assunto, eu fico cada vez mais admirado como é possível chegar às conclusões escritas na Bíblia sem depender da mesma, mas apenas da razão. Como a teologia racional caminha lado a lado com a fé. É claro que ela corrige os pensamentos fracos da fé, mas ainda assim eles continuam favoráveis ao mesmo propósito.
Jesus é o único caminho legítimo para a salvação, mas isso não significa que devamos deixar o bom senso de lado. Quando Paulo fala aos romanos, diz que são indesculpáveis, pois as obras de Deus se revelam por meio da natureza. Nós também somos a natureza, e o nosso bom senso não pode deixar de fazer parte dela. A revelação não se dá tão somente pela religiosidade, mas pela própria razão, pela própria busca da verdade. Pois, sendo o cristianismo verdade, não deveria haver medo algum de colocá-lo em dúvida.
Assim sendo, deve haver um problema com a compreenção comum do termo sobrenatural. Por isso a redefinirei:
Definição III
Por sobrenatural entendo aquilo que é feito pela obra e atuação de Deus, podendo, em uma determinada atualidade, ser compreendido por nós.
O que não significa que um dia saibamos todas as coisas, mas apenas que é possível conhecer a cada uma delas separadamente. Também não significa que explicamos tudo. Os milagres são exemplos evidentes de coisas que não sabemos explicar. Mas não sabemos apenas por uma questão de atualidade, ou seja, no presente, não conseguimos explicar como se dá o processo de causas e efeitos. Mas um dia poderemos vir a descobrir, pois Deus conhece este processo, e nós não conhecemos apenas por não possuirmos de forma clara e distinta todas as idéias das coisas que atuam nessa causalidade.
Neste sentido tudo é sobrenatural, justamente pq tudo faz parte da natureza e das obras de Deus. Não é em vão que pessoas como Einstein (eu cito com aproximação) disseram que "há duas formas de entender os milagres: ou cremos existem milagres, ou cremos que o mundo seja um milagre".
Conhecer Deus, é fazer ciência. Pois é tornar este conhecimento compartilhável, dubitável e justificável. E é pq nossas idéias de Deus resistem ao caráter da dúvida que podemos julgá-las como verdadeiras.
[center]QUINTA PARTE
Conclusão[/center]
Espero com as reflexões precedentes ter alcançado clareza suficiente para que nosso interlocutor fique convencido de que o cristianismo não se opõe à racionalidade. Mas que, muito pelo contrário, deve ser pensado como unido a ela. E que aqueles que afirmam o contrário, sejam ateus, agnósticos ou mesmo cristãos, cometem grande equívoco. Pois os conceitos de natural e sobrenatural não são assim tão distantes como parecem a uma primeira vista.
Nota preliminar[/center]
Definição I
Por ciência entendo todo conhecimento intersubjetivo, discutível e justificável.
Explicação:
Neste sentido preciso do termo não podemos chamar de científico apenas o conhecimento das ciências experimentais. Embora exemplos como a Física e a Biologia constituam um saber científico legítimo, não se pode limitar a eles o título de tal saber. As exigências para que se possa chamar um conhecimento assim são: a) que se possa compartilhar com outros, e que qualquer um possa ter acesso a ele; b) que se possa colocá-lo em dúvida (na medida em que a dúvida se mostre como pertinente), mesmo que por natureza possua uma evidência que resista a qualquer dívida; c) que se possa justificar por meio de argumentos, uma vez que foi posto em questão por uma dúvida pertinente.
[center]SEGUNDA PARTE
Do modo comum de pensar[/center]
Muito comumente vemos pessoas opondo o natural ao sobrenatural. Elas o fazem com base em uma distinção clássica no cristianismo entre o conhecimento humano e o conhecimento divino. Quanto ao último se diz que é infinito, na medida em que se compreende que Deus sabe todas as coisas, ou seja, é oniciente. Quanto ao primeiro se diz que é finito, pois conhece apenas uma parcela das coisas. Com base nesta distinção, geralmente associam à idéia de natural aquilo que pode ser compreendido pelo conhecimento humano, e à de sobrenatural aquilo que não pode ser compreendido pelo conhecimento humano. Estas pessoas dizem haver uma distinção de natureza entre estes dois conhecimentos, o que significa admitir que nós não podemos conhecer as coisas da mesma forma que Deus conhece.
Definição II
Por natural entendo o conhecimento de coisa ou de evento que pode ser explicado de forma racional.
Definição comum de sobrenatural:
Tipo de conhecimento de coisa ou evento que não pode ser explicado de forma racional sem cair em contradição.
Das definições acima dadas, segue-se, necessariamente, que o conhecimento científico é natural e que não pode ser sobrenatural.
É natural pois assim pode cumprir todas as exigências da definição de ciência.
Não é sobrenatural pois não poderia ser a) compartilhado ou comunicável, pois na medida em que não se pode falar dele sem contradição; b) posto em dúvida de forma pertinente, pois na medida em que o outro não possui na mente uma idéia idêntica à do outro, não poderia nem entender do que o outro fala, assim sendo não poderia levantar sobre este conhecimento uma dúvida pertinente, pois nada o que falasse se remeteria a este; c) justificável, pois se não pode ser comunicável, não pode ser racional, se não pode ser racional, não pode ser justificado.
Disso segue-se o juízo verdadeiro:
O conhecimento científico é natural.
Constatado isso, estes cristãos passam rapidamente à idéia de que a sua religiosidade é por oposição ao conhecimento científico. Pensam eles:
p1: O sobrenatural é definido por oposição ao natural
p2: O conhecimento científico é natural.
Conclusão: A religiosidade é oposta ao conhecimento científico.
Segundo esta linha de pensamento poderíamos dizer: A proposição 1 é verdadeira a partir das definições de natural e sobrenatural. A proposição 2 é verdadeira a partir da dedução extraída da Definição II. Como conclusão teríamos que se uma é por oposição à outra, e se a ciência é um conhecimento natural, então a religiosidade só pode ser sobrenatural.
A consequência imediata disso é que o cientista não pode compreender a religiosidade, pois tenta fazê-lo de forma científica. Assim sendo, Deus só pode ser alcançado pela religião e a razão só poderia atrapalhar no processo do conhecimento com Deus.
[center]TERCEIRA PARTE
A consequência imediata deste modo comum de pensar[/center]
A primeira grande dificuldade que se pode objetar a esta visão é a de que, se assim fosse, a idéia verdadeira seria diferente da coisa de que ela é idéia, na medida em que o conhecimento finito se difere por natureza do infinito. Assim nunca poderíamos conhecer a realidade enquanto intelecto finito, na medida que conhecemos coisas diferentes das reais. O que nos obrigaria a dizer que TODO nosso conhecimento é uma representação da realidade e não possui vínculo com ela em nenhum aspecto. Esta negação da idéia de verdade como correspondência nos levaria a a um grande problema, a saber, à necessidade de identificar o verdadeiro como falso.
Exemplifiquemos:
Parece haver um consenso entre todas as vertentes do cristianismo no que diz respeito a dizer que Deus é bom. Então tomemos como verdadeiro, ao menos em hipótese, o fato de que Deus é bom. Sempre que pronunciássemos a sentença "Deus é bom", seja no meio de um discurso metafísico, seja por meio de qualquer gênero possível de sermão ou de conselho pastoral, estaríamos necessariamente mentindo. Pois a idéia que temos de um Deus bom é diferente do Deus bom real e concreto. Se não há correspondência então a idéia é falsa.
Assim se confirma a idéia de que é impossível fazer ciência de Deus. Mas se tivermos bom senso logo perceberemos que isso vale inclusive para o discurso religioso. Pois por mais que se tenha vivido uma experiência sobrenatural, esta deixa de ser logo no momento seguinte ao acontecimento, e tudo o que nos resta dela é uma idéia da memória. Assim ela só pode ser relatada de forma racional. Esta idéia, sendo verdadeira, é falsa, pois não se remete à própria experiência religiosa, mas a uma representação que falsifica a verdadeira experiência.
Aqui um idealista poderia achar que escapa deste problema por não postular um paralelismo entre idéia e realidade. Mas eu responderia que o problema continua presente, e só parece oculto pois ele não compreendeu bem o que significa a idéia de correspondência, e que é impossível que uma idéia não seja correspondente e ainda assim seja verdadeira.
A idéia de correspondência é, em verdade, uma metáfora. Mais precisamente a metáfora da balança. Quando usamos uma balança por mais que coloquemos coisas diversas nos dois lados, temos que admitir que existe ao menos uma coisa que é idêntica nas duas duas, a saber, o peso. A idéia adequada não é aquela que possui aderência com o objeto, mas aquela que possui identidade com o mesmo, ao menos sobre um aspecto.
Ora, eu me pergunto se não é esta a identidade que propõem os idealistas. Se um idealista responder que não, eu diria que é exatamente a mesma coisa que acontece quando o pensamento subjetivo de um homem em específico alcança a intersubjetividade, encontrando as limitações de pensamento comuns a todos os sujeitos. Existe uma adequação da idéia puramente subjetiva com a intersubjetiva.
Como vimos, então, a consequência imediata distinção de natureza entre o conhecimento finito e o infinito, nos conduz a um relativismo exagerado onde tudo é falso, inclusive qualquer discurso ou lembrança da experiência religiosa.
Neste relativismo onde tudo vale não seria possível religiosidade alguma. Pois na medida em que ela se assumisse como verdadeira, teria que se assumir necessariamente como falsa.
[center]QUARTA PARTE
Repensando os termos[/center]
Aqui ateus e agnósticos poderiam dar o assunto por acabado. Pois fica claro que a própria tese cristã é contraditória em si. Não apenas isso, mas que nenhuma religiosidade é possível enquanto pretende a verdade. Ateus poderiam ver nisso a inexistência de Deus, e os agnósticos a impossibilidade de se falar do mesmo.
Contudo eu me pergunto se esta seria a única interpretação válida? Seria necessário pensar os termos natural e sobrenatural desta forma? Eu acho que não. Voltemos ao início da SEGUNDA PARTE.
Admito existir uma diferença entre o intelecto finito e o infinito. Mas será que esta diferença é uma diferença de natureza? Não poderia ser ela uma diferença de grau?
Note-se que quando dizemos que o conhecimento infinito conhece todas as coisas e o finito não, não se diz na verdade que o primeiro conhece um número de coisas muito maior do que o segundo? Eu não vejo como se possa dizer de fato que existe uma diferença de natureza. Vejo apenas uma diferença de grau.
A idéia verdadeira não pode ser diferente do seu ideado. Pra que ela seja verdadeira deve existir pelo menos um aspecto em que são essencialmente idênticos. Isso não pode ser verdadeiro pra Deus e falso para nós. Isso deve ser verdadeiro pra Deus e para nós.
Desta forma se deve assumir necessariamente que de fato podemos conhecer Deus tal como ele é através do uso da razão. A teologia natural realmente nos conduz ao Deus cristão. Só é possível que seja assim. Pois a teologia natural tem como objetivo alcançar a verdade. E a religiosidade também. Se ambas fossem verdadeiras, não poderiam ser contraditórias. O que não significa que não podem ser diferentes. Mas neste caso, ainda que o fossem, seria possível que ambas se complementassem.
Como estudante do assunto, eu fico cada vez mais admirado como é possível chegar às conclusões escritas na Bíblia sem depender da mesma, mas apenas da razão. Como a teologia racional caminha lado a lado com a fé. É claro que ela corrige os pensamentos fracos da fé, mas ainda assim eles continuam favoráveis ao mesmo propósito.
Jesus é o único caminho legítimo para a salvação, mas isso não significa que devamos deixar o bom senso de lado. Quando Paulo fala aos romanos, diz que são indesculpáveis, pois as obras de Deus se revelam por meio da natureza. Nós também somos a natureza, e o nosso bom senso não pode deixar de fazer parte dela. A revelação não se dá tão somente pela religiosidade, mas pela própria razão, pela própria busca da verdade. Pois, sendo o cristianismo verdade, não deveria haver medo algum de colocá-lo em dúvida.
Assim sendo, deve haver um problema com a compreenção comum do termo sobrenatural. Por isso a redefinirei:
Definição III
Por sobrenatural entendo aquilo que é feito pela obra e atuação de Deus, podendo, em uma determinada atualidade, ser compreendido por nós.
O que não significa que um dia saibamos todas as coisas, mas apenas que é possível conhecer a cada uma delas separadamente. Também não significa que explicamos tudo. Os milagres são exemplos evidentes de coisas que não sabemos explicar. Mas não sabemos apenas por uma questão de atualidade, ou seja, no presente, não conseguimos explicar como se dá o processo de causas e efeitos. Mas um dia poderemos vir a descobrir, pois Deus conhece este processo, e nós não conhecemos apenas por não possuirmos de forma clara e distinta todas as idéias das coisas que atuam nessa causalidade.
Neste sentido tudo é sobrenatural, justamente pq tudo faz parte da natureza e das obras de Deus. Não é em vão que pessoas como Einstein (eu cito com aproximação) disseram que "há duas formas de entender os milagres: ou cremos existem milagres, ou cremos que o mundo seja um milagre".
Conhecer Deus, é fazer ciência. Pois é tornar este conhecimento compartilhável, dubitável e justificável. E é pq nossas idéias de Deus resistem ao caráter da dúvida que podemos julgá-las como verdadeiras.
[center]QUINTA PARTE
Conclusão[/center]
Espero com as reflexões precedentes ter alcançado clareza suficiente para que nosso interlocutor fique convencido de que o cristianismo não se opõe à racionalidade. Mas que, muito pelo contrário, deve ser pensado como unido a ela. E que aqueles que afirmam o contrário, sejam ateus, agnósticos ou mesmo cristãos, cometem grande equívoco. Pois os conceitos de natural e sobrenatural não são assim tão distantes como parecem a uma primeira vista.