Propaganda

Fórum de discussão de assuntos relevantes para o ateísmo, agnosticismo, humanismo e ceticismo. Defesa da razão e do Método Científico. Combate ao fanatismo e ao fundamentalismo religioso.
Avatar do usuário
Logan
Mensagens: 14
Registrado em: 09 Dez 2005, 13:27
Contato:

Propaganda

Mensagem por Logan »

Longe de mim ser contra a ciência. Mas li um livro chamado "A Terceira Cultura" onde todas as outras formas de estar na vida são postas em segundo lugar em relação á ciência, e em alguns casos ridicularizadas. Estou a começar achar que há um messianismo ciêntífico em ação desde que começou a cultura da popularização da ciência. Há até a sindrome do pós-fácio, onde o messianismo atinge o auge.
Haja paciência. A ciência é um processo chato. Mas é isto a verdadeira ciência. Os fatos e teorias são só produtos temporários da enorme chateza que é fazer ciência...

Avatar do usuário
Schultz
Mensagens: 534
Registrado em: 29 Out 2005, 20:30
Localização: Rio Grande do Sul

Re.: Propaganda

Mensagem por Schultz »

Miguel?

Avatar do usuário
Aurelio Moraes
Mensagens: 19637
Registrado em: 23 Out 2005, 18:26
Localização: São José dos Campos, S.P
Contato:

Mensagem por Aurelio Moraes »

Claaaro..a ciência é chata..acreditar cegamente nas religiões não é...

Por Carl Sagan

Nem todo ramo da Ciência pode prever o futuro, a Paleontologia não tem essa capacidade, mas muitos o conseguem, e com uma exatidão espantosa. Se você quiser saber quando será o próximo eclipse do Sol, pode procurar mágicos e místicos, mas terá melhor sorte com os cientistas. Eles lhe dirão onde se posicionar na Terra, quando terá de estar nesse lugar, e se vai ser um eclipse total, parcial ou anular. Eles conseguem prever rotineiramente um eclipse solar, com exatidão de minutos, um milênio antes.

Você pode ir ao feiticeiro-curandeiro para que ele desfaça o feitiço que causa a sua anemia perniciosa, ou tomar vitamina B12. Se quiser salvar seu filho da poliomielite, pode rezar ou vacinar. Se estiver interessado em saber o sexo da criança antes do nascimento, pode consultar as oscilações do chumbo na linha de prumo (esquerda/direita, um menino; para frente/para trás, uma menina – ou talvez seja ao contrário), mas elas acertarão, em média, apenas uma em duas vezes. Se quiser uma precisão real, neste caso 99%, tente amniocentese e ultra-som. Tente a Ciência.

Pense em quantas religiões tentam se validar com profecias. Pense em quantas pessoas se baseiam nessas profecias, por mais vagas e irrealizadas que sejam, para fundamentar ou sustentar suas crenças. No entanto, já houve alguma religião com a profética e a confiabilidade da Ciência? Não existe nenhuma religião no planeta que não deseje ter uma capacidade comparável – precisa e repetidamente demonstrada diante de céticos convictos – de prever acontecimentos futuros. Nenhuma outra instituição humana chega perto de seu desempenho.

Serão essas declarações um culto no altar da Ciência? Estarei substituindo uma fé por outra, igualmente arbitrária?A meu ver, de forma alguma. O sucesso da Ciência, diretamente observado, é a razão porque defendo o seu emprego. Se outra coisa funcionasse melhor, eu a defenderia.

A Ciência evita a crítica filosófica? Ela se define como tendo o monopólio da verdade? Pense de novo naquele eclipse que acontecerá daqui a mil anos. Compare todas as doutrinas de que se lembrar, observe as previsões que oferecem sobre o futuro, verifique quais delas são vagas, quais são precisas, e que doutrinas – todas sujeitas à falibilidade humana – têm dentro de si mecanismos de correção de erros. Leve em consideração o fato de que ninguém é perfeito. E então simplesmente adote aquela que, numa comparação justa, funciona (em oposição a parece) melhor.

Se doutrinas diferentes são superiores em campos bem distintos e independentes, temos certamente a liberdade de escolher várias – isto é, se não contradisserem umas às outras. Longe de ser idolatria, esse é o meio pelo qual podemos distinguir os falsos ídolos da realidade.

Qual é o segredo do sucesso da Ciência? Em parte, é esse mecanismo embutido de correção de erros. Não existem questões proibidas na Ciência, assuntos delicados demais para ser examinados, verdades sagradas. Essa abertura a novas idéias, combinada com o mais rigoroso exame cético de todas as idéias, separa a joio do trigo. Não importa o quanto você é inteligente, augusto ou amado, tem de provar a sua tese em face de uma crítica determinada e especializada. A diversidade e o debate são valorizados. É estimulada a discussão de idéias – substantivamente e em profundidade.

O processo da Ciência pode parecer confuso e desordenado. De certo modo, ele é. Se a Ciência é examinada em seu aspecto cotidiano, é claro que se descobre que os cientistas experimentam toda a gama de emoção, personalidade e caráter humanos. Mas há uma faceta realmente extraordinária para quem está de fora: o grau de crítica considerado aceitável ou até desejado.

Os cientistas iniciantes recebem um estímulo caloroso e inspirado de seus mentores. Mas no exame oral para a obtenção do título de Ph.D., o pobre estudante de pós-graduação é submetido a um intimidador fogo cruzado de perguntas, formuladas pelos próprios professores que têm o futuro do candidato em suas mãos. Naturalmente os estudantes ficam nervosos; quem não ficaria? Na verdade, eles se preparam para isso durante anos, mas todos compreendem que, nesse momento crítico, têm que ser capazes de responder às perguntas minuciosas feitas pelos especialistas. Assim, ao se preparar para defender suas teses, eles devem praticar um hábito de pensamento muito útil: antecipar as perguntas. Eles têm que perguntar: em que parte da minha dissertação há um ponto-fraco que outros poderiam encontrar? É melhor identificá-lo antes que os outros o façam.

Os encontros científicos vivem cheios de disputas. Há colóquios universitários em que o conferencista mal discursou trinta segundos e já se ouvem perguntas e comentários devastadores da platéia. É instrutivo examinar os procedimentos aos quais um relatório escrito é submetido para possível publicação numa revista científica, sendo depois enviado pelo editor a juízes anônimos que têm como tarefa fazer as seguintes perguntas: o autor fez alguma besteira? Existe alguma coisa neste trabalho que seja suficientemente interessante para ser publicada? Quais são as deficiências deste artigo? Os resultados mais importantes foram descobertos por outra pessoa? A argumentação é adequada, ou o artigo deve ser reavaliado depois que o autor realmente demonstrar aquilo que neste trabalho, por ora, é ainda apenas especulação? E tudo isso é anônimo: o autor não sabe quem são os críticos. Essa é a expectativa comum na comunidade científica.

Por que toleramos tudo isso? Gostamos de ser criticados? Não, nenhum cientista gosta disso. Todo cientista tem um sentimento de propriedade em relação a suas idéias e descobertas. Mesmo assim, ninguém responde aos críticos; “esperem um pouco, essa idéia é realmente boa, gosto muito dela, não lhe faz mal algum, por favor, deixem-na em paz!”. Em vez disso, a regra dura, mas justa, é que, se não funciona, as idéias devem ser descartadas. Não se devem desperdiçar neurônios com o que não funciona. Eles devem ser aplicados em novas idéias que expliquem melhor os dados.

A crítica válida presta um favor ao cientista.

Algumas pessoas consideram a Ciência arrogante – especialmente quando pretende rebater opiniões arraigadas ou introduz conceitos bizarros que parecem contraditório ao senso comum. Como um terremoto que confunde a nossa confiança no próprio solo que estamos pisando, pode ser profundamente perturbador desafiar as nossas crenças habituais, fazer estremecer as doutrinas em que aprendemos a confiar. Ainda assim, sustento que a Ciência é, em essência, humildade. Os cientistas não procuram impor as suas necessidades e desejos à Natureza; ao contrário, interrogam-na humildemente e levam a sério o que descobrem. Sabemos que cientistas reverenciados cometeram erros. Compreendemos a imperfeição humana. Insistimos na verificação independente e – na medida do possível – quantitativa dos princípios propostos. Com freqüência estimulamos, desafiamos, procuramos contradições ou pequenos erros residuais persistentes, propomos explicações alternativas e encorajamos a heresia. Concedemos nossos prêmios mais valorizados àqueles que convincentemente refutam crenças estabelecidas.

Eis um dentre muitos exemplos. As leis do movimento e a lei do inverso do quadrado da gravitação, associadas ao nome de Isaac Newton, são apropriadamente classificadas entre as realizações mais sublimes da espécie humana. Trezentos anos mais tarde, usamos a dinâmica de Newton para predizer os eclipses. Anos depois de seu lançamento, a bilhões de quilômetros da Terra (apenas com correções diminutas feitas por Einstein), uma nave espacial chega a um ponto predeterminado da órbita de um planeta alvo, justamente quando esse planeta vem passando. A precisão é espantosa. Evidentemente, Newton sabia o que estava fazendo.

Mas os cientistas não se dão por satisfeitos em deixar o razoável em paz. Têm procurado persistentemente fissuras na armadura newtoniana. Em velocidades elevadas e em gravidades intensas, a física de Newton se desmantela. Essa é uma das grandes descobertas da Relatividade especial e Geral de Albert Einstein, uma das razões para a sua memória ser tão exaltada.

A física newtoniana é válida numa ampla gama de condições, inclusive na vida cotidiana. Mas em certas circunstâncias muito inusitadas para os seres humanos – afinal, não temos o hábito de viajar quase à velocidade da luz – ela simplesmente não dá a resposta correta; ela não se ajusta às observações da Natureza.

A relatividade Especial e Geral são indistinguíveis da física newtoniana na sua esfera de validade, mas fazem previsões muito diferentes – previsões que concordam com as observações – nessas outras condições (alta velocidade, alta gravidade). A física de Newton se revela uma aproximação da verdade, boa em algumas circunstâncias com que estamos rotineiramente familiarizados, ruim em outras. É uma maravilhosa e justamente celebrada realização da inteligência humana, mas tem suas limitações.

Entretanto, de acordo com a nossa compreensão da falibilidade humana, escutando o conselho de que podemos assintoticamente nos aproximar da verdade, sem jamais alcançá-la em sua plenitude, os cientistas estão estudando condições em que a Relatividade Geral pode entrar em colapso. Por exemplo, ela prevê um fenômeno surpreendente chamado ondas gravitacionais. Elas nunca foram detectadas diretamente, mas se não existirem, há algo de fundamentalmente errado com a Relatividade geral.

Os pulsares são estrelas de nêutrons que giram rapidamente e cujas taxas de cintilação já podem ser medidas com uma precisão de quinze casas decimais. Prevê-se que dois pulsares muito densos, em órbita um ao redor do outro, irradiem quantidades copiosas de ondas gravitacionais, que com o tempo irão alterar levemente as órbitas e os períodos de rotação das duas estrelas.

Joseph Taylor e Russel Hulse, da Universidade de Princeton, usaram esse método para testar as previsões da Relatividade geral de forma inteiramente nova. Pelo que conheciam até então, os resultados seriam incompatíveis com a teoria e eles teriam derrubado um dos pilares principais da física moderna. Não só estavam dispostos a desafiar a Relatividade Geral, como foram bastante encorajados a fazê-lo.

O resultado foi que as observações dos pulsares binários forneceram uma verificação precisa das predições da teoria, e por isso Taylor e Hulse receberam em conjunto o prêmio Nobel de física de 1993.

De diversas maneiras, muitos outros físicos estão testando a Relatividade Geral. Esperam forçar a teoria até o ponto de ruptura e descobrir se não há condições da Natureza em que o grande progresso de Einstein no campo do conhecimento comece, por sua vez, a dar sinais de avaria.

Este exemplo continuará enquanto houver cientistas. A Relatividade Geral é certamente uma descrição inadequada da Natureza em nível quântico, mas mesmo que não o fosse, mesmo que a teoria fosse válida em toda parte e para sempre, que melhor meio de nos convencer de sua validade do que um esforço combinado para descobrir suas falhas e limitações? Essa é uma das razões pelas quais as religiões organizadas não me inspiram confiança.

Que líderes dos principais credos reconhecem que suas crenças talvez sejam incompletas e errôneas, e criam institutos para revelar possíveis deficiências doutrinárias? Além do teste da vida cotidiana, quem verifica sistematicamente as circunstâncias em que os ensinamentos religiosos tradicionais talvez já não se apliquem? É possível que as doutrinas e a ética que podem ter funcionado muito bem nos tempos patriarcais, patrísticos ou medievais sejam totalmente inválidos no mundo bastante diferente que habitamos hoje. Que sermões examinam imparcialmente a hipótese de Deus? Que prêmios os céticos religiosos ganham das religiões estabelecidas, ou nesse aspecto, que recompensas os céticos sociais e econômicos recebem da sociedade em que vivem?

A Ciência, observa Ann Druyan, está sempre nos sussurrando ao ouvido: “Lembre-se, você é novo nisso, pode estar equivocado, já errou antes”. Apesar de todo discurso de humildade, mostre-me algo comparável na religião. Acredita-se que as escrituras sejam de inspiração divina, uma expressão de muitos significados. Mas e se forem simplesmente criadas por seres humanos falíveis?Os milagres são comprovados, mas e se forem, ao contrário, uma mistura de charlatanismo, estados de consciência desconhecidos, percepções errôneas de fenômenos naturais e doença mental? Nenhuma religião contemporânea e nenhum credo da Nova Era me parece levar realmente em consideração a grandiosidade, a magnificência, a sutileza e a complexidade do Universo revelado pela Ciência.

O fato de que tão poucas descobertas da Ciência moderna estejam prefiguradas nas Escrituras lança, ao meu ver, ainda mais dúvidas sobre a sua inspiração divina.

Mas é claro que eu posso estar errado.

CARL SAGAN – O MUNDO ASSOMBRADO PELOS DEMÔNIOS

Trancado