
Logo depois do "telégrafo espiritual" inventado pelas irmãs Fox, o primeiro método utilizado pelos médiuns para se comunicar com os mortos foi a "mesa girante" (table turning). Um grupo de pessoas se sentava ao redor de uma mesa (quanto mais leve melhor) apoiando seus dedos sobre ela. Feitas as invocações espirituais iniciais, a mesa logo começava a balançar e girar batendo com suas pernas no chão; as pancadas eram transformadas em sinais: uma pancada para "sim", duas para "talvez" e três para "não". Era demorado e um tanto entediante, mas em uma época sem grandes passatempos as mesas girantes se tornaram uma verdadeira mania.
Mas o que é o tabuleiro Ouija afinal? apenas "um Scrabble com atitude", como alguém já o definiu, ou uma maneira menos nobre e até perigosa de comunicação com os mortos, como insistem alguns espiritualistas? Vamos agora ouvir o que a ciência tem a dizer.


Mesas saltitantes eram uma maneira bastante barulhenta e um tanto inconveniente para que os espíritos transmitissem longas mensagens e novas tecnologias foram desenvolvidas. Uma base em forma de coração com rodinhas e um lápis acoplado, na qual o médium apoiava sua mão se tornou bastante popular em 1860. A planchette, como era conhecida, tinha a desvantagem de que os garranchos produzidos eram quase impossíveis de serem lidos, mas era simples e barata e vendeu como pão quente nas mãos das companhias de brinquedos. Na Inglaterra, a planchette ganhou uma variante, o Physio-Psychophone, misto de redator espiritual com biscoito da sorte, em que a prancha de madeira deslizava sobre uma folha onde se lia conselhos do tipo: "concentre-se no presente para melhorar seu futuro". É curioso notar que, a despeito de sua imagem claramente mística, a planchete nunca foi vendida como um meio de comunicação espiritual, mas sim como um brinquedo.

É verdade que muitos médiuns dispensavam instrumentos intermediários, redigindo diretamente as mensagens psicografadas ou as transmitindo oralmente em um estado alterado de transe. Mas para os médiuns menos habilidosos havia outras maneiras de se travar conversas espirituais. Em 1853, o espiritualista Isaac T. Pease patenteou o que chamou de Telégrafo de Discagem Espiritual, que consistia em um disco com letras inscritas na periferia e um ponteiro que se movia sob influência do médium. Inúmeras variantes desse aparato foram inventadas, tornando-se conhecidas genericamente por Comunicadores Espirituais Telepáticos. É interessante notar que houve algumas tentativas de criar aparelhos que fossem operados às cegas pelos médiuns, isto é, que eliminassem a possibilidade do operador influenciar consciente ou inconscientemente a mensagem. O mais notório desses instrumentos foi criado em 1855 pelo eminente professor Robert Hare, que de crítico contumaz havia se convertido em ardente defensor do espiritualismo (para grande desagrado da comunidade científica). Mas mesmo que esses aparatos ainda permitissem algum grau de manipulação - o médium experiente podia ler a expressão corporal de seu cliente como em um jogo de pôquer (um método conhecido por "leitura fria") - infelizmente eles não foram muito populares entre os médiuns; em 1861, quando Alan Kardec, pai do espiritualismo francês, conduziu as entrevistas com os espíritos que resultaram na bíblia espírita "O Livro dos Espíritos", ele escolheu um comunicador espiritual telepático clássico (similar ao PYTHO or The Thought Reader da figura).


Assim era o estado dos comunicadores espirituais, até que em 1886 algo novo surgiu: o Tabuleiro Falante (talking board). A novidade consistia em um tabuleiro com as letras do alfabeto, algarismos e algumas palavras como "sim", "não" e "boa noite". O tabuleiro era apoiado no colo de duas pessoas, que por sua vez apoiavam seus dedos sobre uma pequena tábua de quatro pés (uma planchette), que então deslizava sobre as letras.
A maioria dos primeiros tabuleiros falantes era artesanal e algumas pessoas utilizavam um copo de vinho no lugar da pequena tábua deslizante. Mais tarde, esse tabuleiro improvisado com o copo passou a ser conhecido como "Ask the Glass" (pergunte ao copo) ou "The Spirit of the Glass" (o espírito do copo) ou ainda "The Moving Wineglass" (o copo de vinho que se move).
O primeiro modelo comercial de um tabuleiro falante viria alguns anos depois, em 1898, quando Charles Kennard, William Fuld e sócios patentearam o Ouija Board (tabuleiro Ouija). Diz a lenda que o nome ouija foi obtido através do próprio tabuleiro como sendo a palavra em egípcio para "sorte". Como Ouija não significa sorte em egípcio nem em nenhuma outra língua (desse mundo pelo menos), o mais provável é que a palavra tenha sido escolhida como uma mistura das palavra sim em francês ("oui") e em alemão ("ja").


O tabuleiro Ouija foi um sucesso estrondoso. Até 1950, quase todo lar americano possuía um. Mais do que uma mania, ele foi um desses itens que se tornam parte da cultura popular, como a boneca Barbie ou o Halloween . O jogo já apareceu em vários filmes de Hollywood - não podemos esquecer a ponta sinistra que fez em "o Exorcista" que levou muita gente a jogar seus tabuleiros pela janela - em músicas, na televisão e na literatura. Hoje o tabuleiro Ouija é fabricado nos EUA pela mesma empresa que fabrica os populares jogos Banco Imobiliário (Monopoly) e Scrabble e vendido ao lado deles nas estantes das lojas de brinquedos. Em suas centenas de encarnações e imitações, houve tabuleiros para todos os gostos: modelos coloridos para as meninas (Ouija Queen), tabuleiros rosa-choque com mensagens picantes para apimentar sua vida sexual (Psychic Sex Board, coisa dos anos 70), tabuleiros que brilhavam no escuro, tabuleiros com símbolos de tarô, astrologia, pirâmides e até símbolos católicos (não deixe de visitar o fantástico Museum of Talking Boards). Por algum motivo, supersticioso ou religioso talvez, o jogo nunca foi lançado no Brasil. Mas isso não é um problema; nestes tempos de internet você não precisa nem mesmo possuir o tabuleiro para jogar; chame seus amigos, substitua o copo por um mouse sem fio e faça a brincadeira on-line.

Explicando o fenômeno - O efeito ideomotor

Quem já fez a brincadeira do copo não pode negar: o copo realmente se move e faz isso aparentemente sem ajuda de ninguém. O efeito é desconcertante e capaz de convencer mesmo os mais relutantes em abraçar a explicação sobrenatural.
Mas se é realmente um espírito que conduz o copo, então não faria mal nenhum vendar os participantes da brincadeira, não é? Pois blogs, fóruns de sites espíritas e céticos trazem dezenas de relatos de quem tentou fazer a brincadeira de olhos vendados. Há até relatos de médiuns que fizeram isso na frente das câmeras. Para todos o resultado foi o mesmo: o copo continuou se movendo mas as palavras formadas foram apenas sequências desordenadas de letras. Diante da experiência não há outra conclusão possível: espíritos, se existem, não ficam zanzando por aí movendo copos e pregando trotes em adolescentes. Deve haver outra explicação para o copo que anda.
Se isso não for suficiente para convencê-lo de que não há nenhum espírito envolvido no movimento do copo, tente uma abordagem adicional: faça ao copo uma pergunta que nenhum dos participantes da brincadeira possa conhecer a resposta - como um nome secreto escrito em um papel deixado em outra parte da sala a salvo dos olhares curiosos. Você também pode apoiar sobre o fundo do copo uma pilha daqueles apoios para copos (coasters; na falta deles use CDs) e pedir aos participantes que apoiem seus dedos sobre eles. Depois fique de olho: se o movimento partir do copo (empurrado pelo espírito) a pilha de apoios fará uma escadinha com o copo um pouco à frente dos seus dedos; se o movimento partir dos dedos dos participantes a escadinha será na direção oposta, com os dedos um pouco à frente do copo (dependendo do atrito entre os apoios e o copo é bem provável que os apoios deslizem e o copo nem saia do lugar, o que prova o ponto assim mesmo). Foi com um método parecido, mas mais elaborado, que o físico Faraday provou, no século XIX, que as "mesas girantes", aquelas que tremiam e pulavam animadas pelos espíritos, na verdade eram empurradas pelas pessoas que se sentavam ao redor delas.
Mas mesmo que não seja um espírito o responsável pelo movimento do copo, como ele se move se os participantes juram que não o estão empurrando? Há sempre um trapaceiro em cada brincadeira? Felizmente, não. A resposta é que os participantes da brincadeira empurram sim o copo, mas o fazem inconscientemente, através de pequenas e involuntárias contrações musculares. Este efeito é bem conhecido pelos médicos e chama-se efeito ideomotor.
O efeito ideomotor é mais comum do que se pensa e você provavelmente já foi vítima dele. Como quando assistia a uma partida de futebol e, sem mais nem menos, chutou a poltrona no momento em que o atacante hesitou com a bola diante do gol. Ou todas as vezes que seus pés procuraram instintivamente o pedal do freio a cada manobra arriscada do seu amigo na direção. Médicos e psicólogos vêem o efeito ideomotor como um tipo de imitação involuntária; o observador age conforme o que vê ou o que gostaria de ver.
Provavelmente o primeiro cientista a se deparar com o efeito ideomotor foi o químico francês Michel Chevreul. Nos primeiros anos do século XIX estava na moda um novo método de análise química que usava um certo "pêndulo exploratório". Como em um tabuleiro Ouija (que ainda não tinha sido inventado) mas sem o aspecto espiritual (que também não tinha sido inventado), o operador segurava um pêndulo que oscilava sobre as letras do alfabeto, em uma placa, formando os nomes dos elementos químicos. Em 1808 um químico chamado Gerbouin escreveu um livro inteiro sobre esta modalidade de análise química e arrastou vários colegas na nova onda. Chevreul foi um pouco mais cauteloso e decidiu colocar o método à prova. Em suas primeiras experiências, Chevreul constatou que o pêndulo realmente se movia quando colocado sobre uma placa contendo mercúrio e que, quando o mercúrio era coberto por uma lâmina de vidro, o pêndulo diminuía seu movimento até parar. Depois de repetir a experiência várias vezes, sempre com o mesmo resultado, Chevreul decidiu tentar algo inédito; algo tão simples que ninguém ainda tinha pensado em fazer: repetiu a experiência de olhos vendados. O resultado foi que quando um assistente colocava e retirava a lâmina sobre o mercúrio sem que ele visse, nada acontecia; o pêndulo não se movia. Assim Chevreul conclui que ele próprio era responsável pelo movimento do pêndulo, ou seja, por mais que tentasse permanecer completamente imóvel não podia evitar que seus dedos movessem o pêndulo na direção que ele sabia que ele deveria se mover.
Muitos anos depois, em 1853, Chevreul foi indicado pela Academia Francesa de Ciências para fazer parte de um comitê responsável por estudar certos fenômenos sobrenaturais, especialmente as "mesas girantes", que, como vimos, eram a grande coqueluche daquela época. As mesas girantes já vinham sendo estudadas por cientistas nos EUA e na Inglaterra e eles já tinham descoberto um bocado sobre elas. Por exemplo, eles sabiam que a mesa parava de se mover se a atenção dos participantes fosse desviada ou se o "clima" fosse quebrado durante a sessão. Sabiam que a mesa não se movia se os participantes não possuíssem alguma expectativa de como ela deveria se mover, e também não se movia se metade das pessoas ao redor da mesa acreditasse que ela deveria se mover para a direita e a outra metade acreditasse que ela deveria se mover para a esquerda. Por outro lado, a mesa começava a se mover bem rapidamente se a direção do movimento fosse definida de antemão. Por tudo isso, os cientistas desconfiavam que os participantes, por mais honestos e inteligentes que fossem, estavam movendo involuntariamente a mesa em resposta às suas próprias expectativas. O psicólogo Willian Carpenter deu a esse efeito muscular involuntário o nome de efeito ideomotor. Coube ao físico Michael Faraday demonstrá-lo de forma espetacular, usando um aparato com folhas de papelão presos com elásticos à superfície da mesa. Pelo deslocamento relativo das folhas de papelão, Faraday mostrou como o movimento partia das mãos dos participantes, e não da própria mesa. Assim ele colocou um ponto final na discussão sobre a natureza espiritual do fenômeno.
O efeito ideomotor é tão convicente para aqueles que o experimentam que a grande maioria das pessoas que se inscreve para o Desafio de Um Milhão de Dólares de James Randi é de radiestesistas (profissionais que usam pêndulos como os de Chevreul ou forquilhas para detectar água, petróleo, campos de energia, qualquer coisa). Segundo Randi, essas pessoas acreditam honestamente em seus "poderes" e ficam genuínamente desconcertadas quando falham num exame às cegas (e eles têm falhado). Entretanto, nenhuma dessas pessoas admite a explicação natural do efeito ideomotor, preferindo atribuir o fracasso a algum fator desconhecido