Página 1 de 1

AMAZÔNIA

Enviado: 16 Jan 2007, 10:46
por Carlos Castelo
De Galvez a Chico Mendes: o discurso branco na tela da Globo
Eduardo de Araújo Carneiro - Publicado em 11.01.2007

Exijo a possibilidade de viver plenamente a contradição da minha época, que pode fazer de um sarcasmo a condição da verdade. (Roland Barthes)

A minissérie Amazônia: de Galvez a Chico Mendes pretende contar os cem primeiros anos da história do Acre. A imagem inaugural do primeiro capítulo foi a chegada dos nordestinos. Há uma pergunta que não quer calar: cadê os mais de 150 mil índios, divididos em quase 50 povos, que moravam há mais de 10 mil anos no território que o branco passou a chamar de Acre?

O Acre é uma invenção do branco. Um branco do gênero masculino, de classe econômica abastada e de nacionalidade brasileira. A história que estamos vendo na telinha turva da Globo é uma representação midiatizada de um discurso marcado por efeitos de poder. Um discurso branco para entreter o próprio branco.

A presença milenar dos indígenas nas terras de Galvez se desmancha no ar. Quem fundou o Acre para o reino da civilização foram os heróis brancos, o que ficou para trás é somente barbárie e pré-história. Índio não tem vez. Índio não entra em cena. Quando entra é para acentuar a bravura dos brancos na saga da conquista e para fazer 150 milhões de telespectadores brancos se divertirem com o que chamam de exótico.

A minissérie está atravessada por uma política de produção do saber. Ela materializa um discurso marcadamente ideológico e o faz funcionar como evidência. É a ordem do discurso da qual Foucault tanto falava. Os discursos são governados por formações discursivas, que regram o aparecimento de certos enunciados e determinam o que pode e deve ser dito num dado momento e num dado lugar.

A ordem do discurso limita a visibilidade, fixa um sentido desejado e, neste caso, dirige o olhar do telespectador. O objetivo da minissérie não é problematizar a história do Acre; pelo contrário, é regrar o olhar de quem a enxerga. Ela põe em funcionamento mecanismos de organização do real, por meio dos quais, somos interpelados a crer que a história é realmente contínua e teleológica.

Mas, Nietzsche e Foucault nos afirmam que a história é descontínua. É pulverizada por rupturas. A regularidade histórica é um efeito de sentido criado pela ideologia, que esconde a emergência da singularidade dos acontecimentos. A unidade histórica está ligada a sistemas de poder - a uma “ordem do discurso” que fixa um sentido desejado.

A milenar presença indígena nas terras de Galvez é sacrificada para que se construa um momento inaugural de origem branca. Esse fenômeno é chamado pela filósofa Marilena Chauí de mito fundador. Jacques Derrida diz que esse discurso nos remete “... a uma origem em que nada começou, à gênese de um ego que não existe”.

Amazônia: de Galvez a Chico Mendes aparece como a narração de um eu acreano. Como se o acreano tivesse marcas de nascença ou uma identidade fixa espelhada nos heróis Galvez, Plácido de Castro e Chico Mendes. O acreano - assim como o brasileiro - não tem apenas um ego, mas muitos, um para cada situação. O eu que exterminava os índios nas correrias em prol da formação de seringais não é o mesmo que se uniu aos remanescentes indígenas em defesa da floresta nos anos 80.

Queremos agitar o que nos mostram como imóvel. A identidade é híbrida, o perfil é movente, a origem é vacuolar. Um mosaico de sentidos, e não um sentido apenas! A mesma retórica que significa uma identidade para o acreano é a mesma que desloca o índio para a insignificância.

Os índios são defensores da floresta há milênios, embora não recebam prêmios na ONU, nem monumentos no centro da capital acreana, muito menos papel de destaque numa minissérie sobre a Amazônia. Galvez, Plácido de Castro e Chico Mendes - o branco sente a necessidade de criar heróis para amenizar-lhes a consciência acusadora e para projetarem-se politicamente sobre outros brancos. Índio nunca vira mocinho em história branca.

Todo discurso possui brechas. Nesse artigo, nos colocamos em uma das fissuras desse discurso midiático sobre a história do Acre – a interdição do índio. É nas gretas que o sentido se mostra tenso. É no entre-lugar que se ouve as vozes silenciadas, que se vê as múltiplas resistências e que se pode reivindicar o sarcasmo como a condição da verdade!

Eduardo de Araújo Carneiro é licenciado em História, concludente do curso de Economia e acadêmico do Mestrado em Letras pela UFAC e edita o blog História do Acre

Re.: AMAZÔNIA

Enviado: 16 Jan 2007, 11:08
por Poindexter
O autor do texto não gostou? Funda então sua própria rede de televisão e faz sua própria versão do ocorrido.

Quem fundou o Acre para o reino da civilização foram os heróis brancos, o que ficou para trás é somente barbárie e pré-história.


Até onde sei, é isso mesmo. Não me consta que esse índios tivessem escrita e não me interessa nem um pouco se pintavam suas caras de pigmentos verdes ou azuis.

Re.: AMAZÔNIA

Enviado: 16 Jan 2007, 11:16
por francioalmeida
Mas o que passa na novela também faz parte da história do acre.

Os índios foram os primeiros a habitar a terra e a novela não esconde isso. Nos primeiros capítulos mostrou uma cena onde uma cabloca, empregada de um coronel, dizia que ela era única sobrevivente de sua tribo que tinha sido dizimada, e agora ela estva sob a proteção do coronel.

Vejo que o autor é do tipo: sou minória e tudo me deixa "OFENDIDINHO"

Re.: AMAZÔNIA

Enviado: 16 Jan 2007, 12:18
por Tranca
Imagem

=

Imagem


PS - todo mundo sabe que as mini-séries e novelas da globo retratam fatos e personagem históricos conforme for mais conveniente aos seus interesses de audiência. Justamente como o cinema americano, or exemplo, que costuma impor o verniz patriótico ou o ponto de vista americano sobre qualquer tema que a sétima arte produzida em solo americano resolva explorar.

Quem quer aprender história, de verdade, leia um livro ou assista documentários históricos. Deixe novelas e mini-séries para quem está apenas em busca de distração e diversão. Não há nestes modelos seriados compromisso estrito com a realidade do fatos e da personalidade e aparência dos personagens, só sendo mostrado o que é de interesse dos produtores, que estão mais preocupados com a audiência e com os custos do projeto do que com algum compromisso com a história, com a consciência coletiva ou de alguma minoria injustiçada.

Re: Re.: AMAZÔNIA

Enviado: 16 Jan 2007, 13:57
por Carlos Castelo
Tranca-Ruas escreveu:Imagem

=

Imagem


PS - todo mundo sabe que as mini-séries e novelas da globo retratam fatos e personagem históricos conforme for mais conveniente aos seus interesses de audiência. Justamente como o cinema americano, or exemplo, que costuma impor o verniz patriótico ou o ponto de vista americano sobre qualquer tema que a sétima arte produzida em solo americano resolva explorar.

Quem quer aprender história, de verdade, leia um livro ou assista documentários históricos. Deixe novelas e mini-séries para quem está apenas em busca de distração e diversão. Não há nestes modelos seriados compromisso estrito com a realidade do fatos e da personalidade e aparência dos personagens, só sendo mostrado o que é de interesse dos produtores, que estão mais preocupados com a audiência e com os custos do projeto do que com algum compromisso com a história, com a consciência coletiva ou de alguma minoria injustiçada.


Concordo Tranca, a minha análise é mais ou menos parecida com a sua. Na realidade se trata de uma novela, como já foi comentado anteriormente, e uma novela tem toda uma ficção aliada a um jogo de interesses que não são os de informar através de fontes fidedignas, mas sim, de mascarar uma realidade, embora isso nem sempre aconteça!

A autora não tem lá esses créditos todos pra fazer um trabalho diferente de uma novela!

Re.: AMAZÔNIA

Enviado: 16 Jan 2007, 15:00
por Tranca
Concordo Tranca, a minha análise é mais ou menos parecida com a sua. Na realidade se trata de uma novela, como já foi comentado anteriormente, e uma novela tem toda uma ficção aliada a um jogo de interesses que não são os de informar através de fontes fidedignas, mas sim, de mascarar uma realidade, embora isso nem sempre aconteça!

A autora não tem lá esses créditos todos pra fazer um trabalho diferente de uma novela!



Pois é, Carlos. A intenção da mini-série é o entretenimento, não tem compromisso com fatos reais.

Os fatos ou os períodos históricos servem de pano de fundo para o a trama, que necessariamente tem que possuir doses cavalares de drama, de romance e de aventura, para emplacar, sendo que pode o enredo conter personagens históricos como participantes.

Shakespeare já fazia isto há séculos.

E todo mundo mete o pau na Globo. Pelo menos, a emissora de vez em quando "relembra passagens históricas" na sua programação. Não é uma contribuição à medida do real, mas serve para que o povão tome conhecimento de vultos e fatos do passado. Qual outra emissora que ressuscita a memória de caudilhos dos pampas gaúchos com suas tropas em farrapos e desbravadores da amazônia que lutaram contra um inferno verde? Se A fez B ao invés de C já é outra história...

A Record produziu uma novela (Escrava Izaura) sobre a qual a Igreja Universal - dona da Record - impôs que não se mostrasse qualquer artefato que relembrasse o passado católico praticante dos senhores de engenho e do povo brasileiro, além dos cultos e costumes dos escravos, de origem africana. Missas, cruzes, estátuas de santos, ritos e danças dos escravos, tudo o que lembrasse o catolicismo ou as religiões africanas era proibido.

Acho este tipo de intervenção muito mais grave do que as "licenças poéticas" que transformam bandoleiros em heróis, broncos preocupados com a sobrevivência em bravios desbravadores e que eventualmente omitem fatos que pesam em detrimento do personagem ou de seu grupo para dar um ar mais clean no enredo.

No primeiro caso há a coação, a intenção de interferir no enredo por um determinado interesse. No segundo caso há o desejo de tornar interessante a trama e fazer valer o tempo e o investimento gasto.

E sobre a fedelidade histórica, de novo: quem quiser saber da verdade (das diversas visões ou leituras históricas sobre determinado fato, época ou pessoa), que vá correr atrás.

Quando leio textos como o que abre o tópico, eu fico pensando se quem o redigiu é adepto de teorias conspiratórias e tem mania de perseguição, argumentando-se que a Globo tenta justificar uma determinada visão de mundo que coloca as minorias no lixo e exalta a classe dominante através de uma programação de entretenimento e lazer, de modo intencional e compromissada com o interesse na sedimentação de uma visão deturpada do mundo, como que se a emissora fosse uma "inimiga" do povo disfarçada de fada madrinha.

Tem-se que pensar o que tanto a mesma ganharia se resolvesse fazer uma novela ou seriado tentando ser totalmente fiel aos fatos. Provavelmente a audiência seria menor (o que não atende à expectativa da emissora, que é a da audiência), pois o drama, a aventura, o romance, as intrigas seriam menos interessantes do que ocorre na ficção.

Também tem outra coisa; por exemplo, tentar mostrar as desigualdades, denunciar o descaso para com alguns grupos étnicos e o não reconhecimento do papel histórico de outros e conduzir o teleaudiente à reflexão sobre isso ou aquilo também não é obrigação de quem cria, dirige ou produz uma determinada obra artística. Pode fazer parte da intenção e até da responsabilidade social de quem o faz, mas não deve ser tomado como dever, pois isto inibe a arte.

É o que penso.

Abraço.