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Perder ou perder.

Enviado: 23 Jan 2007, 02:08
por Mr. Crowley
Por José Arbex Jr.

George Bush conseguiu mais uma vez contrariar a vontade da imensa maioria da opinião mundial - exceto por dois ou três países, incluindo Israel e Polônia. Ver Bush na Casa Branca por outros quatro anos deixou muita gente desconsolada. Não que a alternativa representada pelo senador democrata John Jerry fosse brilhante. Muito ao contrário.
Curiosamente a polarização eleitoral entre democratas e republicanos, nos Estados Unidos, guarda certas semelhanças com aquela verificada entre petistas e tucanos no Brasil. Se alguém tentar seriamente identificaro que diferenciava, por exemplo, as propostas de Marta Suplicy das defendidas por José Serra para a prefeitura de São Paulo. O mesmo vale para Kerry e Bush em relaçãoaos eixos políticos fundamentais para o governo estadunidense(sem que se pretenda estabelecer qualquer equivalência entre os personagens em questão).
Apesar das semelhanças entre as plataformas, houve uma polarização real no Brasil, assim como a disputa entre Kerry e Bush produziu um recorde de comparecimento às urnas. Como explicar isso, quando se sabe que estamos a milhões de anos luz da época em que havia uma disputa ideológica efetiva, quando, por exemplo, o liberal republicano Hebert Hoover acusava o democrata Franklin Roosevelt de "bolchevique", por ter proposto o New Deal como forma de enfrentar a Grande Depressão de 1929.
Nos comícios e debates eleitorais, Bush qualificou Kerry como "esquerdista", mas isso tinha muito mais a ver com o passado do senador democrata, que, em determinado momento, era cabeludo e participou de mobilizações contra a Guerra do Vietnã(após ter sido condecorado como herói). De fato a polarização refletiu uma diferença de histórias e estilos, de formas de conduzir a ação política, e não seu conteúdo.
No Brasil, o PT vive do mito de um passado recente, identificado com a luta dos trabalhadores pela democracia e pelo socialismo, embora diga amém para a ALCA e para o FMI. Nos Estados Unidos, os democratas agitam a bandeira das conquistas do New Deal e de programas de integração social, mesmo quando sustentam a continuidade da política neoliberal anunciada por Ronald Reagan e promovem a globalização da economia em benefício das corporações, como fez Bill Clinton, nos anos 90. Mas as semelhanças acabam por aqui. Qualquer analogia é perigosa, por definição, mais ainda quando se trata de contextos políticos e históricos completamente diferentes.
No caso da disputa estadunidense, os dois partidos representam, de formas distintas, os interesses do império. Muito se disse, às vesperas das eleições, sobre a truculência militarista dos republicanos, em geral, e sobre a agressividade da "guerra ao terror" promovida por Bush, em particular. Isso tudo é verdade. Porém, não é menos verdade que um democrata(Herry Truman) ordenou o bombardeio atômico de Hiroshima e Nagazaki; outro(John Kennedy) promoveu a escalada militar no Vietnã; um terceiro(Jimmy Carter) armou e treinou a Al Qaeda de Osama Bin Laden, para lutar no Afeganistão; e, finalmente, um quarto(Bill Clinton) arquitetou o plano Colômbia e a escalada daocupação estadunidense na Amazônia, além de ter invadido a Somália, o Haiti e bombardeado a única fábrica de remédios do Sudão, para em seguida atacar a Iugoslávia.
A diferença, novamente, é de estilo. Bush é neoconservador, fundamentalista protestante e adepto de concepções muito próximas àquelas adotadas por Adolf Hitler(por exemplo, a da "guerra preventiva"). Kerry tende a fazer política nos moldes conservadores mais tradicionais.
A rejeição a Bush teve uma influência eleitoral infinitamente mais importante do que a simpatia por Kerry. Os governos da França e Alemanha, por exemplo, manifestaram sua preferência por uma vitória do candidato democrata, mesmo sabendo que seria muito difícil, do ponto de vista diplomático, recusar o envio de tropas ao Iraque no quadro de megociações multilaterais propostas por Kerry do que foi à face truculência unilateral de Bush. Assim a vitória de Kerry teria tudo pra produzir crises políticas na França e Alemanha, já que a opinião pública daqueles lugares se manifestou, por vasta maioria, contrária ao envolvimento na Guerra do Iraque. Apesar disso, Paris e Berlin preferiram apostar em Kerry.
Nos Estados Unidos, a continuidade de Bush tornou-se uma perspectiva desesperadora para qualquer pessoa minimamente preocupada com valores como preservação da dignidade política(abalada pelas mentiras e escândalos de corrupção), algum equilíbrio na economia(devastada por cortes brutais dos impostos pagos pelos ricos e por um orçamento militar equiparável ao PIB do Brasil) e cuidado com o meio ambiente. A eventual vitória de Bush era equivalente ao pior pesadelo.
Se você acha que isso é exagero, leia Lies and the Lying Liars who Tell Them - A Fair And Balanced Look at the Right(Mentiras e os mentirosos que as contam - Um olhar honesto e equilibrado sobre a direita, editora Plume), escrito pelo humorista democarta Al Franken, que em uma passagem memorável descreve um método ultilizado por corporações da indústria de alimento para aumentar a produtividade e os lucros.
"Quero descrever um lago pra vocês. Não se trata de um lago azul efeitado por praias brancas e palmeiras cheias de folhas, nem o tipo de lago que você se lembra de ter visto em Gilligan's Island, onde aparecem um leão enjaulado ou um índio numa canoa apenas para que se aconteça o episódio da semana. Este lago é retangular, do tamanho de três campos de futebol, forrado com polietileno de alta densidade e repleto, com profundidade de 10 metros, de merda de porco.
Agora imagine que no fundo do lago, seixos perfuram o piso retangular, permitindo a penetração da merda liquidificada sob o forro, onde ela começa a fermentar. Cresce uma bolha. O forro de polietileno começa a se erguer, como se fosse uma criatura do lago marrom. A bolha emerge da superfície e começa a derramar pedaços de merda não tratada e urina em um riacho perto. Um trabalhador irregular guatemalteco recebe ordens de perfurar a bolha com um tiro de espingarda. Vomitando, ele atira. A bolha volta às profundidades fedorentas. Missão cumprida.
No dia seguinte, porém, numa das visões mais magníficas da natureza, um gêiser de merda explode no céu da tarde. Os que trabalham nas imediações observam o jato se elevar 3, 6, 10 metros acima do nível do lago. É como se a própria Terra estivesse acometida de um caso virulento de diarréia."
Por suspeitar que uma cena tão absurda talvez fosse fruto da imaginação de Franken, fiz uma rápida consulta ao Google e obtive 18800 sites em resposta à expressão "concentrated animal feeding operations". Há relatos impressionantes de locais que se tornaram inabitáveis como consequência do cheiro e da contaminação das águas. Franken dizia a verdade: multipicam-se, nos EUA, lagos de merda em erupção.
Dificilmente alguém poderia encontrar uma metáfora melhor para descrever o mundo proposto por Bush.

Re.: Perder ou perder.

Enviado: 24 Jan 2007, 01:25
por Mr. Crowley
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